A crônica do futebol que encara racismo e xenofobia como piada
Comentaristas esportivos relativizam preconceitos depois de menosprezar atletas negros e estrangeiros
Em menos de um mês, dois jogadores de futebol foram alvo de manifestações racistas e xenofóbicas por parte da crônica esportiva no Brasil. O último episódio, nesta semana, envolveu o paraguaio Ángel Romero, do Corinthians. Depois de provocar o Santos, chamando a equipe praiana de “clube pequeno”, o atacante foi criticado pela declaração, sobretudo por torcedores santistas. Logo, algumas críticas na mídia evoluíram para a ridicularização e insultos. “Ele saiu de um país que é praticamente uma aldeia indígena. Eles movimentam a economia lá [no Paraguai] através do tráfico de drogas, contrabando de armas e produtos ilegais...”, disse o comentarista Marcão, do programa de rádio Estádio 97.
Na terça-feira, Romero convocou uma coletiva de imprensa para explicar sua provocação ao Santos e também para dizer que, por ser paraguaio, sofre preconceito no Brasil. “Que me critiquem pelo que eu faço em campo, não pela minha nacionalidade”, desabafou aos jornalistas. Para exemplificar, ele lembrou uma comparação depreciativa do ex-jogador Edmundo, hoje comentarista do canal Fox Sports, que fez troça ao se referir ao atacante Andrés Rios, do Vasco. “O argentino parece paraguaio”, afirmou Edmundo, em tom pejorativo.
Depois da entrevista de Romero, os dois comentaristas se justificaram, classificando os deboches ao jogador e ao Paraguai como brincadeiras. Marcão se retratou. Porém, esbravejou com ouvintes que chamaram o programa Estádio 97 de xenófobo. “Eu fiz uma crítica pesada. Peço desculpas ao povo paraguaio e a quem se sentiu ofendido. Falar que é xenofobia? Presta atenção. A gente brinca com todo mundo.”
Por sua vez, Edmundo disse não ter nada contra paraguaios, mas aproveitou a deixa para criticar Romero novamente por ele ainda não dominar o idioma português. “[Chamar de paraguaio] é só uma brincadeira que os brasileiros fazem quando acham que alguma coisa é falsa, que veio do Paraguai. As pessoas que nasceram no Norte, por exemplo, e vêm para o Rio, a gente chama de ‘paraíba’. Em São Paulo, as pessoas chamam de baiano. Não é nenhum preconceito. Você [Romero] está no nosso país. Ao invés de os brasileiros se adaptarem a você, você é quem tem de entender nossa linguagem.”
Não é a primeira vez que Edmundo protagoniza falas xenófobas. Em 1997, quando jogava pelo Vasco, ele chamou o árbitro cearense Francisco Dacildo Mourão de “paraíba” depois de ter sido expulso da partida contra o América-RN. “A gente vem na Paraíba [o jogo era em Natal, no Rio Grande do Norte], um ‘paraíba’ apita, só pode prejudicar a gente”, protestou, ainda à beira do gramado.
Duas semanas atrás, também em um programa do Fox Sports, o ex-atacante Edílson Capetinha proferiu comentário racista ao desmerecer a boa fase do goleiro Jaílson no Palmeiras. Edilson, que é negro, colocou em xeque a titularidade de Jaílson por causa da cor de sua pele, dando a entender que goleiros negros são inferiores aos brancos. “Goleiro negão sempre toma gol”, declarou o ex-atacante, que dias depois se justificaria dizendo que, por ser negro e ter familiares negros, não poderia ser racista. “No futebol, todo mundo comenta isso [sobre goleiros negros]. É em tom de piada.”
“Ofensas preconceituosas costumam ser tratadas como brincadeira no futebol. E, quando alguém denuncia, os agressores alegam que isso faz parte da cultura do esporte”, afirma o pesquisador Marcelo Carvalho, diretor do Observatório da Discriminação Racial no Futebol, que elabora um levantamento anual de denúncias por preconceito relacionadas ao esporte mais popular do país. De acordo com dados do Observatório, o futebol brasileiro registrou mais de 50 casos de racismo, xenofobia e homofobia em 2017. Em um deles, o narrador da Rádio Gaúcha, Pedro Ernesto Denardin, ofendeu Miller Bolaños, ex-jogador do Grêmio, durante um evento. “O negão, além de ruim, é veado”, disse, em alusão ao atacante equatoriano. Denardin se desculpou pelo comentário, mas perdeu o patrocínio de uma das empresas anunciantes de seu programa, que qualificou a declaração do narrador como uma “manifestação racista e homofóbica”.
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