Kajuru: “Lava Toga vai abrir a caixa-preta dos tribunais”
Rechaçando o rótulo de político folclórico, ex-apresentador leva ao Senado o perfil sem papas na língua e compra briga com Gilmar Mendes, a quem acusou de vender sentenças
Sua estreia no Senado Federal foi acachapante. Detentor de mais de 1,5 milhão de votos em Goiás, Jorge Kajuru, 58, roubou a cena ao revelar que, aos 11 anos, dedurou à mãe que o pai tinha uma amante. A intenção era defender o voto aberto na eleição à presidência da Casa, marcada pela sessão inaugural que terminou em bate-boca e troca de acusações entre parlamentares. “Foi uma noite sombria”, lembra Kajuru. Durante seu primeiro pronunciamento no plenário, ele ainda citou Ruy Barbosa: “Pouco se me dá que claudique a onagra, o que me apraz é acicatá-la”. Assim que encerra a fala, o ex-presidente e colega de Senado, Fernando Collor, se aproxima e pergunta o que ele quis dizer com a frase. “Ninguém entendeu. Tive que explicar: ‘Gente, a mim pouco importa que a mula manque, o que eu quero é rosetar’. Quero um pouco de felicidade, de bom humor.”
O estilo verborrágico que o notabilizou como apresentador de programas esportivos na televisão é uma marca que Kajuru estende à política. O que, por vezes, o faz bater de frente: a última dividida foi com o ministro Gilmar Mendes, a quem acusa de vender sentenças a políticos do PSDB — o ministro pediu ao STF que tome providências. Frasista incontrolável, ao falar sobre sua trajetória como jornalista, os planos no Senado e os vespeiros que pretende chacoalhar, ele dispara uma série de bordões que resumem a personalidade afeita aos assuntos mais polêmicos.
“A vida não é só sexo.”
“Sozinho, você não serve nem pra ser corno.”
“Que culpa eu tenho de ter cultura?”
“A ignorância é a maior multinacional do mundo.”
“O Brasil é pentacampeão mundial de hipocrisia.”
“Não sou dono da verdade. A verdade é dona de mim.”
“Merdas cagadas não voltam ao local de origem.”
Apesar de eruptivo, Kajuru rechaça o rótulo de personagem folclórico. “Sou um cara bem humorado, culto e poético. Eu li mais do que vivi: Dostoiévski, Trótski, Homero, Machado de Assis, Neruda, Clarice Lispector, Osho... Eu sei exatamente o meu tamanho. Quem me chama de folclórico é ignorante.” Se a impressão inicial havia sido negativa, o senador estreante agora se diz surpreso com o nível dos colegas em Brasília. “Comecei a ver inteligência, equilíbrio, tom moderador. Os novos senadores são absolutamente preparados. Sou respeitado pelos meus colegas e os respeito. Para discordar, não preciso desqualificar.”
Por outro lado, os hábitos espartanos de Kajuru têm chamado a atenção de seus pares. De segunda à sexta, ele chega às 6h50 ao Senado. Participa de todas as sessões e, eventualmente, também dá expediente aos sábados e domingos. No almoço, come um PF a 12 reais. “Minha dieta hoje é bem diferente da época em que eu pesava 120 quilos.” De seu gabinete, transmite a entrevista por telefone ao EL PAÍS em seus 30 perfis de rede social. Interrompe a conversa para repreender um funcionário que cochilava numa cadeira. “Professor Mulatinho? Tá dormindo? Eu aqui enchendo sua bola e vossa excelência dormindo na minha frente.” O auxiliar parlamentar em questão ajuda a compor os discursos e projetos de Kajuru, que se orgulha de ter três gurus, ex-senadores, à disposição de forma voluntária. Cristovam Buarque (“um Darcy Ribeiro da educação”), Pedro Simon (“não subo na tribuna sem antes falar com ele por 20 minutos”) e Heloísa Helena (“me auxilia na área da saúde”). Kajuru tem 15 assessores em Brasília e outros 10 no gabinete de Goiânia, menos da metade do número máximo de funcionários permitidos aos senadores. “Não precisa ter 55 assessores”, afirma. “Mas o que acontece na Suécia, onde parlamentar não tem assessor, é um exagero. Uma boa equipe é essencial para um bom mandato. Ninguém faz nada sozinho. Nosso Criador tinha quantos apóstolos?”.
Ele promete revirar “várias caixas-pretas” no Congresso Nacional. Na semana passada, Kajuru foi o primeiro a assinar o requerimento proposto por Alessandro Vieira (PPS-SE) para abertura da CPI da Lava Toga, que quer investigar supostos excessos cometidos em cortes superiores, como o Supremo Tribunal Federal (STF). “Existe muita coisa errada, muita sentença comprada... A Lava Toga vai abrir a caixa-preta dos tribunais. Cada ministro do STF tem mais de 200 funcionários e até auxílio-funeral. Isso é um absurdo”, diz o senador de Goiás, observando que as regalias do Legislativo também estão em sua mira. “Minha luta não é contra o Supremo, mas contra todo tipo de privilégio criminoso da máquina pública, incluindo a Câmara e o Senado.” Juntas, as duas casas consomem anualmente cerca de 10 bilhões de reais.
Kajuru afirma que tem feito sua parte para frear a sangria nos cofres públicos. Doa metade de seu salário (33.700 reais) a instituições sociais como o Cevam (Centro de Valorização da Mulher) ou pessoas físicas em dificuldade financeira, a exemplo do ex-jogador do Atlético-GO, Agnaldo, que foi presenteado com pernas mecânicas. “Não devolvo dinheiro para o ralo da corrupção”, justifica. Dispensa carros oficiais, passagens aéreas e auxílio-moradia. Em Brasília, alugou um flat a cinco minutos do Congresso e banca do próprio bolso o aluguel de 2.500 reais. “Quem achar que é demagogia, que também o faça. Que outros senadores abram mão de 50% do que custam.”
Do punho cerrado ao apoio a Bolsonaro
“Se a classe política abrir mão de privilégios e metade do salário, não precisa mexer na Previdência.” Assim, Jorge Kajuru diz acreditar que “cortes na carne” dos poderes Executivo e Legislativo podem representar “uma economia na casa de um trilhão”, suficiente para cobrir o déficit previdenciário estimado em 290 bilhões de reais. “Nosso salário é uma fortuna. Professor não chega nem perto de ganhar metade do que ganhamos.” A proposta de ajuste da Previdência apresentada pelo Governo de Jair Bolsonaro não lhe agrada. “A reforma é um tapa na cara de idosos e pessoas especiais. Ela protege caloteiros e prejudica a camada mais pobre da população, que só vai se aposentar se for como Raul Seixas, nascido há dez mil anos atrás.”
Por “caloteiros”, o senador entende empresas que devem à Previdência. Segundo seus cálculos, somente os cinco maiores bancos do país acumulam dívidas superiores a 2 bilhões de reais. Ele argumenta que o Governo deveria ter como prioridades “as reformas tributária, política e dos Estados, que estão endividados”. Embora se diga amigo do ministro da Economia, Paulo Guedes, descarta votar a favor da proposta governista caso não haja mudanças nas idades mínimas sugeridas para aposentadoria. “Não sou contra a reforma da Previdência, mas ela pode esperar. O maior crime do Brasil é a renúncia fiscal. Se Bolsonaro quiser pagar toda a dívida do Brasil, é só usar a riqueza do nióbio.”
Na eleição, Kajuru fez campanha pelo atual presidente em Goiás. “Banquei adesivo e tudo, mas o Bolsonaro foi sacana comigo. Apoiou outro candidato [Wilder Morais, do DEM].” A primeira vez que conversaram, entretanto, foi em janeiro deste ano. O senador jantava na casa do governador goiano Ronaldo Caiado, acompanhado do colega Davi Alcolumbre (DEM-AP), que barganhava votos pela presidência do Senado. Foi Alcolumbre quem lhe passou uma ligação no celular com Bolsonaro do outro lado da linha. Chamado de louco pelo presidente, em tom de brincadeira, devolveu na mesma moeda. “É um prazer que me chamem de louco. Loucura é a única coisa que torna a vida suportável”, diz, em alusão a Erasmo de Roterdã. Apoiado pelo Governo, Alcolumbre acabou desbancando Renan Calheiros na disputa do Senado. Kajuru votou nele, mas nega ter cedido ao cortejo do presidente. “O voto não foi meu. Foi da nação brasileira.” Antes da votação, ele abriu uma enquete nas redes sociais, determinando sua escolha pela da maioria dos seguidores, prática que deve se repetir daqui para frente. “Mas não vou fazer isso em projetos estratégicos, como a reforma da Previdência, para não correr o risco de fanáticos bolsonaristas invadirem minhas redes.”
Filiado ao PSB depois de seu antigo partido, o PRP, se fundir com o Patriota, Kajuru faz questão de ressaltar que rejeita posições ideológicas. “Não sou esquerda nem direita. Não sou oposição. Eu tenho posição.” Ele explica que o gesto do punho cerrado, reproduzido por ele em várias poses para fotos oficiais, é uma homenagem a dois ex-jogadores de futebol. “Primeiro, ao Sócrates, que foi meu melhor amigo, um ser humano que me fez acreditar na raça humana. E também ao Reinaldo, com quem convivi em Belo Horizonte quando comecei a carreira no rádio. O braço erguido é o símbolo de um herói da resistência, de um homem que não tem medo e não recua nem pra tomar impulso. Este, sou eu.”
Depressão, demissão e desafetos
Por causa do diabetes, Jorge Kajuru perdeu a visão do olho direito e só enxerga 6% da capacidade do esquerdo. Perdeu também o prazer de ler livros impressos e 70 quilos depois de passar por uma agressiva cirurgia bariátrica. Outra sequela da enfermidade foi a impotência sexual, que ele resolveu ao implantar uma prótese peniana. Antes, havia entrado em depressão e tentado suicídio. Por isso, o enfrentamento à doença é uma de suas grandes causas na política. No ano passado, ele inaugurou o Centro de Diabéticos em Goiânia, que leva o nome de sua mãe, dona Zezé, morta pelo diabetes. Como senador, pretende expandir unidades de atendimento pelo Brasil. “Olha só, consegui recursos para o Centro na embaixada do Reino Unido. Tem muito dinheiro lá para apoiar bons projetos, mas os senadores não vão buscar.”
Ao longo de 40 anos de carreira na TV, passou pelas principais emissoras do país, menos pela Rede Globo. Em 2003, a convite de Galvão Bueno, recebeu proposta de 18.000 reais por mês para integrar o time global. No fim das contas, foi para a Band, com salário de 100.000 reais. Entretanto, de acordo com Kajuru, o aspecto financeiro não foi o único a pesar em sua decisão. “Disseram que lá eu não poderia falar algumas coisas. Pelo menos, foram honestos comigo.” Acabaria demitido da Band no ano seguinte, depois de criticar o então governador de Minas Gerais, Aécio Neves, antes de um jogo entre Brasil e Argentina, no Mineirão. “Em vez de liberarem a entrada para cadeirantes, o portão principal do estádio serviu para recepcionar os convidados VIPs do Aécio. Não o xinguei em momento algum. Apenas constatei que aquele jogo não era para as pessoas mais humildes.”
“Senador só não faz um bom mandato se for ignorante, corrupto ou preguiçoso”
Kajuru foi cortado no meio do programa e, em seguida, mandado embora. Assim como se gaba de ter sido “o primeiro vereador [em Goiânia] a virar senador depois de um ano e meio de mandato”, ostenta o título de “primeiro jornalista da história a ser demitido ao vivo no Brasil”. “Para mim, foi um atestado de idoneidade”, diz o ex-apresentador, que atribui o motivo de sua demissão a um pedido do hoje deputado federal mineiro. “Nunca encontrei o Aécio. Caso eu o enxergue um dia [no Congresso], vou colocar minhas duas mãos nos bolsos.”
Combativo e crítico, ele conta ter recebido 143 processos na Justiça. “A única vez que perdi foi pra Luciana Gimenez [apresentadora da RedeTV!]. Eu disse à Sonia Abrão que a Luciana pensava menos que uma mesa. A Sonia, depois, veio me perguntar se eu estava arrependido. Pedi desculpas à mesa, a quem eu realmente ofendi.” No Congresso, Kajuru se apresenta como um conciliador, porém, comprometendo-se a não fugir dos embates na tribuna e a imprimir o mesmo ritmo alucinante das transmissões de TV em sua jornada como parlamentar. “Senador só não faz um bom mandato se for ignorante, corrupto ou preguiçoso. Basta querer trabalhar.”
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