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Financiamento privado de campanha: é preciso discutir o limite das doações

Modalidade pode entrar na Constituição sem coibir influência das empresas nas eleições

Manifestação contra o financiamento privado em Brasília.
Manifestação contra o financiamento privado em Brasília.P. F. (Ag. Senado )

Uma das medidas mais polêmicas aprovadas na semana de discussão da reforma política na  Câmara, o financiamento privado de campanha poderá entrar de vez na Constituição Federal. A proposta, que trata das regras de financiamento, ainda terá que ser referendada em uma segunda votação na Câmara e em outra no Senado. Mas o que de fato precisa mudar sobre o assunto, na opinião de especialistas, ainda não está sendo debatido: qual será o limite que uma empresa ou uma pessoa terão para poder doar a partidos ou candidatos?

A forma de financiamento aprovada pelos deputados na última quarta-feira prevê que empresas só poderão fazer doações para partidos políticos –atualmente, elas podem doar para candidatos também. Isso, em tese, pode diluir a influência, ou a relação muito estreita, entre uma companhia e um determinado político. Para pessoas físicas, no entanto, nada muda: elas poderão continuar financiando partidos e candidatos.

A regra, aprovada depois de uma manobra política do presidente da Câmara, Eduardo Cunha, torna a medida, que já ocorre na prática, parte da Constituição brasileira, portanto com menos chance de ser alterada. Atualmente, o Supremo Tribunal Federal decide se a regra atende à Carta Magna brasileira. Ao torná-la constitucional, os deputados evitam que os ministros tenham poder de proibi-la.

No Congresso, os parlamentares terão que definir os limites de cada modalidade de doação. Atualmente, na opinião de especialistas, a regra vigente, do Tribunal Superior Eleitoral, não é eficiente: para empresas, o teto é de 2% sobre o faturamento do ano anterior e, para pessoas físicas, de 10% do rendimento anual comprovado no imposto de renda.

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“É um teto bastante elástico. Uma empresa cujo faturamento é de 5 bilhões ao ano pode doar muito mais do que empresas muito menores, o que dá a elas um poder desproporcional”, afirma Natália Paiva, diretora-executiva da Transparência Brasil, ONG de combate à corrupção.

Jorge Abrahão, presidente do Instituto Ethos, concorda que o teto atual concentra as doações eleitorais. Nas últimas eleições, 20.000 empresas financiaram as campanhas políticas. Apenas 1%, ou seja, 200 delas, financiaram 60% do valor total, o que se reflete na influência dessas empresas sobre os políticos. “O poder desse 1% fica muito grande. Do jeito que está mantemos todos os elementos que levam a distorções e a esse risco de corrupção.” O imbróglio poderia se resolver, ou ao menos ser amenizado, estabelecendo-se um valor único de doação, que pudesse ser custeado por qualquer pessoa jurídica.

Para ele, um teto limite também poderia ajudar a equilibrar a quantidade de recursos públicos e privados na campanha. Nas eleições passadas, 95% dos recursos doados foram privados e 5%, públicos. “As grandes empresas e as pessoas ricas têm um potencial muito maior de influir no processo eleitoral”, diz Abrahão. Um estudo publicado no ano passado e feito por pesquisadores de três universidades dos Estados Unidos, concluiu que as empresas que financiaram candidatos a deputado federal do PT nas eleições de 2006 receberam entre 14 e 39 vezes o valor doado por meio de contratos com o poder público nos anos subsequentes.

Para Paiva, a lei deveria discutir um teto também para as campanhas eleitorais, que têm recebido cada vez mais dinheiro: em 2002, candidatos e partidos receberam 1,6 bilhão de reais (a valores ajustados), em 2014, 4,8 bilhões, considerado o valor mais alto da história da democracia brasileira. “Isso é importante para que não exista uma desproporcionalidade tão grande em relação aos gastos. A disputa fica mais em pé de igualdade.”

Na eleição para presidente, governadores deputados e senadores do ano passado, o PT, da presidenta Dilma Rousseff, e o PSDB, do seu principal rival, Aécio Neves, receberam 1,1 bilhão de reais, e 1,01 bilhão, respectivamente, do total arrecadado em campanha. O PMDB, de Eduardo Cunha, obteve 783 milhões de reais.

Partidos mais fortes

Estabelecer regras mais rígidas se torna ainda mais importante por causa do cenário que se aproxima no caso da aprovação final da PEC. Como empresas só poderão doar aos partidos políticos, caberá a eles a divisão do montante entre seus candidatos. Para alguns, essa doação oculta é positiva porque, em tese, as empresas teriam menos influência sobre os que foram eleitos com sua ajuda financeira. Para outros, entretanto, isso diminuirá a transparência, já que os políticos saberão a origem do dinheiro de qualquer jeito, mas o eleitor não terá como saber quem, de fato, financiou seu candidato.

“Entendemos que [essa medida] fortalece os partidos políticos porque direciona os recursos para o comando dos partidos, que deverá fazer uma avaliação sobre a distribuição dos mesmos para as diversas candidaturas no país”, diz o deputado Antônio Imbassahy (PSDB-BA), favorável à medida. “Fortalece os partidos e ainda cria mais responsabilidade para eles.”

“Será que as instituições partidárias são instâncias confiáveis?”, pergunta o deputado Max Filho (PSDB-ES), o único tucano que votou contra a medida na última quarta. “O que as pesquisas mostram é que a população não tem confiado nos partidos políticos”.

O assunto é polêmico e se tornou um dos principais focos na discussão sobre corrupção gerada pela Operação Lava Jato, onde empresas doadoras de recursos de campanhas estão envolvidas em denúncias de pagamento de propinas para políticos e diretores indicados por esses mesmos políticos na Petrobras. Segundo os depoimentos colhidos até aqui, foi o caminho que as empresas seguiram para garantir contratos com a petroleira. Ou seja, a doação de campanha seria um salvo conduto para negociar com o poder público. “Do jeito que está não dá para continuar. Com o custo financiado por empresas nas campanhas, é impossível não ficar devendo favores”, diz um experiente representante da classe política que já esteve na cúpula do Governo.

Entidades civis já organizaram um abaixo-assinado contra o financiamento privado que reuniu 700.000 assinaturas e esperam pressionar o Congresso durante o debate. Partidos como o PSOL e o próprio PT, envolvido com a Lava Jato, defendem o financiamento exclusivamente público, mas acabaram derrotados no Congresso. No Supremo Federal Tribunal, encontra-se parada há um ano uma Ação Direta de Inconstitucionalidade (Adin) que propõe o fim do patrocínio de empresas a campanhas. Embora tenha a maioria dos votos favoráveis para derrubar a medida, se o Congresso for adiante, ela deve perder validade.

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