Bancada da bola sela nova lua de mel entre a CBF e a presidência da República
Após anos de desgaste por denúncias de corrupção, confederação resgata os tempos de tabelinha entre o governo Lula e o ex-presidente da entidade, Ricardo Teixeira
A cena se tornou o ponto alto dos rituais diplomáticos entre políticos e cartolas. Ao final de cada encontro, poses para fotos com camisas da seleção, o presente que faz olhos brilharem e amolece corações. Por décadas, a Confederação Brasileira de Futebol (CBF) se esforçou para estabelecer pontes com os poderes Judiciário, Executivo e Legislativo, onde fundou a célebre “bancada da bola”, composta por parlamentares alinhados aos caprichos da entidade. Mas, desde a chegada de Jair Bolsonaro à Presidência, a diplomacia da cartolagem encontrou um terreno ainda mais fértil para ampliar sua influência no Congresso Nacional.
Bolsonaro tem utilizado o futebol como plataforma de promoção pessoal. Já posou com a taça de campeão de seu time, o Palmeiras, quando ainda não havia sido empossado como presidente. Com a seleção, durante a Copa América, desfilou pelo gramado do Mineirão no clássico entre Brasil e Argentina e ergueu o troféu ao lado de jogadores na final. Levou o ministro Sérgio Moro às tribunas do Mané Garrincha em jogo do Flamengo e, recentemente, entregou um agasalho do clube carioca ao presidente chinês Xi Jinping. A CBF, por sua vez, de olho em uma reaproximação definitiva com o executivo federal, apostou desde os primeiros meses de Governo no fortalecimento das relações institucionais em Brasília.
No dia seguinte à sua posse na entidade, o novo presidente da CBF, Rogério Caboclo, foi recebido por Bolsonaro no Palácio do Planalto juntamente com o mandatário da FIFA, Gianni Infantino. O encontro teve trocas de gentilezas, a promessa de relacionamento estreito do Governo com a confederação e elogios mútuos, em que o presidente gargalhava ao lado dos cartolas depois de ser presenteado com uma camisa da seleção. Na mesma semana, Caboclo recepcionou na sede da CBF o senador e filho mais velho do chefe de Estado, Flávio Bolsonaro (PSL-RJ), que também ganhou um uniforme personalizado com seu nome. Três meses depois, o presidente da República entregou uma homenagem à confederação no Dia Nacional do Futebol, comemorado em 19 de julho.
“É um dia histórico e simbólico”, comentou o secretário da CBF, Walter Feldman, após a solenidade. “Pela primeira vez, o Governo, através do próprio presidente, homenageia instituições como a CBF. Um tratamento exemplar, mostrando que a boa relação institucional pode fazer tudo para que o futebol brasileiro seja cada vez maior.” O gesto de deferência de Bolsonaro marcou oficialmente a reconciliação com a Presidência. Desde o fim do Governo Lula, a confederação tenta sedimentar um relacionamento nos bastidores.
O ex-presidente petista tinha proximidade com Ricardo Teixeira, ex-mandachuva da entidade que renunciou ao cargo depois de ser indiciado pela Justiça americana por corrupção. Ajudou a costurar acordos para que o Brasil sediasse a Copa do Mundo de 2014, além de ter atuado diretamente na liberação de financiamentos públicos para construção e reformas de estádios. A relação cordial entre Governo e CBF se deteriorou com a chegada ao poder de Dilma Rousseff, que sempre evitou receber cartolas da entidade, mesmo às vésperas da realização da Copa, e brecou concessões federais a exigências impostas pela FIFA. Um indício de retomada de diálogo aconteceu após o impeachment de Dilma, já que os ex-cartolas José Maria Marin e Marco Polo Del Nero eram próximos do sucessor no cargo, Michel Temer. Um mês depois do afastamento da petista, uma comitiva da CBF esteve na Câmara dos Deputados para tentar aprovar um projeto de interesse dos clubes, que visavam a possibilidade de contratar jogadores a partir de 12 anos, e não dos 14, como prevê a atual legislação.
Porém, a tentativa de reavivar a afinidade dos tempos de Lula esbarrou em escândalos de corrupção tanto do Governo, acumulando desgastes à figura de Temer, quanto da CBF, que viu Marin e Del Nero caírem diante das denúncias de recebimento de propina. Agora, com um presidente que se declara o anti-Lula, as relações da cartolagem com a alta cúpula do Planalto remetem às portas abertas de uma década atrás. Personagem central da articulação política da entidade com o setor público, o secretário Feldman é visto como um facilitador capaz de circular em várias correntes, tarimbado pela bagagem de ex-vereador e deputado com passagens por PSDB e PSB, além de ter sido um dos ideólogos da REDE.
Foi ele quem articulou, no fim de setembro, a visita do presidente do Senado, Davi Alcolumbre (DEM-AP), à sede da CBF para um encontro com o técnico Tite e Rogério Caboclo. A motivação do encontro era discutir a proposta de transformar clubes de futebol em empresas, liderada pelo presidente da Câmara, Rodrigo Maia (DEM-RJ), que já havia se encontrado com dirigentes da CBF em julho para alinhar discursos sobre o tema. Na ocasião, ele participou da apresentação da técnica da seleção feminina, Pia Sundhage. Além da CBF, o Governo Bolsonaro já demonstrou apoio ao projeto de time-empresa que tramita no Congresso.
Blindagem contra opositores da bancada
Enquanto conta com o lobby governista para acelerar a discussão de pautas de seu interesse, a CBF ainda dispõe de uma força-tarefa entre parlamentares para desidratar propostas que possam impor novas obrigações a clubes e federações. Inimigos declarados da bancada da bola no Senado, Romário (Podemos-RJ) e Jorge Kajuru (Cidadania-GO) já sentiram o peso da articulação ao afrontar a entidade comandada por Caboclo. No início do ano, Romário tentou corresponsabilizar a CBF pelo incêndio que matou 10 garotos nas categorias de base do Flamengo e criou um projeto de lei para endurecer exigências a equipes que trabalham com crianças e adolescentes. A proposta empacou e nem chegou a ser incluída na ordem do dia. “Não é bancada da bola. É bancada da CBF, que tem tentáculos espalhados em vários lugares. Eles exercem muita força aqui [no Congresso]”, diz o senador, que, em 2016, presidiu a CPI do Futebol no Senado, mas não conseguiu indiciar nenhum dirigente.
Já Kajuru, que se elegeu prometendo acabar com a bancada da bola, trabalhou para emplacar a CPI do Esporte, a fim de investigar os convênios da CBF e do Comitê Olímpico Brasileiro (COB) com entidades públicas. Depois de amealhar 50 assinaturas de senadores a favor da CPI, o pedido acabou rejeitado por Alcolumbre. Três semanas antes de visitar a CBF, o presidente do Senado entendeu que a confederação de futebol não deveria ser investigada, mas apenas o COB, e se recusou a instalar a comissão de inquérito. “Os lobistas da CBF agiram para que o presidente ignorasse a vontade do Senado”, afirma Kajuru.
Partido de Bolsonaro, o PSL também tem se mobilizado para defender demandas dos clubes. Em abril, a executiva nacional liderada por Luciano Bivar, ex-presidente do Sport, entrou com ação no Supremo Tribunal Federal (STF) para afrouxar regras do Profut que exigem contrapartidas dos times que aderiram ao programa de refinanciamento de dívidas com a União. No mesmo mês, em audiência pública para discutir a tragédia no Flamengo, o deputado Hélio Lopes (PSL-RJ), amigo e braço-direito de Bolsonaro, discursou em defesa do seu clube de coração e posou sorridente exibindo a camisa rubro-negra que ganhou de um diretor. Com tapete vermelho estendido em Brasília, a CBF comemora como um gol a guarida na base governista.
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