Proteger crianças no futebol vale menos que clube-empresa
Na escala de prioridades do Congresso, o interesse econômico dos clubes se sobrepõe à obrigação de evitar exposição a risco de jovens jogadores em categorias de base
Foi aprovado em regime de urgência, na última quarta-feira, o projeto de lei que prevê a transformação de clubes em empresas. Em pouco mais de uma semana, a proposta relatada por Pedro Paulo (DEM-RJ) entrou na ordem de prioridades da Câmara dos Deputados e passou pelo crivo do plenário. Por outro lado, projetos que também contemplam o futebol, relacionados à proteção dos direitos de crianças e adolescentes em categorias de base, não recebem a mesma atenção dos parlamentares nem dispõem de tamanha celeridade no Congresso Nacional.
Para citar apenas dois exemplos, o PL 9622/2018 condiciona o recebimento de patrocínio de instituições públicas pelos clubes de futebol e associações esportivas à adoção de medidas de proteção de crianças e adolescentes contra a violência sexual. Segundo a deputada Érika Kokay (PT-DF), sua proposta é motivada pelo fato da Confederação Brasileira de Futebol (CBF) descumprir um pacto firmado com a CPI da Exploração Sexual, presidida por Kokay, em 2014, que estabelecia a adoção de 10 medidas para a proteção dos direitos de jovens atletas.
“É sabido que grande parte dos clubes brasileiros recebe recursos públicos. Como a CBF não cumpriu as principais medidas recomendadas pela CPI no enfrentamento à exploração sexual, crianças e adolescentes continuam sofrendo abusos em escolinhas e categorias de base”, afirma a deputada. Desde o início deste ano, já foram registrados pelo menos 17 casos de abuso sexual de garotos no futebol.
Como consequência da mesma CPI, o PL 8038/2014 propõe a regulamentação das atividades de times e escolas de formação destinadas a crianças e adolescentes. Se for aprovado, obrigaria clubes a manter cadastro em conselhos tutelares e proibiria a transferência de crianças para outro estado sem a companhia da família, além de criar mecanismos de controle e fiscalização dos centros de treinamento. Um dos objetivos da proposta é evitar tragédias como a do Ninho do Urubu, onde 10 garotos da base do Flamengo morreram após o incêndio em uma estrutura improvisada.
Ambos os projetos estão em análise por comissões da Câmara – o último deles tramita desde 2014, antes de o Brasil sediar a Copa do Mundo. Etapas burocráticas às quais o projeto de lei sobre clube-empresa não precisou se submeter, graças à ação de deputados para torná-lo uma pauta urgente na Casa. Atendendo ao interesse de grandes clubes como São Paulo e Botafogo, time do coração do presidente da Câmara, Rodrigo Maia (DEM-RJ) – aliado político de Pedro Paulo e principal lobista da ideia –, a proposta oferece benefícios a equipes que aderirem ao regime de sociedade empresarial, como o pagamento simplificado de impostos e um novo refinanciamento de dívidas fiscais. Ainda precisa ser chancelada pelo Senado para entrar em vigor.
Depois de aprovar o projeto de clube-empresa a toque de caixa, o Congresso deveria ter a obrigação de dar o mesmo tratamento a propostas ainda mais urgentes para o futebol brasileiro, principalmente no que diz respeito à proteção de jogadores em fase de iniciação esportiva. Enquanto clubes se endividam e seguem amparados pela benevolência do Estado, crianças e adolescentes permanecem sob risco constante em uma atividade que movimenta cerca de 5 bilhões de reais por ano somente na Série A. Porém, para cartolas e parlamentares coniventes, o interesse econômico dos clubes parece ser mais importante que zelar pelos direitos de jovens atletas.
Como muitos que me acompanham já sabem, há algum tempo cubro casos de violência sexual no futebol. Um problema grave que persiste ano após ano em clubes e escolinhas.
— Breiller Pires (@breiller) December 29, 2019
Se você tem filho ou conhece crianças que sonham virar jogador(a), segue o fio para entender como evitar abusos. pic.twitter.com/5FJzEQ9BAm
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