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Romário: “Como ex-favelado e funkeiro nato, tenho obrigação de levantar a bandeira do funk”

Opositor do PT, Lula e Dilma, senador briga contra criminalização de gênero musical no Congresso, se diz curado do diabetes e pretende levar polêmica cirurgia para o SUS

Romário se diz independente em relação ao governo Temer e explica voto contrário à reforma trabalhista.Vídeo: Ed Ferreira

Há nove meses, Romário se submeteu a uma cirurgia que promete a cura definitiva para o diabetes. Após o procedimento, não conseguia comer e perdeu mais de 20 kg. Uma foto do senador sem camisa na praia, com aspecto esquelético, viralizou nas redes sociais. Hoje, ele se diz livre da doença e encampa um projeto de lei para que o SUS passe a oferecer a cirurgia a pacientes diabéticos. Em sua metralhadora sobram disparos contra dirigentes da CBF, os ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva e Dilma Rousseff, o ex-parceiros Ronaldo e Bebeto e o antigo partido. Recentemente, ele inclui o funk entre suas bandeiras políticas. “As pessoas não podem ser rotuladas pelo tipo de música que preferem”, afirma em entrevista ao EL PAÍS.

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Pergunta. Qual foi o grande pecado da organização da Copa no Brasil?

Resposta. É muito difícil realizar uma Copa do Mundo em qualquer país que não seja da forma que a FIFA queira. Fui contrário a vários artigos da Lei Geral da Copa, mas votei a favor da aprovação. Acabou passando… O problema é que muitas coisas foram feitas fora da lei. Tanto é que desde o primeiro dia que cheguei ao Congresso eu sempre disse: “Vai ser o maior roubo da história do país”. E não deu outra. Dos 12 estádios da Copa, só metade funciona. A outra dá prejuízo. O que teve de corrupção e sacanagem nessa Copa não é brincadeira.

Romário gesticula ao criticar Copa realizada no Brasil em 2014.
Romário gesticula ao criticar Copa realizada no Brasil em 2014.Ed Ferreira

P. O ex-presidente Lula se aproximou da CBF para trazer a Copa ao Brasil, enquanto Dilma Rousseff manteve uma postura mais distante dos cartolas…

R. A Dilma não recebia o Ricardo Teixeira, mas recebia o Marin. Ela cometeu um erro grave ao se juntar a uma figura como essa. Mas, se tratando de PT, Lula e Dilma, a gente não poderia esperar nada diferente.

P. Você se arrependeu ao votar pelo impeachment de Dilma após as denúncias de corrupção que proliferam em torno do novo governo?

R. Cara, o objetivo de qualquer um que vota pelo impedimento de um presidente da República, como foi o caso da Dilma, é que a esperança se renove, que as coisas aconteçam, que o Brasil tenha outra cara, que os governantes mudem as atitudes. Mas infelizmente [esfrega as mãos sobre a barba]… Vimos alguma melhora, mas poderia ter tido uma evolução maior. Pior do que estava não ficou. Mas continua ruim, entendeu? Até porque os quadros que ocupam o poder estão todos envolvidos em corrupção.

P. Incluindo o presidente Michel Temer?

R. Exatamente. Isso é muito ruim para o país.

P. Na época da Copa do Mundo, empresas e personalidades se alinharam à CBF e, após os escândalos, saíram de cena…

Romário ocupa gabinete 11 no Senado, mesmo número de sua camisa na época em que jogava.
Romário ocupa gabinete 11 no Senado, mesmo número de sua camisa na época em que jogava.Ed Ferreira

R. Muitas marcas parceiras da CBF participaram indiretamente da corrupção no futebol. O Ronaldo infelizmente se sujeitou a uma posição feia na Copa do Mundo de se colocar ao lado da CBF. O Bebeto também. Eu falei com os dois sobre isso. Disse que não seria legal. Tenho minha consciência tranquila de que avisei a eles. Entenderam diferente, estiveram lá e tenho certeza que, se um dia eu sentar com eles, vão dizer que não deveriam ter apoiado a CBF. Não sei se arrependeram, porque nunca me falaram isso. Mas não foi uma coisa boa para eles. Falei com o Bebeto na semana passada. O convidei para ser deputado estadual do Podemos, meu novo partido.

P. Mas não é incoerência convidar quem você critica por ter apoiado a CBF?

R. Uma coisa não tem nada a ver com a outra.

P. Por que decidiu abandonar o PSB?

R. Minha relação com o PSB era muito ruim. Não só com o partido, mas principalmente com seu presidente [Carlos Siqueira]. Ele tinha algumas ideias que não me acrescentavam nada. Minha relação com ele no diretório do Rio de Janeiro foi muito conturbada. Eu podia ter sido candidato [à Prefeitura do Rio] e acabei não sendo. O cara não inspira confiança, é muito malvisto no partido. Caiu de paraquedas na presidência.

“Vimos alguma melhora [no governo Temer em relação a Dilma], mas poderia ter tido uma evolução maior. Pior do que estava não ficou. Mas continua ruim, entendeu?”

P. Seu novo partido, o Podemos, tem alguma ligação com o xará da Espanha?

R. O Podemos, na verdade, tem mais a ver com aquele movimento Yes, we can, do Barack Obama, do que com o Podemos espanhol. A gente entende que é possível melhorar nosso país fazendo uma política correta e decente. O nome do partido foi trocado com esse objetivo. Temos gente que já é da política e outros que estão iniciando agora. Vamos tentar uma política diferente, com transparência. Queremos também que as pessoas participem diretamente do nosso mandato. A proposta do partido é interessante e tem muito a ver comigo. Isso me seduziu.

P. Não soa contraditório para um movimento que se vende como novidade nascer de um partido (PTN) fundado na República Nova e contar com nomes como o senador Álvaro Dias, que representa como poucos a figura do político clássico?

R. A nova política não significa ter pessoas novas de idade. O Álvaro Dias, por mais que esteja há muitos anos na política, é um parlamentar sério. Em princípio [faz uma pausa]… Hoje não tem nada que o desabone como senador. A gente não pode esperar que todos sejam corretos, porque em nosso país isso é impossível. Mas muitos nomes que vieram para o partido vão nos fazer crescer positivamente.

P. Antes de virar Podemos, o PTN já havia desembarcado da base apoiadora de Michel Temer. Foi uma exigência sua para se filiar ao partido?

R. Eu continuo sendo um parlamentar independente. Minhas votações são de acordo com aquilo que entendo que seja bom para a população. Não voto em algo que seja bom para o Governo e ruim para as pessoas. Fui contrário à reforma trabalhista, por exemplo, por mais que tivesse alguns pontos positivos. Entendi que ela era prejudicial ao trabalhador. E vou continuar assim. Isso não significa que eu seja oposição. Eu sou independente de qualquer coisa.

P. Por que decidiu defender a causa do funk no Congresso?

R. Lá atrás, samba, hip hop, rap e blues já foram gêneros musicais criminalizados. Pode reparar que são todos tipos de música ligados à periferia, à favela e aos negros. Hoje é o funk que está na mira. Já temos leis que preveem punição para apologia ao tráfico e às drogas. Por isso sou contra esse projeto de criminalização do funk. Muita gente depende dele para ganhar a vida. Eu, como ex-favelado e funkeiro nato, tenho obrigação de levantar essa bandeira até o fim. Faremos uma audiência pública para começar a quebrar esse preconceito. Espero contar com a presença de vários artistas que me ajudem nessa missão. As pessoas não podem ser rotuladas pelo tipo de música que preferem.

“O Podemos, na verdade, tem mais a ver com aquele movimento Yes, we can, do Barack Obama, do que com o Podemos espanhol”

P. Está recuperado da cirurgia que fez para se curar do diabetes?

R. Eu perdi 22 quilos depois da cirurgia. No começo, teve um período em que perdi 10 kg muito rápido, bum! Divulgaram uma foto minha sem camisa na praia e realmente eu estava bem estranho. Eu fiquei surpreso com a minha própria imagem, mas sabia o que estava acontecendo com meu corpo. Mas as pessoas ficaram assustadas. Quando se trata de Romário, tudo toma outra proporção. Falaram que eu estava com Aids, com câncer e a casa do caralho, tudo de ruim. Mas sempre tive consciência de que a perda de peso fazia parte do processo de recuperação. Sabia que sofreria um pouco até me livrar totalmente da doença.

P. Você retirou parte do estômago em um procedimento experimental [conhecido como interposição ileal] que ainda não tem aval das entidades médicas. Há registros de mortes de pacientes que se submeteram ao método. Como tomou coragem para fazer a cirurgia?

R. Tomei coragem porque conheci o doutor Áureo Ludovico pessoalmente. Estive com ele cinco vezes antes da operação. Percebi que era um médico competente, capacitado, que tinha capacidade de me curar. Até para operar uma unha corremos risco. A minha preocupação nessa cirurgia foi a mesma que tive em outras. Antes da operação, eu tinha uma glicose de 420 mg/dL. Logo após 20 dias da cirurgia, minha glicose caiu para 87. Hoje, não passa de 92. Ou seja, estou mais do que curado.

Senador perdeu mais de 20 kg após cirurgia experimental contra diabetes.
Senador perdeu mais de 20 kg após cirurgia experimental contra diabetes.Ed Ferreira

P. E agora você pretende levar essa cirurgia ao SUS?

R. Essa é uma cirurgia complexa, que não é reconhecida pelo Conselho Federal de Medicina. A princípio, jamais será reconhecida por planos de saúde, laboratórios e grandes empresas farmacêuticas. Estamos falando de um cartel de milhões, bilhões de reais. Qual laboratório não quer continuar vendendo insulina e remédio para diabético? Qual é a empresa que não quer continuar fazendo campanha publicitária para esses laboratórios e ganhando fortunas com propaganda? Qual é o plano de saúde que quer gastar 30.000 reais oferecendo uma cirurgia dessas? Existe uma grande força contrária à regulamentação desse procedimento. Mas hoje, depois de nove meses, posso afirmar que a cura para o diabetes tipo II existe. Minha luta agora é levar essa cirurgia ao SUS. Sei da dificuldade que terei, mas não é impossível.

P. Qual a sua nova perspectiva no cenário político?

R. A grande realidade é a minha possível pré-candidatura ao Governo do Rio pelo Podemos, no ano que vem.

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