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O nepotismo como regra no futebol

Prática de empregar parentes em cargos de confiança é comum nos clubes e até na seleção brasileira

Tite e o filho Matheus Bachi, em treino da seleção brasileira.
Tite e o filho Matheus Bachi, em treino da seleção brasileira.Lucas Figueiredo (CBF)

Contratar familiares para integrar comissões técnicas e desempenhar funções executivas se tornou um hábito normalizado do futebol. Na última Copa América, Matheus Bachi chamou a atenção ao aparecer ao lado do técnico Tite no banco de reservas da seleção brasileira. Desde 2015, quando trabalharam juntos pela primeira vez, no Corinthians, ele auxilia o pai em definição de treinos, convocações e sistemas táticos. Seu protagonismo na comissão do Brasil aumentou depois que o antigo assistente Sylvinho se demitiu para treinar o Lyon, da França. Com novas atribuições, o auxiliar de 30 anos, que antes analisava as partidas da tribuna, fica à beira do gramado e é um dos responsáveis por dar instruções aos jogadores.

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Para abrigá-lo na seleção, a Confederação Brasileira de Futebol (CBF) precisou alterar o Código de Ética que vedava a contratação de parentes de qualquer funcionário. Diante do impasse com o filho do treinador, a confederação abriu exceção para integrantes do departamento de futebol. A CBF, porém, não interpreta vínculo paterno entre treinador e auxiliar como nepotismo, por entender que, acima do grau de parentesco, Matheus Bachi apresenta credenciais para ocupar o cargo. “Ele está guinado em posições onde tem verdadeiramente condições para estar”, afirmou o treinador após ser questionado durante a Copa América sobre a escalada do filho na hierarquia da seleção. “Campeão brasileiro, com a maior história dentro do Corinthians comigo.”

A prática não é exclusividade da seleção nem mesmo do futebol brasileiro. Uma das grandes referências de Tite, o italiano Carlo Ancelotti levou o filho Davide para ser preparador físico do PSG em sua passagem por Paris. Depois, Davide o acompanhou no Real Madrid e no Bayern de Munique, onde, aos 27 anos, foi promovido a auxiliar técnico do pai. Atualmente, seguem trabalhando juntos no Napoli, da Itália. Na Copa América de 2015, quando eliminou o Brasil nas quartas de final, o Paraguai era comandado pelo argentino Ramón Díaz, que desde 2012 é auxiliado pelo filho Emiliano, de 37 anos, em sua comissão técnica.

Clube mais popular do Brasil, o Flamengo teve na última temporada dois treinadores que alçaram seus herdeiros à posição de auxiliar. Primeiro, o ex-técnico da seleção paraguaia, Paulo César Carpegiani, ao lado do filho Rodrigo, durou apenas três meses no comando. O outro foi Dorival Júnior, auxiliado por Lucas Silvestre. O filho começou a trabalhar com o pai em 2010, assim que se formou em educação física. “Tive uma facilidade maior para entrar no futebol, sem dúvidas”, diz Silvestre. “Mas dividir a trajetória profissional com meu pai não é fácil. Sou muito mais cobrado que outros auxiliares.” Os laços de família no futebol vão além das relações de pai e filho. No São Paulo, Cuca é auxiliado pelo irmão mais novo Cuquinha, com quem faz dobradinha há duas décadas. Já no Santos, a comissão técnica do argentino Sampaoli conta com os irmãos Carlos e Jorge Desio.

Um dos fatores que favorece a contratação de parentes no meio é a baixa aderência das instituições esportivas a mecanismos internos de compliance. Em 2009, o ex-senador Zezé Perrella, então presidente do Cruzeiro, nomeou o filho Gustavo Perrella como vice de futebol. Alguns conselheiros cruzeirenses chegaram a protestar, mas o estatuto do clube não tinha cláusulas para impedir a nomeação de familiares por dirigentes. “Eu não faço média. Prefiro colocar uma pessoa em quem eu confio para trabalhar comigo”, argumentou Perrella pai, na época. Em março deste ano, Gustavo foi contratado para a diretoria executiva da equipe mineira, com remuneração de 40.000 reais, enquanto o pai ocupa a presidência do Conselho Deliberativo.

Na CBF, o Código de Ética só passou a vigorar em 2016, depois de ex-presidentes terem sido indiciados pelas autoridades americanas por corrupção. Um deles, Ricardo Teixeira, chegou ao comando da confederação, no fim dos anos 80, pelas mãos do sogro João Havelange, que também havia presidido a entidade. “O meio corporativo tem se preocupado mais com as condutas internas. Pelo mau uso em experiências no passado, seja pela iniciativa privada ou por órgãos públicos, a escolha de familiares, independentemente do mérito envolvido, pode passar uma imagem negativa sobre a empresa”, avalia o filósofo Samuel Sabino, especialista em ética e gestão de negócios, antes de fazer uma ressalva a respeito da tendência no âmbito esportivo. “Enquanto não comprometer o lucro de clubes e federações, o nepotismo no esporte vai continuar sendo tratado como ‘perfumaria’, um tema de menor importância.”

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