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Romário: “Fui melhor que Messi e Cristiano Ronaldo em finalização e posicionamento na área”

Hoje senador, ex-atacante promete implodir “covil de ladrões” na CBF e afirma que, se ainda jogasse, poderia superar os melhores do mundo

Romário explica projeto para transformar seleção em patrimônio cultural brasileiro.Vídeo: Ed Ferreira
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Ao longo da carreira como jogador, Romário marcou 1.002 vezes. Agora, ele comemora aquele que considera seu milésimo terceiro gol. Desta vez, não nos gramados, mas em Brasília. O senador lançou neste sábado o livro Um olho na bola, outro no cartola (Editora Planeta), em que detalha todas as investigações que capitaneou como presidente da última CPI do Futebol no Congresso Nacional. Seu relatório, que acabou não sendo aprovado pela comissão, pediu o indiciamento de nove dirigentes da Confederação Brasileira de Futebol (CBF), incluindo o atual presidente Marco Polo Del Nero e os dois últimos mandatários José Maria Marin, que está em prisão domiciliar em Nova Iorque, e Ricardo Teixeira. Ao EL PAÍS, o Baixinho revela que pretende seguir atormentando a vida dos cartolas, exalta o momento da seleção comandada por Tite, pondera a escolha de Neymar pelo PSG e diz que superaria Messi e Cristiano Ronaldo caso tivesse sido contemporâneo dos dois maiores craques da atualidade: “Nos quesitos de finalização e posicionamento, eu estou bem à frente deles”.

Pergunta. Seu livro denuncia “o crime organizado no futebol brasileiro”. Qual era o modus operandi dos dirigentes da CBF?

Resposta. A investigação da CPI do Futebol traz muitas coisas que as pessoas não tinham ideia. E eu sou uma delas. A CBF leiloou a seleção. Analisando contratos com empresas, concluímos que os amistosos realizados pela CBF não têm nenhum objetivo técnico ou a intenção de melhorar a seleção brasileira. O único objetivo com esses amistosos é ganhar dinheiro – aliás, fazer com que seus dirigentes ganhem dinheiro. O pior de tudo é que nem sempre os melhores jogadores são chamados para a seleção. A CBF convoca quem lhe convém. Vários jogadores, depois de duas ou três convocações, acabam envolvidos em uma transferência milionária para fora do país.

P. E os últimos técnicos da seleção tinham consciência disso?

R. Isso aí eu não posso afirmar. O que posso afirmar é que existem contratos com determinadas empresas que obrigam a CBF a convocar jogadores com mais nome. Nem sempre quem tem mais nome é o melhor.

P. Em seus tempos de jogador, você nunca desconfiou dessas práticas?

R. Nunca me passou pela cabeça que existia essa máfia dentro da CBF.

P. No livro, você usa a expressão “covil de ladrões” para definir a confederação…

R. Já foi mais que provado que o atual e os dois últimos ex-presidentes da CBF são realmente ladrões. São pessoas que roubaram dinheiro, desviaram verbas dos cofres da entidade para os seus bolsos. Há outras figuras investigadas, como Wagner Abrahão [empresário] e o [Antonio] Osório, o Zozó [ex-diretor financeiro]. Elas conviveram muitos anos nas dependências da CBF e se enriqueceram ilicitamente. É preciso acabar com esse covil de ladrões.

Romário posa em frente a quadro com os seis filhos no gabinete em Brasília.
Romário posa em frente a quadro com os seis filhos no gabinete em Brasília.Ed Ferreira

P. O atual presidente da CBF mentiu ao negar ter contas bancárias no exterior em depoimento à CPI?

R. Del Nero não só é mentiroso, como também é mau caráter. Ele foi cara de pau ao falar e fazer o que fez diante de todos nós na CPI. Tudo que está no livro foi comprovado pelas nossas investigações. Conseguimos abrir a caixa-preta da CBF.

P. Como reage aos processos movidos contra você por dirigentes da CBF?

R. O Del Nero vive me processando. Mas contra fatos não há argumentos. Temos provas de que ele roubou a CBF. Quando ele nega isso, a gente comprova tudo que fizeram e continuam fazendo. Se ele se acha no direito de me atacar para se defender, fazer o quê?

P. Ele chegou a ganhar alguma ação?

R. Não ganhou e nem vai ganhar. Del Nero não tem prova de nada contra mim. Quem tem prova contra ele sou eu. Sempre fui tranquilo, mas, se me colocam no meio de uma briga, eu funciono bem. Vou até o fim.

“Se o presidente da CBF não viajar para a Copa, vai ser o maior vexame da história de uma seleção mundial”

P. Houve também uma tentativa de censurar a publicação do livro?

R. Os advogados da CBF tentaram barrar o livro em São Paulo e, mais uma vez, eles perderam. Eu preferiria que isso não tivesse acontecido, mas, já que aconteceu, acabou dando uma repercussão positiva para o lançamento. Deixaram os leitores ainda mais curiosos.

P. Dunga e Gilmar Rinaldi também o processaram, certo?

R. Os dois me processaram e perderam. Dei uma entrevista para um repórter italiano, que, por causa da língua, acabou distorcendo um pouco as coisas [em 2015, Romário afirmou que havia “interesses por trás” das convocações de Dunga na seleção]. Entenderam que eu tinha ofendido a honra deles. Mas processo nenhum vai me impedir de dizer a verdade.

P. Ficou decepcionado por se tratarem de ex-companheiros de seleção?

R. Por mais de 20 anos fui jogador profissional. Eu jogo futebol desde os 13. Estou há seis anos e meio na política. Hoje em dia é muito difícil alguma coisa me decepcionar. Já passei dessa fase. Tô vacinado.

P. E o que fazer para que a CBF seja investigada e julgada pelos crimes que seu relatório da CPI apontou?

R. Entendo que o Estado não deve intervir em entidade privada. Mas não é o caso da CBF. É uma entidade que trabalha com material humano brasileiro, que é o jogador de futebol. Usa as cores e o hino do nosso país. Deixa de pagar bilhões de impostos. Por esses motivos é mais do que justo que a CBF não seja tratada apenas como uma empresa particular. Tem algo mais. Por isso tenho um projeto na Comissão de Educação e Esporte para transformar as seleções de todas as modalidades em patrimônio cultural brasileiro. Assim, as federações poderão ser investigadas pelo Ministério Público. Pra gente entender de uma vez por toda que o esporte no Brasil é feito para o cidadão, e não para as pessoas que tomam conta dessas entidades.

P. No livro, você também critica o monopólio dos direitos de transmissão de jogos e campeonatos. É um recado para a TV Globo?

R. Isso é muito prejudicial ao nosso futebol. Não é porque é a Globo. Poderia ser o SBT ou a Record. Monopólio não é bom pra ninguém. Hoje é a Globo quem define a grade de horários das competições, bota os jogos depois da novela – 21h45 é muito tarde. Como faz o trabalhador que pega às 6 da manhã? Sei de alguns que nem voltam pra casa depois do jogo. Nos grandes centros do futebol mundial esse monopólio não existe mais. Isso precisa mudar.

P. E uma das soluções que você enxerga é levar todos os jogos da seleção brasileira para a TV pública?

R. É uma ideia. Temos o futebol como nossa maior paixão. Todo mundo tem direito a acompanhar os jogos. Infelizmente isso não acontece em nosso país.

P. Você também pretende mudar o Superior Tribunal de Justiça Desportiva (STJD)?

Livro de Romário lançado neste sábado.
Livro de Romário lançado neste sábado.Divulgação

R. O STJD é um órgão composto por escolhidos da CBF. Não há como ter legitimidade. Nunca vai ser imparcial dessa forma. Tem que ser um órgão independente da CBF, mas isso não é interessante para os dirigentes.

P. O bom momento da seleção sob o comando de Tite abafou as denúncias que pesam contra Del Nero?

R. Não podemos misturar as coisas. O momento da seleção brasileira dentro de campo é excelente. Tite está de parabéns. Mas isso não tira a gravidade do que os dirigentes estão fazendo com nosso futebol. Os caras são do mal, corruptos. Um ex-presidente está em prisão domiciliar. E o atual não pode sair do país porque sabe que também vai ser preso. Uma vergonha para o nosso país. Se o presidente da CBF não viajar para a Copa, vai ser o maior vexame da história de uma seleção mundial. Vai ser nível 7 a 1 que o Brasil tomou da Alemanha. Será o único presidente de uma entidade que não vai participar do maior evento do futebol. Uma situação ridícula. Mas, até a Copa do Mundo, o Del Nero já estará preso. Tenho fé nisso. Tomara que ele nem saia [do cargo]. O ideal é que ele seja preso como presidente da CBF. Seria uma redenção para o futebol brasileiro.

P. Tite fez bem ao aceitar o convite para treinar a seleção mesmo depois de assinar um manifesto contra os dirigentes da CBF?

R. O Tite sempre foi crítico da administração da CBF. Mas, na minha vida, aprendi a julgar apenas meus atos e minhas atitudes. Lamentei o fato de ele ter aceitado a proposta, por tudo que foi colocado por ele sobre a entidade. Cada um faz aquilo que entenda que seja melhor para sua vida. Na parte técnica, a ida dele para a seleção foi muito boa. Fora isso, não.

Desenho de Romário e a filha caçula, Ivy.
Desenho de Romário e a filha caçula, Ivy.Ed Ferreira

P. O relatório aprovado na CPI foi o do relator Romero Jucá. Ele trabalhou para atenuar as denúncias contra a CBF?

R. Tanto Romero quanto o Renan Calheiros [ex-presidente do Senado] foram peças-chave para que não pudéssemos dar um prosseguimento melhor à CPI. A atuação deles atrapalhou bastante na hora de aprovarmos o relatório. Apesar de o relatório do Jucá não ser o pior do mundo, tem até alguns pontos positivos, o ideal seria aprovar os dois relatórios: o dele e o meu. Infelizmente perdemos naquele dia. Meu relatório contrariava o que 90% dos senadores daquela CPI queriam. Mas é o que fez mais barulho. Enviamos o material para a FIFA, FBI, Suíça, Espanha, STF, STJ, Polícia Federal, Ministério Público… Todo mundo ganhou de presente. Eu fiz 1.002 gols. Esse [relatório da CPI] foi meu milésimo terceiro gol. É uma das minhas grandes realizações no parlamento. Fico feliz que Polícia Federal e Ministério Público começaram a esmiuçar as denúncias. Acredito que a partir daí esses dirigentes finalmente serão presos.

P. Por que você evita usar o termo “bancada da bola” no livro?

R. Tenho muito carinho pela bola e sou grato a ela por tudo que eu tenho. A bola não merece ser chamada desse jeito. Que chamem de “bancada da CBF”, “bancada do 7 a 1”, enfim, menos “bancada da bola”. Essa turma não quer fazer nada a favor do futebol. Muito pelo contrário. Os dirigentes da CBF têm tentáculos em todos os lugares, mas o Congresso é a segunda casa deles. Aqui eles têm muita força.

P. Quando você foi eleito deputado federal, houve quem imaginasse que você pudesse integrar a mesma bancada. Por que tomou rumo oposto?

R. O que me difere dessa gente é que eu vejo a CBF como instituição corrupta dirigida por pessoas corruptas. Os parlamentares da bancada pensam de outra maneira. E, como fui jogador por mais de 20 anos, tenho que zelar pelo futebol. Mas o que esses caras fazem para defender a CBF é vergonhoso. Jamais poderia fazer parte disso.

“Só troquei o Barcelona pelo Flamengo para ser mais feliz. Saí do maior time do mundo para jogar no maior da América”

P. Como foi a repercussão do seu relatório no exterior?

R. Recentemente, um representante da embaixada espanhola esteve em meu gabinete para me trazer um convite do procurador-geral da Espanha para que eu vá a Madri testemunhar sobre todos os fatos que integram o relatório que mandei a eles. Me coloquei à disposição.

P. Se surpreendeu com as prisões do ex-presidente do Barcelona, Sandro Rosell, e do presidente da Federação Espanhola de Futebol, Ángel Maria Villar?

R. O Sandro Rosell é ladrão igual ao Ricardo Teixeira. É corrupto igual ao presidente da CBF e ao presidente da Federação Espanhola.

P. A diferença é que Rosell e Villar estão presos.

R. Eu vou chegar lá! Eles estão presos. Os daqui, não. Mas logo vão estar, calma…

P. Por que dirigentes ligados à FIFA têm sido presos em outros países, menos no Brasil?

R. Tudo que tem acontecido pelo mundo com as prisões de dirigentes coloca pressão sobre as autoridades brasileiras. Mas elas já estão se mexendo, investigando as denúncias que fizemos contra os dirigentes. Coisa que um ano atrás não existia por aqui. Tenho muita esperança de que esses filhos da puta sejam todos presos logo, logo.

P. Como encarou os escândalos de corrupção que atingiram o Barcelona, seu ex-clube?

R. É uma pena saber que o Barcelona está nas notícias pelo lado negativo por todos esses problemas que vêm acontecendo. Para mim, o Barcelona é o maior clube do mundo. Tenho muito a agradecer por tudo que fizeram por mim quando joguei lá. Aqueles que são corruptos, que estragam a história de uma entidade como o Barcelona, têm de ser presos assim como o Sandro Rosell e o presidente da Federação Espanhola. Lugar de corrupto, ladrão, seja onde for, é na cadeia.

“Vai ser muito mais difícil para o Neymar ser o melhor do mundo jogando pelo PSG do que pelo Barcelona”

P. E em campo, como tem visto o futebol do Barça sem o Neymar?

R. Não tenho acompanhando muito futebol nos últimos anos. Mas o Barcelona enfraqueceu com a saída do Neymar. Quando a gente fala de Campeonato Espanhol, é aquela coisa: brigam pelo título Barcelona e Real Madrid. Às vezes entra um Valencia ou um Atlético de Madri nessa disputa. Só que, para disputar a Champions League, o Barcelona precisa se reforçar e escolher melhor seus jogadores. Caso contrário, não vai longe.

P. Foi uma boa escolha para o Neymar trocar o Barcelona pelo PSG?

R. É muito difícil falar. Pelo que tenho lido e ouvido, ele está feliz no PSG. E nada melhor para um jogador que estar feliz em seu ambiente de trabalho. Torço para que ele seja ainda mais feliz. Mas tenho certeza que vai ser muito mais difícil para o Neymar ser o melhor do mundo jogando pelo PSG do que pelo Barcelona. Entendo que hoje ele já tem condição de ganhar, mas, após essa transferência, o Neymar ficou mais longe do prêmio.

P. Você teve de tomar uma decisão parecida ao sair do Barcelona, não?

R. Só troquei o Barcelona pelo Flamengo para ser mais feliz. Saí do maior time do mundo para jogar no maior da América.

P. Não era feliz no Barça?

R. Sempre fui feliz em Barcelona. Mas, passada a Copa do Mundo [de 1994], pelo acolhimento que tive das pessoas ao voltar para casa com um título mundial depois de 24 anos, eu tive certeza de que seria muito mais feliz no Rio de Janeiro. Não me arrependo nenhum pouco de ter saído do Barça. Faria de novo.

P. Houve algum desentendimento com o técnico Johan Cruyff na época?

R. Não, pelo contrário. Ele foi a primeira pessoa com quem eu conversei quando tomei a decisão de sair. Definitivamente, eu não voltei ao Brasil para ganhar mais dinheiro. Voltei para ganhar menos. Minha felicidade foi o que prevaleceu naquele momento. Queria estar perto dos meus filhos, da minha mãe, do meu pai. Isso pesou mais que a grana.

P. Você não se sentia acolhido em Barcelona?

R. O Barcelona sempre me tratou da melhor forma possível. Só saí porque senti que precisava voltar ao meu país e conviver com minha gente. Nunca tive problema de relacionamento com Cruyff, torcida e jogadores do clube. Sou eternamente grato aos torcedores pelo carinho que têm por mim.

P. Pesou também a saudade da praia carioca e do carnaval?

R. Meu primeiro ano em Barcelona foi tranquilo. Só comecei a sentir falta do Rio de Janeiro depois da Copa. Era pra eu ter me reapresentado ao clube em determinado período, mas resolvi ficar mais 20 dias de folga por minha conta. Ali eu percebi que não dava mais pra ficar longe do Rio. Quando retornei o Cruyff conversou comigo e eu paguei uma multa pelo atraso. Infelizmente os jogadores não gostaram do que aconteceu, mas tivemos uma reunião e resolvemos tudo. Eles disseram o que pensavam e eu disse o que pensava. Ponto.

P. Por esse episódio, você acabou angariando inimizades no elenco do Barça?

R. Nunca tive inimigo no Barcelona. O Stoichkov foi o cara do elenco com quem eu tive uma relação mais direta, mas não sei se os outros jogadores eram meus amigos. Tinha um relacionamento normal com todos.

Romário lamenta escândalos de corrupção envolvendo o Barcelona.Vídeo: Ed Ferreira

P. Naquela época, o Pep Guardiola já dava indícios de que se transformaria em um grande treinador?

R. Pra ser sincero, nunca prestei atenção nesse detalhe do Guardiola, não. Mas, como jogador, ele já mostrava ser bem diferente de outros que jogavam na mesma posição. Era um dos melhores do mundo.

P. E como foi ter Cruyff como técnico?

R. Tive vários bons treinadores. Mas o Cruyff foi o melhor de todos. Por ter sido um dos maiores jogadores da história, ele facilitava bastante o convívio no vestiário. Era respeitado por todos. Ele entendia perfeitamente a necessidade dos atletas. E ainda dava exemplo prático em campo. Pegava a bola e mostrava o que tinha que fazer. Pá, pá, pá! Pouquíssimos treinadores têm essa capacidade.

P. Acredita que, se jogasse atualmente, você poderia desbancar Messi e Cristiano Ronaldo na briga pela Bola de Ouro?

R. Com certeza. Apesar de todo respeito que tenho por Messi e Cristiano Ronaldo, eu levaria vantagem em relação a finalização, posicionamento e colocação dentro da área. Nesses quesitos, fui melhor, estou bem à frente deles.

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