Aposta de Rodrigo Maia por clube-empresa aproxima o futebol brasileiro da Europa, mas exige cautela
Rodrigo Maia planeja enviar ao Congresso lei que abriria o capital dos clubes para empresas privadas. Figueirense, que adotou a prática em 2017, enfrenta crise financeira e greve de jogadores
O presidente da Câmara dos Deputados, Rodrigo Maia, reservou tempo na agenda nas últimas semanas para fazer duas visitas-chave: à sede da CBF no Rio de Janeiro e ao centro de treinamento do São Paulo, na capital paulista. A aproximação do parlamentar com o futebol não se deu somente pelo interesse no esporte, mas porque Maia encampa um projeto de lei a ser encaminhado na Câmara que obrigaria os clubes de futebol a se tornarem sociedades anônimas —clubes-empresa, em outros termos. Durante as visitas, que Maia utilizou para se aproximar das diretorias esportivas, ele defendeu a importância da lei com a necessidade de “fortalecer o futebol como atividade econômica no país”. As visitas do deputado ocorreram ao mesmo tempo em que o Figueirense, que se transformou uma S.A. em 2017, chegou ao auge de sua crise financeira atolado em dívidas e salários atrasados, que culminaram na greve dos jogadores e na derrota por W.O. no dia 20 de agosto, contra o Cuiabá, pela série B do campeonato brasileiro.
Há algumas ideias sobre a mesa e muita movimentação entre dirigentes e cartolas para entender as implicações das mudanças. A que atrai mais atenção no momento, pelo envolvimento direto de Maia, é a que está sendo articulada pelo deputado Pedro Paulo (DEM). Mas já há textos sobre o tema em tramitação na Câmara (que data de 2016 e foi elaborada pelo então deputado tucano Otavio Leite) e no Senado. Caso algo na linha do que propôs Leite seja aprovado, os clubes precisariam vender parte da gestão do futebol profissional para o capital privado, de forma semelhante ao que acontece na maioria dos clubes europeus. Presidentes e conselheiros, que hoje tomam todas as decisões no clube, se tornariam sócios de empresas que, por sua vez, trariam investidores, CEOs e um modelo de administração teoricamente mais profissional. “No Brasil, as empresas com sócios, donos e riscos financeiros envolvidos têm melhor governança, uma vez que quem perde o dinheiro em caso de fracasso são os acionistas ou donos”, comenta Cesar Grafietti, consultor de gestão esportiva do Itaú BBA. “O modelo associativo, como funcionam os clubes brasileiros hoje, normalmente não geram bons resultados financeiros. São poucos os times da nossa série A que têm uma situação equilibrada”, argumenta.
Apesar de predominante na Europa, as sociedades anônimas funcionam de maneiras diferentes em cada país. Na Alemanha, por exemplo, a lei pede que a associação seja acionista majoritária, mas permite ao clube negociar o restante das ações com sócios. A Juventus da Itália tem vários acionistas, sem a necessidade de ficar com a maioria, enquanto clubes como Manchester City e PSG tem um único dono, que comprou todas as ações. “Nesse sentido, o futebol brasileiro poderia chegar no nível do europeu com a entrada das sociedades anônimas”, afirma Grafietti.
Para o especialista em economia no esporte do Grupo Pluri, Fernando Ferreira, o modelo clube-empresa precisa de algumas ressalvas. “Não tem a menor chance da lei passar como obrigatória”, afirma. “Cada clube tem que ser soberano para escolher se sua melhor alternativa é virar empresa ou não. Vai ser a salvação de alguns, mas não de todos. Tem clubes brasileiros que não precisam. O grande problema nosso é não dar a oportunidade de atrair investidores aos clubes que precisam”, diz Ferreira. Mesmo na Europa, Real Madrid e Barcelona são exemplos bem-sucedidos de administrações associativas, com presidentes e conselheiros, que possuem uma gestão profissional e eficiente. “O problema é mais o ambiente do que o modelo”, concorda Grafietti.
“O que o Figueirense fez é inaceitável”
Quando o Figueirense acordou vender 95% de sua administração para a empresa Elephant, em 2017, a ideia era modernizar a gestão do futebol alvinegro e despontar como referência na aproximação com a gestão de futebol europeia. O aporte prometido pela empresa atualmente comandada por Claudio Honigman – empresário que chegou ao futebol sendo parceiro de Ricardo Teixeira, ex-presidente da CBF, e Sandro Rosell, ex-presidente do Barcelona – não foi feito e, desde então, o clube catarinense acumula dívidas e salários atrasados. No dia 20 de agosto, por conta de uma greve dos jogadores, o time não entrou em campo pela 17ª rodada da segunda divisão, contra o Cuiabá na Arena Pantanal, e sofreu o W.O. como punição, um vexame sem precedentes na história recente alvinegra. A crise trouxe à discussão dos clubes-empresa os riscos e desvantagens da medida.
“É absolutamente inaceitável o que o Figueirense fez. O clube se associou com quem nunca teve experiência em futebol, aceitou uma promessa de investimento sem a menor responsabilidade e colocou a história do clube em risco”, critica Ferreira, que exige um cuidado do clube na hora de negociar com investidores para não ficar refém de “aventureiros”. De acordo com o economista, a atual legislação do futebol brasileiro também é responsável pela situação do Figueira, uma vez que, por não permitir as sociedades anônimas atuando diretamente no clube, afasta os parceiros mais vantajosos do futebol brasileiro. E aqueles times que procuram investimento acabam optando por operações paralelas complicadas com sócios arriscados, como a Elephant.
Como mostra o exemplo do Figueirense, a parceria de clube e empresa não garante o sucesso administrativo do clube. Fora do Brasil, o Milan acabou punido na regra do fair play financeiro por erros do grupo chinês que comprou o clube de Silvio Berlusconi. Na Inglaterra, o pequeno Bury FC, time de 134 anos da região de Manchester, foi expulso das competições profissionais e viu a falência por endividamento se tornar inevitável após seguidas administrações desastrosas, a última de um empresário inglês que comprou a equipe no fim do ano passado e piorou os problemas financeiros. Do clube de bairro a um dos mais populares do mundo, os exemplos mostram o risco do método S.A.
“É claro que o torcedor também tem que se preocupar”, continua Ferreira, ao comentar a possibilidade dos fãs se tornarem submissos a um CEO que, apesar de escolhido pelo clube, pode estar distante da realidade da torcida. “Mas é preciso dar aos clubes a possibilidade de ter investidores. Com isso, eles vão precisar diferenciar o investidor de primeiro nível do desonesto no mercado, porque haverá os dois”.
Ferreira e Grafietti convergem ao avaliar que modelos como Milan, PSG e Manchester City, que possuem um único grupo como dono das ações, não é o melhor para o Brasil nesse possível momento de transição. “Precisa existir um controle que diga se o clube está indo para um caminho saudável nas mãos dos investidores”, avalia Grafietti. Isso não significa que os especialistas concordem com o procedimento alemão, onde a associação precisa ser dona da maioria das ações. “O clube precisa participar com alguma relevância, mas no máximo 30%, porque ninguém vai querer colocar dinheiro em algo que não vai gerir”, diz o consultor do Itaú BBA. Fernando Ferreira conclui: “O modelo alemão funciona lá porque o país tem um histórico de governança muito melhor que o brasileiro. Lá, eu posso aceitar ser sócio do Bayern sem ter controle do Bayern. Aqui a gestão é amadora”.
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