Uma frente ampla para combater a violência contra crianças no esporte
Em evento no Congresso, deputados convocam entidades esportivas a unir forças pela proteção dos direitos de jovens atletas
A iniciação esportiva, reconhecida por promover integração social, bem-estar, lazer e, com sorte, perspectivas de uma carreira gloriosa, também pode representar riscos a crianças e adolescentes. Do trabalho infantil à exploração sexual, existe uma realidade paralela em que atletas em formação acabam submetidos a graves violações de direitos, que começam a preocupar autoridades e instituições que regem modalidades no Brasil. Na última terça-feira, a Comissão do Esporte realizou na Câmara dos Deputados uma audiência para debater a violência física e psicológica em categorias de base, com a participação de parlamentares, representantes do Governo federal, confederações, Ministério Público e Sindicato de Atletas, além de profissionais de educação física, psicologia e serviço social.
Por ocasião da Semana da Criança, que vai até 12 de outubro, o debate foi organizado pela Frente Parlamentar Contra o Abuso e a Exploração Sexual de Crianças e Adolescentes, ligada à bancada evangélica e presidida pelo deputado Roberto Alves (Republicanos-SP). Em seu discurso de abertura no evento, Alves declarou que o grupo tem caráter apartidário e pediu união de esforços no Congresso Nacional para buscar uma aliança coesa de enfrentamento à violência no esporte. “No mês das crianças, precisamos alertar a sociedade, principalmente as famílias, para lutarmos juntos contra o abuso sexual, os abusos psicológicos, o racismo, o assédio, entre outros tipos de violações que estão cada vez mais fazendo parte da rotina de treinos dos jovens atletas. Essa é uma luta que está acima de partidos ou ideologias”, diz o deputado.
Helbert Pitorra, coordenador de Defesa dos Direitos da Criança e do Adolescente no Ministério da Mulher, da Família e dos Direitos Humanos, seguiu linha semelhante ao ressaltar o compromisso da ministra Damares Alves com a causa infantojuvenil. “Qualquer pessoa que sofrer abuso na infância estará marcada pelo resto de sua vida. Nosso trabalho no ministério é para que nenhuma criança passe por esse tipo de trauma. Queremos levar os mecanismos de proteção do Estado para o contexto do esporte. Por isso, é muito importante uma atuação conjunta com o Legislativo, deixando de lado as questões partidárias.”
Para Rodrigo Acioli, representante da Associação Brasileira de Psicologia do Esporte, a convergência de pautas a favor dos jovens atletas deveria ser prioridade de entidades públicas e privadas. “É preciso encontrar os pontos comuns, e não tenho dúvidas de que proteger os direitos da criança é do interesse de todos que militam na área do esporte”, afirma Acioli, que defendeu ainda a extensão do projeto de lei 7683/2017, de autoria do ex-senador e atual prefeito do Rio de Janeiro, Marcelo Crivella, que prevê a obrigatoriedade dos clubes garantirem assistência psicológica continuada aos atletas profissionais, a todos os esportes e faixas etárias no processo de formação.
O espectro político de projetos em defesa dos direitos de crianças e adolescentes esportistas que tramitam no Congresso Nacional abrange desde a bancada evangélica aos setores de esquerda mais progressistas. Entre eles há uma proposta da deputada Erika Kokay (PT-DF) para que clubes esportivos só estejam aptos a receber recursos e patrocínios públicos se adotarem um protocolo de proteção integral de atletas da base. O projeto já foi aprovado pela Comissão do Esporte e aguarda designação de relator na Comissão de Seguridade Social e Família.
Porém, assim como outras proposições voltadas à iniciação esportiva, com mais de cinco anos de tramitação no parlamento, nada está entre as pautas prioritárias da casa. Embora o deputado Roberto Alves tenha prometido encaminhar ofícios cobrando agilidade das comissões, propostas direcionadas ao alto rendimento ainda são privilegiadas na ordem de análises dos deputados, como o projeto para transformar clubes de futebol em empresas, que furou fila e, segundo o presidente da Câmara, Rodrigo Maia, grande entusiasta da ideia, deve ser votado em plenário até o fim deste ano.
Futebol e modalidades femininas em estado de alerta
Em 2018, o secretário-geral da Confederação Brasileira de Futebol (CBF), Walter Feldman, assumiu em audiência na Comissão dos Direitos Humanos que “a situação é dramática” em categorias de base no Brasil. Além de denúncias de trabalho infantil e maus-tratos, somadas à tragédia que matou 10 garotos em um incêndio no centro de treinamento do Flamengo, em fevereiro, o número de casos de assédio e abuso sexual de crianças relacionados ao futebol segue em alta, com média de aproximadamente 20 registros por ano. Em 2014, às vésperas da Copa do Mundo, a CBF assinou um pacto com a CPI da Exploração Sexual se comprometendo a adotar 10 medidas para evitar violações de direitos na base dos clubes. No entanto, de acordo com Feldman, os escândalos de corrupção que derrubaram dois presidentes da confederação impediram que a entidade colocasse em prática todas as recomendações.
Diogo Netto, gerente de responsabilidade social da CBF, participou do debate na Câmara, onde destacou ações recentes da confederação para qualificar profissionais com habilidades de detectar e evitar violações contra crianças nas categorias de base. Também prometeu a elaboração de uma cartilha sobre prevenção de violência sexual e psicológica para distribuição nos clubes até dezembro – promessa feita por Feldman a parlamentares no ano passado que ainda não foi cumprida. Enquanto Netto reconheceu que “ainda há muito que fazer pelos jovens jogadores”, o coordenador da Secretaria Nacional de Futebol e Defesa dos Direitos do Torcedor, vinculada ao Ministério da Cidadania, Alexandre Carvalho, se disse otimista em relação aos trabalhos do Governo federal na área. Ele informou que a secretaria pretende lançar um Estatuto do Futebol, mas não detalhou planos nem normas que devem constar em suas diretrizes. Outra medida no radar do órgão é dar ênfase, em parceria com a CBF, à estruturação das categorias de base femininas, que ainda são incipientes no país.
Como muitos que me acompanham já sabem, há algum tempo cubro casos de violência sexual no futebol. Um problema grave que persiste ano após ano em clubes e escolinhas.
— Breiller Pires (@breiller) December 29, 2019
Se você tem filho ou conhece crianças que sonham virar jogador(a), segue o fio para entender como evitar abusos. pic.twitter.com/5FJzEQ9BAm
Já Luciana Neder, responsável por criar a primeira ouvidoria para denúncias de assédio no jiu-jitsu, à frente da federação sul-americana da modalidade, se mostrou preocupada com a rotina de violência a que mulheres e crianças do sexo feminino são submetidas em esportes que envolvem luta corporal. Ela aponta que 30% das ocorrências recebidas por sua federação se tratam de abusos sexuais. “Por causa da violência, poucas mulheres chegam à faixa preta no jiu-jitsu. Temos de criar ouvidorias nos estados e capacitar melhor os treinadores, exigindo, pelo menos, formação superior em educação física e a garantia de que serão afastados durante a apuração de eventuais denúncias.”
Além de costurar uma frente ampla contra violações dos direitos infantojuvenis no esporte, um dos objetivos estipulados pela Comissão do Esporte é a criação do Dia Nacional de Combate à Violência no Esporte, a ser celebrado em 9 de março. A proposta apresentada por Roberto Alves ainda depende de aprovação no Congresso. Fora da Câmara, mais entidades se mobilizam em torno da causa. A Childhood Brasil, que atua para garantir a defesa dos direitos de crianças e adolescentes, está construindo um pacto pelo fim da violência no esporte que deverá ser executado por entidades esportivas, como CBF, Comitê Olímpico Brasileiro (COB) e Sindicato de Atletas, a partir do ano que vem.
Tu suscripción se está usando en otro dispositivo
¿Quieres añadir otro usuario a tu suscripción?
Si continúas leyendo en este dispositivo, no se podrá leer en el otro.
FlechaTu suscripción se está usando en otro dispositivo y solo puedes acceder a EL PAÍS desde un dispositivo a la vez.
Si quieres compartir tu cuenta, cambia tu suscripción a la modalidad Premium, así podrás añadir otro usuario. Cada uno accederá con su propia cuenta de email, lo que os permitirá personalizar vuestra experiencia en EL PAÍS.
En el caso de no saber quién está usando tu cuenta, te recomendamos cambiar tu contraseña aquí.
Si decides continuar compartiendo tu cuenta, este mensaje se mostrará en tu dispositivo y en el de la otra persona que está usando tu cuenta de forma indefinida, afectando a tu experiencia de lectura. Puedes consultar aquí los términos y condiciones de la suscripción digital.