Bancada da bola se recompõe no Congresso enquanto CBF atrai bolsonarismo
Entidade máxima do futebol consegue revigorar base parlamentar sob o Governo Bolsonaro com distribuição de cargos e agrados a políticos
Conhecida como “bancada da bola”, a rede de parlamentares simpática aos interesses da CBF (Confederação Brasileira de Futebol) no Congresso Nacional ganhou corpo durante a gestão de Ricardo Teixeira, ex-cartola indiciado por corrupção que, por mais de duas décadas, empregou dinheiro da confederação em campanhas de políticos. Na reta final de sua administração, entidades esportivas foram proibidas de doar recursos para financiamento eleitoral. Mas a CBF permanecia fiel à sua base, que passou a receber verbas por meio de patrocinadores da seleção. Em 2015, no entanto, empresas também acabaram impedidas de fazer doações de campanha, o que não inibiu a confederação de fortalecer a frente de apoio em Brasília nas últimas eleições.
Embora impossibilitada de patrocinar seus escudeiros na política, a CBF lançou mão de uma estratégia de convencimento a partir da própria estrutura, recorrendo ao apelo popular do futebol para cooptar novos apoiadores com cargos de confiança, mimos e ingressos. Na cúpula da entidade, agora presidida por Rogério Caboclo, sete dirigentes conservam laços políticos. Um dos articuladores da bancada da bola, o secretário-geral Walter Feldman já exerceu mandatos de vereador e deputado em São Paulo, além de ter sido ideólogo da REDE. Cabe a ele o trabalho institucional de aproximar políticos da confederação.
Uma das atribuições de Feldman é fortalecer as relações da CBF com o Governo federal. Para atrair a base bolsonarista, dirigentes brindaram uma série de agrados ao presidente Jair Bolsonaro, incluindo convites para entregar a taça de campeão brasileiro ao Palmeiras, seu time do coração, ainda no ano passado, e premiar a seleção na final da Copa América. Em jogos da competição, comitivas de parlamentares vinculados ao presidente receberam ingressos de camarote da organização chefiada por Caboclo. Os filhos Eduardo e Flávio Bolsonaro também marcaram presença nos estádios, sendo que o mais velho, senador pelo Rio de Janeiro, chegou a visitar a sede da CBF, em abril, para um almoço com o presidente da confederação. Na ocasião, ganhou de presente uma camisa da seleção brasileira personalizada com seu nome.
A renovação da bancada da bola entrou na ordem de prioridades da CBF desde que sua antiga configuração sofreu desfalques de peso na eleição de 2018. Nomes como o senador Romero Jucá (MDB-RR), que ajudou a abafar a CPI do Futebol, em 2016, e os deputados Deley (PTB-RJ), ex-jogador do Fluminense, Jovair Arantes (PTB-GO) e Rogério Marinho (PSDB-RN), conselheiros de times de futebol, fracassaram na tentativa de se reeleger. Marcus Vicente (Progressistas-ES) também não conseguiu renovar seu mandato na Câmara. Ele é um dos quatro vice-presidentes da CBF com raízes na política. Gustavo Feijó (MDB) segue como prefeito de Boca da Mata, no interior de Alagoas, depois de reverter afastamento na Justiça por acusação de desvio de 28 milhões de reais do município. Fernando Sarney é filho do ex-senador José Sarney, enquanto Castellar Neto (PHS-MG) figura como primeiro suplente do senador Carlos Viana (PSD-MG).
Foi assim, ocupando a suplência, que o ex-presidente do Cruzeiro, Zezé Perrella, chegou ao Senado após a morte de Itamar Franco (PPS-MG), em 2011. Abalado por escândalos de corrupção juntamente com Aécio Neves, ele não concorreu à reeleição, mas conseguiu emplacar o filho Gustavo Perrella, ex-deputado estadual, na diretoria de projetos estratégicos da CBF. Diretor de relações institucionais, Marcelo Aro (Progressistas-MG) lidera a bancada da confederação na Câmara dos Deputados. Aos 32 anos, está em seu segundo mandato e vem de uma família de cartolas. A primeira dinastia no comando da Federação Mineira de Futebol (FMF), composta pelo tio e o avô, terminou depois de acusações de corrupção. Porém, seu irmão Adriano Aro assumiu a presidência da entidade no ano passado.
Outros aliados importantes da CBF desistiram de disputar o último pleito. Casos dos ex-deputados petistas Andrés Sanchez, presidente do Corinthians, e Vicente Cândido, que trocou a diretoria de assuntos internacionais na confederação por cargo semelhante no clube paulista. Apesar de se dizer oposição à CBF, Sanchez demonstrou alinhamento à entidade ao longo de seus quatro anos de mandato. O amplo espectro da bancada da bola, que abrange parlamentares da esquerda à extrema direita, era orquestrado até o início do ano por Vandenbergue Machado, lobista da confederação no Congresso por quase duas décadas.
Indicado à função, que oficialmente se chamava “diretoria de assuntos legislativos”, pelo senador Renan Calheiros (MDB-AL), Machado coordenava a articulação com políticos e a definição de nomes para os quais a CBF destinava verbas de campanha. Mas sua grande cartada foi convencer dirigentes a convidar políticos para chefiar delegações em torneios e amistosos da seleção. Sinal de prestígio, o cargo temporário oferece benesses como despesas de viagem e hospedagem pagas pela CBF, proximidade com jogadores e acesso liberado a jogos e treinamentos.
Convocar presidentes da Câmara, como Marco Maia (PT-RS), que chefiou a delegação em amistoso contra a Suécia, em 2012, na cidade de Estocolmo, se tornou prática comum da CBF. A entidade também mirava políticos que pudessem representar ameaça no Congresso. No mesmo ano, nas Olimpíadas de Londres, a confederação nomeou a então deputada Liliam Sá (Democratas-RJ) como chefe de delegação da seleção feminina. Ela era relatora da CPI da Exploração Sexual de Crianças e Adolescentes, que investigou a CBF por omissão em casos de abuso de jovens jogadores. Dois anos depois, Sá foi responsável por assinar um pacto em que a entidade se comprometia a adotar medidas de proteção a atletas, mas sem estipular prazos nem garantias orçamentárias para o cumprimento do acordo.
Vandenbergue pediu demissão em maio e, no organograma da CBF, seu cargo foi extinto. Entretanto, o diretor e deputado Marcelo Aro é quem herdou a incumbência de representar os interesses de clubes e cartolas em Brasília, enquanto Feldman continua articulando à distância, na sede carioca. “O que pregamos é a boa relação institucional, seja com o Governo ou com parlamentares. Não buscamos proteção nem qualquer tipo de favorecimento”, diz o secretário. Na atual legislatura, a confederação mantém afinidade, além dos nomes proeminentes ligados à base de Bolsonaro, com membros da velha guarda da bancada, como Darcísio Perondi (MDB-RS), vice-líder do Governo na Câmara que recebeu 150.000 reais da CBF para financiar sua campanha em 2006, o ex-árbitro Evandro Rogério Roman (PSD-PR), José Rocha (PL-BA), ex-presidente do Vitória, e Luciano Bivar, ex-mandatário do Sport e presidente do PSL, partido que entrou em rota de colisão com o presidente.
Entre parlamentares da nova safra se destaca Fábio Mitidieri (PSD-SE), presidente da Comissão do Esporte na Câmara. Por sua posição estratégica para o futebol e de seu partido, aliado de Bolsonaro, tem sido tratado com deferência pela CBF. Em junho, ele convidou diretores da confederação para tratar de projetos de responsabilidade social e foi presenteado com uma camisa da seleção. “Essa aproximação é muito importante. Faz com que a gente tenha a visão de um outro lado da CBF, que cuida do futebol como um todo”, afirmou o deputado.
A sintonia cultivada a partir da base governista se reflete na relação harmoniosa com o Executivo. A Secretaria Nacional de Futebol e Defesa dos Direitos do Torcedor é comandada por Ronaldo Lima, ex-funcionário da CBF e amigo de Rogério Caboclo. “Temos várias ideias em comum com a CBF. A Secretaria está ao lado do presidente Caboclo para fazer tudo aquilo que ele se propôs”, diz Lima. O órgão do Governo costura com a entidade a criação de um plano nacional para o futebol, mas não detalha como nem quando será executado. Por sua vez, o ex-jogador Washington, que era secretário de Esporte, Educação, Lazer e Inclusão Social, foi contratado em novembro pela confederação para ser o novo diretor de Desenvolvimento do futebol.
Enquanto a bancada da bola recompõe fileiras, a CBF investe alto na aproximação dos poderes para encorpar ainda mais sua influência em Brasília. Para 2020, o primeiro teste de força é passar o projeto clube-empresa, aprovado pela Câmara em novembro, no Senado, sem a inclusão de emendas que mirem mudanças na estrutura diretiva da confederação.
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