Por que os técnicos duram tão pouco no Brasil
Cultura de resultado compromete trabalho dos treinadores e reflete a baixa qualidade do jogo
Os 12 maiores times do futebol brasileiro promoveram 33 trocas de treinador nas últimas duas temporadas. Na soma, 35 nomes diferentes rodaram por essa dúzia de cargos, somente em dois anos. Os números escancaram a cultura imediatista que persegue o melhor resultado no prazo mais curto possível, independentemente das circunstâncias, alimentando a impaciência dos torcedores e as seguidas demissões de técnicos ano após ano. Embora bem remunerada no alto escalão, a profissão é uma das mais instáveis do mercado de trabalho brasileiro, e isso não afeta apenas a sequência da temporada dos clubes, mas também a evolução da qualidade do futebol jogado por aqui.
Até mesmo os maiores ídolos da história de um clube sofrem com a cobrança por resultados. Rogério Ceni, por exemplo, iniciou a temporada como treinador do São Paulo e, mesmo depois de a diretoria garantir que teria tempo para trabalhar, foi demitido em julho. Levir Culpi, treinador há mais de 30 anos, é outro exemplo de quem sofreu com exigências de curto prazo. Ele tem dois títulos notórios na profissão: as Copas do Brasil de 1996, com o Cruzeiro, e de 2014, com o Atlético-MG. Levir passou apenas duas vezes mais de uma temporada no comando de um clube brasileiro: em 1998-99, no Cruzeiro, e em 2014-15, no Atlético, onde, além da Copa do Brasil, foi vice-campeão do Brasileiro. Curiosamente, na temporada de 96, quando foi campeão, o técnico disputou mais jogos do que durante o período 98-99 pelo time azul de Minas. Os títulos de Levir vieram nos trabalhos mais longevos de sua carreira. “Sem dúvidas, aumentou a pressão [sobre o treinador]. Sem contar (...) a péssima escolha do calendário brasileiro, que disputa quase o dobro de jogos comparado ao espanhol, por exemplo”, argumenta o treinador, justificando os períodos curtos nos clubes do Brasil. “Costumo brincar com uma verdade: ‘o técnico é uma ilha de ignorância cercada de inteligentes por todos os lados”. O time em que Levir Culpi mais durou na carreira foi no Japão: o Cerezo Osaka, onde ficou de 2007 a 2011 e do meio de 2012 até o fim de 2013.
Do lado oposto de Levir está Claudio Tencati, ex-treinador do Londrina. Ele trabalha no futebol profissional há pouco mais de dez anos e comandou a equipe paranaense de 2011 até o fim da temporada 2017, quando pediu demissão. Ao longo desses sete anos, levou o Londrina ao título do Campeonato Paranaense em 2014, ao vice-campeonato da série C em 2015 e à conquista da Primeira Liga, eliminando Cruzeiro e Atlético-MG no mata-mata, em 2017. Além dos títulos, deixou o clube a três pontos da elite brasileira em 2016 e a somente dois pontos do acesso em 2017, uma realidade inimaginável para o clube a três ou quatro temporadas atrás. “O torcedor do Londrina, hoje, pensa que tem que ver seu time na série A, independentemente dos outros 19 clubes que a disputam”, comenta Tencati sobre o aumento da expectativa dos torcedores após os sucessivos bons resultados.
O comportamento do torcedor, além da influência da imprensa esportiva, também é um dos motivos para que o ciclo de treinadores no Brasil não seja tão longo quanto o necessário. “A direção do clube é muito influenciada. Às vezes a imprensa pontua algo que não é verdade, e o torcedor age pelo momento”, diz Tencati. “Tem jogo que não jogamos nada, mas ganhamos e o torcedor saiu satisfeito. Não pode tomar decisões precipitadas; é uma mudança de mentalidade”. O treinador, no entanto, agradece a proteção da diretoria do clube, essencial para os sete anos de um trabalho vencedor. “Só consegui esses resultados por causa da confiança. Muitas vezes não tive o resultado, mas a diretoria, ao ver produtividade, acreditou”.
Ao mesmo tempo que ter o resultado é a chave do sucesso para o trabalho de um treinador, o contexto do futebol brasileiro dificulta a missão. “Aqui, técnicos estão mais para mágicos. Precisa dar resultado em quatro jogos e isso é impossível. Você não consegue desenvolver nada; é absurdo ter que assumir já pensando na necessidade de vencer o próximo jogo”. Tencati ainda aponta o calendário apertado de jogos como grande vilão: “O treinador não tem três dias em uma semana para trabalhar. Grandes clubes europeus fazem 60 jogos no ano [o Flamengo, clube mais popular do Brasil, fez 83 em 2017]. Os treinadores de fora que vêm para cá ficam assustados. O Paulo Bento, por exemplo, não conseguiu construir sua ideia de jogo e aplicar sua filosofia porque o Cruzeiro tinha a necessidade curta de ganhar”. Bento, português, esteve no time mineiro por 17 jogos em 2016.
Maurício Galiotte, presidente do Palmeiras desde novembro de 2016, tentou repetir a receita do seu antecessor, Paulo Nobre, no que diz respeito aos seus técnicos. Em 2016, Nobre demitiu Marcelo Oliveira durante a fase de grupos da Libertadores e contratou Cuca, que acabou campeão brasileiro. Na última temporada, Galiotte demitiu Eduardo Baptista, que iniciou a temporada, também durante a fase de grupos da competição e apostou em Cuca novamente, esperando ter o mesmo resultado. Mas o clube alviverde acabou eliminado em todos os mata-matas e perdeu o título nacional para o rival Corinthians, com Cuca demitido em outubro. “Muitas vezes o futebol é dinâmico e acaba ocorrendo [a demissão], mas eu acredito no trabalho de longo prazo. O ideal é que o treinador tenha tempo para trabalhar, para implementar sua metodologia”, afirma o presidente palmeirense. Ele também promete que o treinador do Palmeiras para 2018, Roger Machado, terá tempo e confiança da diretoria para trabalhar. Por sua vez, Eduardo Baptista, após o Palmeiras, foi para o Atlético Paranaense e terminou o campeonato rebaixado com a Ponte Preta. Em agosto, os treinadores brasileiros reivindicaram na sede da CBF um limite de técnicos por clube durante Copa do Brasil e Brasileiro, que seria de dois por temporada. É o mesmo limite que já existe para jogadores, determinado por regra da FIFA.
As demissões cada vez mais rotineiras estão diretamente relacionadas à queda de qualidade do futebol jogado no Brasil. “É um dos limitadores para que consigamos avançar”, comenta Fernando Diniz, atual treinador do Atlético-PR. “Faz com que os treinadores joguem de maneira mais defensiva ao invés de criar soluções. Eles ficam mais guiados pelo medo de perder do que pela vontade de ganhar”. Diniz teve destaque à frente do Audax, clube que foi vice-campeão do Campeonato Paulista em 2016 e chamou a atenção pelo estilo de jogo ousado e ofensivo, baseado no toque de bola e na troca de posições em campo. “Todo mundo espera que tenham passes envolventes e jogo ofensivo no Brasil, mas [o que acontece atualmente] vai diretamente na direção contrária do que é o futebol do país.”
Se importar apenas com o resultado, para Diniz, está se tornando a “areia movediça” do futebol brasileiro. “No fim das contas, se o resultado é positivo, o treinador é bom. Aqui no Brasil, se não ganha, está totalmente equivocado. Só um time ganha. E os outros 19?”, questiona. Tencati faz coro ao colega. “Tem essa resistência ao ‘jogo bonito’. O Fernando [Diniz] desenvolveu uma forma de jogar que deixou um impacto muito positivo. Mas a partir do momento que veio para a série B e quase caiu, já passou a não valer mais”. Diniz treinou o Oeste na divisão de acesso em 2016 e foi 16º colocado. E o treinador paranaense volta à questão do nível do futebol praticado nos gramados nacionais, apontando as dificuldades por conta do imediatismo. “Os treinadores teriam condições de melhorar suas ideias de jogo com mais tempo. Hoje tem muita transição e pouca qualidade no futebol daqui, principalmente em função dos poucos treinos que temos para aprimorar o jogo coletivo”. Fernando Diniz conclui que, “enquanto a Europa está se baseando no que fazíamos nas décadas de 70 e 80, nós estamos copiando os europeus de bastante tempo atrás”.
O ‘milagre’ argentino no mercado de treinadores
Geograficamente ao lado do Brasil, a Argentina está bem distante da nossa realidade quando o assunto é treinador de futebol. Além dos profissionais que ganharam mercado na Europa, como Jorge Sampaoli, Diego Simeone, Maurício Pochettino e Marcelo Bielsa, times argentinos que tiveram mais destaque que brasileiros nas últimas competições continentais contam com treinadores há pelo menos duas temporadas. É o caso de Marcelo Gallardo no River Plate, campeão da Libertadores em 2015 e vice argentino em 2017, Guillermo Schelotto no atual campeão argentino Boca Juniors e Jorge Almirón no Lanús, campeão nacional em 2016 e vice da Libertadores 2017. A ATFA, Associação de Técnicos de Futebol Argentino, exige um curso de 25 meses, nascido em 1963 e o único da América do Sul reconhecido como similar à Licença Pro da UEFA, para qualquer um que queira ser treinador no país. O irmão brasileiro, CBF Academy, foi criado no ano passado e só terá exigência cobrada a partir de 2019. Fernando Diniz atenta para outro facilitador que os argentinos têm quando vão treinar clubes da Espanha, caso da maioria: "O idioma deixa a porta de entrada mais acessível". Claudio Tencati observa que as peculiaridades dos torcedores locais fazem diferença. "Eu vejo que o argentino é mais fiel com quem alcança marcos no clube", diz. "Também se vê poucos treinadores de fora, isso valoriza os de lá".
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