Do futebol à política, sob suspeita de corrupção: o antigo laço entre Aécio e a família Perrella
Os dois senadores mineiros, o líder tucano e o apontado como seu intermediário para receber propinas, se projetaram no cenário nacional movidos a troca de favores
“Uma mão lava a outra.” O ditado popular define como a relação entre os senadores Aécio Neves e Zezé Perrella, implicados na gravação do empresário Joesley Batista por suposto recebimento de propina da JBS, se desenvolveu do futebol à política em Minas Gerais. Desde que se aproximaram nos bastidores do Cruzeiro, em meados da década de 90, eles mantiveram um princípio de colaboração mútua para alçar voos além das fronteiras do Estado.
Enquanto Aécio atrelou-se ao Cruzeiro pelo vínculo do pai, Aécio Cunha, que foi conselheiro celeste por quase 50 anos, Perrella desembarcou no clube sob a indicação do então presidente, César Masci, em 1993. Foi alçado como herdeiro da presidência por causa do prestígio de suas empresas em Belo Horizonte. Depois de empreender como comerciante de queijos e linguiças, José de Oliveira Costa, seu nome de batismo, comprou o Frigorífico Perrella, fundado por uma tradicional família de origem italiana – de quem Zezé incorporou o sobrenome.
Masci, que foi vereador de BH, ainda inspiraria a incursão de Perrella na política. Reverenciado após a conquista da Copa Libertadores de 1997, o cartola foi eleito deputado federal um ano depois do título, pelo PFL (atual Democratas). Na época, o partido protagonizava no Congresso uma disputa de poder com Aécio, também deputado federal. Perrella, por sua vez, era uma figura do PFL alinhada ao parlamentar do PSDB e, desde então, o relacionamento entre os dois se estreitou. Divorciados, eles eram vistos com frequência dividindo camarotes em shows e nas festas que Perrella bancava em sua mansão na zona sul da capital mineira. O dirigente trabalhou para unificar seu partido em torno da candidatura de Aécio a governador na coligação Minas Unida, em 2002. Com 58% dos votos, o tucano foi eleito em primeiro turno, mas não conseguiu emplacar Perrella como senador, que ficou em terceiro lugar na disputa.
Já em 2004, o cartola cruzeirense, que havia cedido a presidência do clube ao irmão, Alvimar de Oliveira Costa, voltou a prestar um favor a Aécio. Ele ajudou a convencer Ricardo Teixeira, ex-presidente da CBF, a levar o jogo entre Brasil e Argentina pelas Eliminatórias da Copa para o Mineirão. A partida significava uma demonstração de força do governador e a oportunidade de aumentar sua projeção nacional. Mais de 130 políticos e celebridades, como os apresentadores Ratinho e Luciano Huck, foram convidados para assistirem o duelo nas tribunas do estádio.
Comunhão de bens
O empenho de Zezé em prol de Aécio coincidia com um expressivo aumento de patrimônio da família Perrella durante a gestão do governador tucano. De 2004 a 2014, o Ministério Público de Minas Gerais (MPMG) instaurou oito inquéritos para investigar dezenas de contratos entre empreendimentos da família e o governo mineiro. De acordo com o MP, as empresas, divididas entre vários parentes de Perrella, fraudavam licitações para garantir uma espécie de monopólio no fornecimento de comida para presídios, hospitais e órgãos públicos como a Cidade Administrativa. Em 2006, Zezé elegeu-se deputado estadual e passou vários de seus empreendimentos para o nome dos filhos, incluindo uma fazenda de 60 milhões de reais. Dois anos antes, ao abrir as primeiras investigações, procuradores notaram indícios de ocultação ao levantar um patrimônio superior a 100 milhões de reais da família Perrella e compará-lo à declaração de bens de Zezé ao Tribunal Regional Eleitoral em 1998, quando se lançou deputado federal e afirmava ter apenas 810.000 reais. Na eleição de 2010, ele declarou 490.000 reais, embora tivesse sido fiador do Cruzeiro em empréstimos bancários de aproximadamente 30 milhões de reais.
Entre os indiciamentos feitos pelo MP contra a família Perrella, que vão desde improbidade administrativa a enriquecimento ilícito, dois processos aguardam julgamento no Tribunal de Justiça de Minas Gerais. Um deles envolve o ex-deputado estadual Gustavo Perrella, filho do senador e proprietário da Tapera Participações Empreendimentos Agropecuários, apontada pela Procuradoria-Geral da República como receptora dos 2 milhões de reais negociados por Aécio com Joesley Batista. Sua outra empresa, a Limeira Agropecuária e Representações Ltda, foi acusada de firmar contratos sem licitação com a Empresa de Pesquisa Agropecuária de Minas Gerais (Epamig), que tinha como vice-presidente Mendherson Souza Lima, cunhado de Perrella responsável por entregar o dinheiro da JBS à Tapera após os repasses de Frederico Pacheco de Medeiros, primo de Aécio. Em pronunciamento via redes sociais na noite de quarta-feira, Zezé Perrella admitiu que Mendherson e Frederico eram amigos, mas negou ter recebido propina. “Não tenho nada a ver com essa história. Nunca estive em Lava Jato e nunca estarei.” Já Aécio, que foi afastado do cargo no Senado, é alvo de sete inquéritos no Supremo Tribunal Federal (STF), cinco deles instaurados pela Operação Lava Jato.
Segundo o Ministério Público de Minas Gerais, Mendherson, que era assessor parlamentar de Zezé, teria concedido facilidades a Gustavo Perrella, desrespeitando a legislação que impede órgãos públicos de contratarem empresas de parlamentares. No processo, a 3ª Vara da Fazenda Pública e Autarquias de Belo Horizonte determinou o bloqueio de 14,5 milhões de reais em bens de Gustavo e seus irmãos André e Carolina, com quem mantinha sociedade na empresa. Além das relações dos Perrella com entidades públicas do Estado, o MP ainda investigou Zezé por suspeita de lavagem de dinheiro na venda do zagueiro Luisão, em 2003, e pela apreensão do helicóptero com 445 quilos de cocaína, que pertencia a Gustavo, em 2013. A Polícia Federal descartou o envolvimento da família no tráfico de drogas e responsabilizou o piloto da aeronave, mas o Ministério Público pediu a devolução de 14.000 reais utilizados por Gustavo, que era deputado estadual, para abastecer o helicóptero com verba indenizatória.
Em 2014, Zezé Perrella discursou no Senado acusando o promotor Eduardo Nepomuceno de perseguir sua família e protocolou um procedimento contra ele na Corregedoria Geral do MPMG. Em março deste ano, Nepomuceno foi afastado da Promotoria de Defesa do Patrimônio Público de Belo Horizonte pelo Conselho Nacional do Ministério Público por abuso de autoridade. O promotor, que tem apoio da Associação Mineira do Ministério Público e recorre da decisão no STF, também foi o responsável por investigar as obras do aeroporto de Cláudio, construído em um terreno de parentes do senador Aécio Neves. Em 2015, o Conselho Superior do MPMG determinou o arquivamento do caso.
Rivais unidos por Aécio
No campo eleitoral, Aécio e Perrella já haviam voltado a manter sintonia em 2010. Para ajudar a reeleger o também tucano Antonio Anastasia, que acabara de assumir o lugar de Aécio no governo estadual, o então candidato a senador conseguiu o feito de reunir rivais históricos em seu palanque. Alexandre Kalil, ex-presidente do Atlético e hoje prefeito de Belo Horizonte, e Perrella se juntaram para apoiar Anastasia em propaganda eleitoral após um gesto de aproximação do cartola cruzeirense. Aécio também suplantou divergências partidárias ao emplacar Perrella como suplente de Itamar Franco na disputa pela segunda vaga ao Senado. Na ocasião, o PPS, de Itamar, fazia parte da oposição ao governo federal, liderado pelo PT, enquanto o PDT, de Perrella, integrava a situação. A aliança vingou e, depois de sete meses de mandato, Zezé assumiu a cadeira no Senado devido à morte de Itamar.
Pelo mesmo partido do pai e com a bênção de Aécio Neves, Gustavo Perrella se elegeu deputado estadual. Ele foi nomeado vice de futebol do Cruzeiro no fim de 2009 para ganhar popularidade. Como dirigente, sua conquista mais notável foi ter fechado uma parceria com o Nacional, de Nova Serrana, cidade onde conquistou 6.300 votos. O Cruzeiro não foi a única plataforma eleitoral de Perrellinha, como era conhecido no clube, já que Aécio também autorizou aliados em municípios do interior a fazerem campanha pelo filho de Zezé. “Essa era uma das características do aecismo, que buscava unificar forças políticas antagônicas para encorpar sua base de aliados pelo interior do Estado”, afirma o cientista político Rudá Ricci.
Como senador, Zezé Perrella seguiu fiel às orientações de Aécio no Congresso, sobretudo no alinhamento pelo impeachment de Dilma Rousseff, tal qual nos velhos tempos do Cruzeiro. A influência de Aécio era estrategicamente usada para favorecer os interesses do clube, como na ocasião em que os dois senadores foram à CBF pedir efeito suspensivo de uma punição que impediria o Cruzeiro de jogar no Mineirão contra o Grêmio, pelo Campeonato Brasileiro de 2013. A confederação atendeu o pedido e, menos de uma semana depois, Perrella articulou a retirada de assinaturas do requerimento para abertura de uma CPI contra a CBF.
Por outro lado, a influência de Zezé transformou Aécio em figura ilustre para os cruzeirenses, mesmo distante das dependências celestes. “O Aécio nunca participou da política do clube. Quando ele aparecia, estava sempre com o Zezé”, conta Fernando Torquetti, conselheiro do Cruzeiro desde 2001. A ausência não impediu o ex-governador de se tornar o primeiro grande benemérito do clube, honraria concedida em 2008 por Alvimar de Oliveira Costa. O salão nobre na sede administrativa do clube leva o nome de Aécio Neves da Cunha, enquanto o prédio foi batizado de “Zezé Perrella”. Após uma dinastia de 17 anos, revezando-se com o irmão Alvimar no poder, Zezé deixou o Cruzeiro em 2011 à beira do rebaixamento e um déficit de 30 milhões de reais nas finanças. Ele tenta retomar o cargo e é pré-candidato na próxima eleição do clube, prevista para o fim do ano.
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