Greve de jogadores no Figueirense coloca em xeque o modelo clube-empresa
Time catarinense terceiriza sua gestão desde 2017, mas amarga penúria financeira e paralisação de atletas por falta de pagamentos
Quando o Figueirense anunciou que se transformaria em uma sociedade anônima, em meados de 2017, entregando a administração a investidores representados na figura da empresa Elephant Participações por um período de 20 anos, associados e torcedores da equipe catarinense imaginaram que o acordo seria o divisor de águas para a modernização do futebol alvinegro. No entanto, dois anos depois da parceria, o clube se vê atolado em dívidas e acaba de passar por um vexame sem precedentes em sua história quase centenária.
Na noite desta terça-feira, jogadores se recusaram a entrar em campo pela 17ª rodada da Série B do Campeonato Brasileiro, contra o Cuiabá, por atrasos no pagamento de salários e direitos de imagem. Assim, o Furacão sofreu W.O. por não comparecer ao gramado da Arena Pantanal e foi declarado perdedor da partida por 3 a 0. Segundo a diretoria, a decisão de não disputar o jogo “é exclusiva dos jogadores profissionais relacionados para o confronto”.
Em julho, os atletas do Figueira já sinalizavam a intenção de paralisar os trabalhos, insatisfeitos com os recorrentes atrasos salariais que se arrastam desde o ano passado. Nomes mais experientes do elenco, como o volante Zé Antônio e o atacante Rafael Marques, ressaltam que o grupo decidiu em conjunto pela greve, acusando a diretoria alvinegra de tentativas de intimidação e de “ferir o direito de todo trabalhador”. Alegam que as promessas de regularização dos pagamentos nunca foram cumpridas, nem mesmo após jogadores deixarem de treinar como forma de pressão aos dirigentes.
A Elephant, atual gestora do clube, é comandada pelo empresário Cláudio Honigman, que despontou no meio do futebol como parceiro de negócios de Ricardo Teixeira, ex-presidente da CBF, e Sandro Rosell, ex-mandatário do Barcelona. Ele havia assegurado aos jogadores quitar o salário atrasado de julho e dois meses de direitos de imagem até o dia 28 de agosto, mas se recusou a dar sua renúncia ao cargo de presidente como garantia caso não cumprisse o combinado. Diante do impasse, jogadores resolveram não jogar contra o Cuiabá. Além dos três pontos perdidos, o Figueirense pode ser multado em até 200.000 reais pela ausência em campo e, se houver reincidência, acabar excluído da segunda divisão.
Fundadores do Bom Senso FC, movimento de jogadores que lutava por melhorias no futebol, manifestaram solidariedade aos atletas do Furacão, que está a sete jogos sem vencer na Série B. Os ex-meias Alex e Rui Cabeção apoiaram a decisão do elenco. “Que a diretoria do Figueirense tenha hombridade e dignidade de assumir o erro. Jogadores não são culpados, são vítimas de uma má administração. A atual direção está manchando a história desse clube e dessa torcida apaixonada”, diz Rui Cabeção em resposta à nota oficial do Figueirense, onde jogou em 2007. A Federação Nacional dos Atletas Profissionais de Futebol (Fenapaf), sindicato da categoria, também se colocou à disposição para intervir em defesa dos direitos do plantel.
Atrasos de salários são prática comum no futebol brasileiro, incluindo grandes times da Série A. Porém, o caso do Figueirense coloca em xeque o modelo de clube-empresa aventado por equipes como Botafogo, em formato semelhante ao dos catarinenses e formulado pelos irmãos Moreira Salles, torcedores do alvinegro carioca, e cogitado como salvação das finanças da maioria dos clubes nacionais pelo presidente da Câmara dos Deputados, Rodrigo Maia, que pretende encaminhar um projeto de lei no Congresso para a abertura de times a investimentos privados em troca de incentivos fiscais.
No Figueirense, a parceria com a Elephant, que detém 95% de participação na sociedade anônima, ainda não recebeu o aporte de aproximadamente 20 milhões de reais previsto pela empresa na época da assinatura do acordo. Por outro lado, a dívida do clube ultrapassou a marca dos 100 milhões, enquanto o faturamento anual caiu para apenas 18% do endividamento. A ideia inicial era que a terceirização do futebol a um grupo privado não só modernizasse a gestão, mas também garantisse recursos capazes de blindar o clube de atrasos salariais e rescisões de contrato na Justiça. No início deste mês, o goleiro Denis deixou o time por falta de depósitos do FGTS, que, segundo seus advogados, não eram feitos desde abril de 2018.
Para tentar contornar a crise, a Elephant havia firmado há duas semanas um termo de compromisso pela quitação dos vencimentos com jogadores, que desconsideraram o documento por entender que a diretoria “não passa credibilidade”. Em 2016, o então presidente Wilfredo Brillinger lançou estratégia semelhante ao obrigar os atletas da equipe a assinar um termo de garantia de que o Figueirense não seria rebaixado da Série A. Depois do pacto, o time não ganhou nenhuma partida e acabou caindo para a segunda divisão. Seis anos antes, Brillinger foi o responsável por criar uma empresa, a Alliance, para gerir o departamento de futebol da equipe de Santa Catarina. O acordo durou apenas dois anos, culminando em um rebaixamento no Brasileirão de 2012 e dívidas acumuladas ao redor de 20 milhões de reais.
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