Tite x Sampaoli, um alento ao futebol bem jogado na América do Sul
Técnicos mais badalados do continente medem forças no confronto entre Brasil e Argentina
Embora em condições bastante distintas, já que a ameaça de ficar fora da Copa do Mundo pelo lado argentino contrasta com a euforia brasileira após a confirmação da vaga na Rússia, o encontro entre o estreante Jorge Sampaoli e o consolidado Tite tem um peso simbólico para o futebol sul-americano. À frente das duas maiores seleções do continente, a dupla guarda diferenças, sobretudo de personalidade, mas uma semelhança importante: ambos prezam pelo futebol bem jogado, algo que caiu em desuso no celeiro habituado a exportar craques para o mundo.
Não é de se espantar que o técnico mais longevo e bem sucedido da última década seja justamente Óscar Tabárez, que acumula 11 anos no comando da seleção uruguaia com pragmatismo e eficiência. Seu estilo conservador, comparado a Tite e Sampaoli, se justifica diante da escassez de jogadores em um país com menos habitantes que as maiores cidades brasileiras. Luta o bom combate com as armas que têm, respeitando as características dos jogadores.
Injustificável, porém, se tornou o predomínio da filosofia de futebol engessado em escolas tão profusas de talento quanto as de Brasil e Argentina. De um lado, Dunga e Luiz Felipe Scolari, em que pese o sonoro fracasso de suas passagens mais recentes pela seleção brasileira, privilegiavam força à técnica, calcados em resultados imediatos que expuseram o time a vexames na Copa do Mundo e na Copa América. Do outro, depois de Alejandro Sabella, que levou a Argentina à decisão do Mundial, Tata Martino e Patón Bauza sucumbiram por não conseguirem aproveitar o potencial de um ataque liderado por Lionel Messi.
Tite e Sampaoli, por sua vez, priorizam a bola de pé em pé, jogadas trabalhadas, intensidade na marcação e nas ações ofensivas. Assim como Tabárez, respeitam as virtudes das peças que têm à disposição. A tradição das camisas de Brasil e Argentina demanda técnicos construtores, que saibam que o resultado é tão importante quanto a forma de jogar. Duas seleções que devem ser protagonistas, inspirando tendências, em vez de se agarrarem ao jogo burocrático. Tite e Sampaoli estão à altura da missão.
Ambos só tiveram a chance de assumir a seleção de seus respectivos países em meio a crises técnicas e institucionais. Encararam o desafio de peito aberto. Tal qual Tite, Sampaoli surge como uma unanimidade para resgatar a Argentina da zona de risco nas Eliminatórias sul-americanas. E também para fazer com que Messi recupere o brilho pela albiceleste, em um processo semelhante ao do colega brasileiro, que tem conseguido extrair a melhor versão de Neymar na seleção.
A estreia de Sampaoli acontece nesta sexta-feira. O amistoso Brasil x Argentina na Austrália tem valores bem diferentes para as duas seleções. Espera-se do técnico que conduziu o Chile às oitavas de final da Copa do Mundo e ao título inédito na Copa América ao menos uma Argentina com agressividade, ao contrário da equipe indolente sob a batuta de Bauza. É também o que espera Tite, que explicou, em entrevista ao EL PAÍS, como estudava as equipes comandadas por Sampaoli antes mesmo de seu anúncio oficial pelos rivais. Um sinal de respeito e valorização do amistoso, embora tenha poupado vários titulares absolutos da convocação, como Neymar, Daniel Alves, Marcelo e Miranda.
Para o Brasil, o duelo com a Argentina de Sampaoli representa mais que um teste sem suas principais estrelas e à invencibilidade de Tite, que completa neste mês um ano de trabalho à frente da seleção. Trata-se do primeiro contato com um adversário que promete retomar o protagonismo com um técnico que, desde sua ascensão com a Universidad de Chile, se notabiliza por superar expectativas à frente de elencos pouco badalados. Dessa vez, ele conta com fartura de opções ofensivas em seu setor preferido e um craque que pode tornar o “sampaolismo” ainda mais letal.
Em um cenário restritivo a novas ideias e à predisposição ao ataque, o Brasil de Tite e a Argentina de Sampaoli, somados à Colômbia de José Pekerman, surgem como um alento ao futebol sul-americano. Onde sobra talento, não há espaço para o conformismo do jogo pragmático entre brucutus, uma marca incrustada na Copa Libertadores que se tornou praxe na maioria dos clubes e seleções do continente. Em seu braço esquerdo, Sampaoli leva a tatuagem de uma frase motivacional de Che Guevara: “Não se vive celebrando vitórias, mas sim superando derrotas”. Ao lado de Tite, ainda que tropece pelo caminho, o novo comandante argentino inicia a batalha não só pela vaga na Copa, mas também contra a imposição do mero resultado sobre o jogo bem jogado.
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