Assassinato de jornalista, que teria sido encomendado por cartola goiano, completa cinco anos sem solução
Presidente do Atlético-GO, Maurício Sampaio, indiciado como o mandante do crime, e outros quatro réus aguardam julgamento em liberdade
Seis tiros ecoaram no início da tarde de 5 de julho de 2012 em frente à Rádio Jornal 820, região sul de Goiânia. Quatro deles atingiram à queima-roupa o jornalista Valério Luiz de Oliveira, 49, que morreu dentro de seu carro quando saía da emissora. Em menos de três anos, Maurício Sampaio, indiciado pelo Ministério Público Estadual como o mandante do assassinato, seria eleito presidente do Atlético Goianiense por aclamação. Ele chegou a ficar detido por 94 dias, mas aguarda em liberdade o julgamento – ainda sem data marcada. Graças a diversos recursos impetrados em tribunais estaduais e federais, tem conseguido protelar a ida ao banco dos réus e, exatos cinco anos depois da execução de Valério, cumpre normalmente suas funções como homem forte do futebol goiano.
Então vice-presidente do clube em 2012, Sampaio decidiu renunciar ao cargo diante dos maus resultados da equipe, penúltima colocada do Campeonato Brasileiro. Em um programa na PUC TV, onde o jornalista também trabalhava, Valério criticou a diretoria do Atlético e afirmou que “quando o barco está enchendo de água, os ratos são os primeiros a pular fora”. De acordo com a investigação, as recorrentes críticas do comunicador à cúpula atleticana teriam motivado o homicídio. “A morte do meu pai tem relação direta com o futebol”, diz Valério Luiz Filho. “Nosso medo sempre foi o da impunidade, de que o Maurício Sampaio consiga evitar o júri popular. Ele tem poder na cidade, ainda mais como presidente do Atlético.”
Sampaio alega inocência e rechaça ter ordenado a execução de Valério. Sua alta cotação no Atlético-GO – ele foi reeleito presidente no fim do ano passado – surpreende os familiares do jornalista, assim como o apoio de torcedores do clube a despeito da conclusão do inquérito policial. “Parte da torcida ficou do lado do Maurício Sampaio. Nos indignamos com sua eleição no clube. As pessoas se comovem mais pelo futebol do que pelo pai de família que perdeu a vida por um motivo banal”, diz o filho. Além de Sampaio, mais quatro réus foram processados e também estão soltos à espera do julgamento. O açougueiro Marcus Vinícius Xavier, conhecido como Marquinhos, ficou preso durante sete meses. Depois de confessar participação no crime, ele fugiu para Portugal. No entanto, entregou-se às autoridades locais e foi extraditado em dezembro de 2014. Em acordo com a Justiça, ele reiterou sua confissão para aguardar o desfecho do processo em liberdade. Os outros acusados são dois policiais militares (Djalma da Silva e Ademá Figuerêdo, apontado como o atirador que matou Valério), que prestavam serviços ao cartola como seus guarda-costas, e o motorista Urbano Malta.
Em abril de 2015, o Tribunal de Justiça de Goiás confirmou, por unanimidade, o júri popular dos cinco réus, que havia sido determinado pela 14ª Vara Criminal de Goiânia em agosto do ano anterior. O caso foi parar no Superior Tribunal de Justiça (STJ) e, agora, aguarda análise de um recurso de agravo dos réus pela Segunda Turma do Supremo Tribunal Federal (STF), a última tentativa da defesa para anular provas e evitar o júri popular. No fim de junho, o ministro Ricardo Lewandowski já havia negado recurso semelhante. Por se tratar de assunto “alheio ao futebol”, o Atlético Goianiense não se manifesta oficialmente sobre o caso. A defesa de Maurício Sampaio insiste que o cartola é inocente por entender que o processo carece de “indícios suficientes de sua participação no homicídio”. No ano passado, ele já havia recebido da Justiça uma condenação de quatro anos em regime aberto, além de multa de quase 5 milhões de reais, por cobranças indevidas durante o período em que esteve à frente do cartório herdado do pai em Goiânia. Os problemas do mandatário do Atlético respingam em campo. O clube é o último colocado da primeira divisão do Campeonato Brasileiro, com sete pontos.
Caso seja condenado, o presidente atleticano pode pegar de 12 a 30 anos de prisão. Enquanto o processo se arrasta na Justiça, a família de Valério Luiz, após realizar uma passeata para lembrar os cinco anos de sua morte na manhã desta quarta-feira, em Goiânia, alimenta a esperança de que o crime não fique impune. “Vivemos um luto contaminado pela ansiedade e a angústia. Os assassinos sequer responderam em juízo por seus atos”, afirma Valério Filho. “Já levamos cinco anos gastando energia e tempo nesse processo. Todos os dias somos confrontados com essa sombra de impunidade que fica martelando. Mas tenho certeza que tanto o Maurício Sampaio quanto os outros réus irão pagar por toda maldade que fizeram. Meu pai era um jornalista de posições fortes, que morreu por confrontar dirigentes de futebol poderosos. Sua memória nunca será esquecida.”
Morte de jornalistas no Brasil
De acordo com levantamento da ONG Repórteres Sem Fronteiras, o Brasil registrou 192 casos de violações contra a liberdade de expressão e teve três jornalistas mortos no ano passado. Em 2015, oito profissionais de imprensa foram assassinados. Com base nesses dados, a Associação Brasileira de Jornalismo Investigativo (Abraji) lançou na última quinta-feira o Projeto Tim Lopes. Em homenagem ao ex-repórter da Rede Globo, assassinado em 2002 em uma favela do Rio de Janeiro, a iniciativa pretende destinar recursos para revelar bastidores dos crimes contra jornalistas brasileiros e prosseguir nas investigações, sobretudo em casos no interior do país. “Quando matam um jornalista, não matam somente a pessoa, mas a sociedade como um todo”, afirma Thiago Herdy, presidente da Abraji. “Vamos contar a história do assassinato em questão e, principalmente, dar continuidade à história que aquele repórter estava produzindo. É para que ninguém imagine que matando o repórter vai conseguir calar o jornalismo, porque não vai.”
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