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A jogada de Bolsonaro para atrair os ‘gamers’

De olho no poder de engajamento das redes de jogadores e ciberatletas, presidente promete levar plano de redução dos impostos sobre jogos eletrônicos e videogames a Paulo Guedes

Bolsonaro joga videogame em realidade virtual.
Bolsonaro joga videogame em realidade virtual.Reprodução

Há seis anos, quando ainda era deputado federal, Jair Bolsonaro se referia a videogames como “um crime”, por considerar jogos violentos uma ameaça à juventude. “Tem que coibir o máximo possível. A molecada não aprende nada.” Já como pré-candidato à Presidência, amenizou o discurso e chegou até a gravar um vídeo garantindo que não tinha intenção de acabar com videogames no Brasil. Agora, como presidente, ele acena aos gamers demonstrando simpatia à proposta de reduzir impostos federais para jogos eletrônicos e consoles, uma antiga demanda da geração que transformou o hobby em profissão internacionalmente reconhecida.

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“Um forte abraço, gamers!”, escreveu Bolsonaro em seu perfil no Twitter após publicar um vídeo em que aparecia brincando com um jogo de simulação de tiro em realidade virtual. A postagem acumulou quase 3 milhões de visualizações e gerou mais engajamento que suas tradicionais alfinetadas no PT. Gamers famosos de Counter-Strike, como Henrique HEN1 T, Alexandre Gaules, Wilton Prado, Ricardo Prass e Epitácio de Melo, que somam juntos mais de 1 milhão de seguidores, interagiram com a publicação. Além deles, jogadores, técnicos, empresários e equipes de Fortnite, Rainbow Six, League Of Legends, PES e FIFA, outros jogos que mobilizam milhares de adeptos em campeonatos online, comemoraram a sinalização favorável de Bolsonaro em baixar impostos que incidem na indústria de games.

A grande queixa dos jogadores é o preço dos consoles – o popular Playstation 4 sai na faixa de 2.5000 reais – e jogos, que, em lançamentos, custam mais de 200 reais. Nesta segunda-feira, Bolsonaro telefonou para Gabriel Toledo, o FalleN, um dos gamers mais influentes e também investidor na área de acessórios eletrônicos, e reforçou a intenção de cortar impostos. O presidente planeja incluir o setor dos videogames no plano de reforma tributária que deve ser apresentado em agosto. Em um primeiro momento, a redução por iniciativa presidencial não deve ser tão expressiva, como informou Bolsonaro em sua última live. “Vamos diminuir pouca coisa, mas vamos diminuir.”

Segundo a promessa do presidente, a proposta será avaliada pelo ministro da Economia, Paulo Guedes. Embora Renan Bolsonaro, 20, seu único filho adulto fora da política, seja fã de games, ele diz ter pesquisado a respeito do tema depois de ler o apelo de um usuário do Facebook, destacando que o Brasil é o segundo maior mercado de videogames do mundo. De acordo com Bolsonaro, o Imposto sobre Produtos Industrializados (IPI) de jogos eletrônicos no país atualmente varia entre 20% e 50%. Ainda mais ambicioso, tramita desde 2017 no Senado um projeto que pretende conceder imunidade tributária para jogos e videogames produzidos em solo brasileiro. Inicialmente, a proposta conhecida como “PEC dos Games” previa diminuir a carga total de impostos ao redor de 70% para menos de 10%. Porém, o senador Telmário Mota (PROS-RR), relator da proposta, entendeu que a isenção somente dos tributos federais não seria suficiente para combater a pirataria e tornar o setor competitivo diante da concorrência internacional.

“Queremos aumentar a capacidade produtiva do mercado nacional de videogames, com o incremento do emprego, dos lucros e também da arrecadação, já que as contribuições sobre a receita bruta continuarão incidindo normalmente sobre o setor”, explica Mota. Para o senador, a perda de arrecadação em tributos por causa da imunidade seria compensada pelo eventual saldo positivo com a taxação de receitas dos fabricantes. Ele cita como exemplo CDs e DVDs de artistas nacionais, que desde 2013 são isentos de impostos após a aprovação da PEC da Música.

Empolgada pelos gestos de aproximação, a indústria dos games espera obter apoio de Bolsonaro para zerar impostos e aprovar a proposta, que ainda está sendo apreciada pela Comissão de Constituição e Justiça no Senado. Também contam com a adesão da base aliada ao presidente para emplacar outro projeto em favor dos gamers: a regulamentação dos jogos eletrônicos como modalidade esportiva. Pela proposta aprovada por senadores no início de julho, jogadores de videogame passariam a ser oficialmente considerados atletas. Antes de se transformar em lei, a ideia, que é controversa e recebeu críticas de parlamentares como a ex-jogadora de vôlei Leila Barros (PSB-DF), precisa ser chancelada pela Câmara dos Deputados.

Há resistência entre congressistas e figuras ligadas ao Governo em regulamentar a atividade dos gamers. Em março, o deputado Júnior Bozzella (PSL-SP) protocolou um projeto de lei que criminaliza o desenvolvimento e o comércio de jogos violentos, que acabaram excluídos da proposta de regulamentação no Senado. No mesmo mês, logo após a chacina em uma escola de Suzano, o vice-presidente Hamilton Mourão já havia culpado uma suposta “apologia à violência” dos games pela tragédia. “Essas coisas não aconteciam no Brasil. A garotada está viciada em videogames violentos. Tenho netos e muitas vezes os vejo mergulhados nisso aí. Quando eu era criança, jogava bola e soltava pipa”, declarou o general.

Ainda que não regulamentada, a profissionalização dos e-sports, como são chamados as disputas de jogos eletrônicos, já é uma realidade que movimenta cifras milionárias no Brasil. O salário de um jogador profissional de videogame pode chegar a 30.000 reais, sem contar o valor de premiações – no último domingo, o norte-americano Kyle Giersdorf, de 16 anos, faturou 3 milhões de dólares ao vencer o campeonato mundial de Fortnite. Torneios têm lotado estádios e ginásios pelo país, acumulando recordes de audiência em canais fechados de televisão que transmitem os eventos. A popularização dos jogos fez com que clubes de futebol tradicionais, como Corinthians, Flamengo e Santos, passassem a investir e montar as próprias equipes de e-sports.

Muito além do circuito de elite dos ciberatletas, a febre não para de crescer ano a ano. Segundo dados da Pesquisa Game Brasil, 66% dos brasileiros jogam games eletrônicos em diversas plataformas. A maioria é composta por mulheres (59%), e a faixa etária predominante oscila entre 25 e 34 anos (35%). Fora a mobilização em torno de competições profissionais, o gamers também demonstram alto poder de engajamento. A proposta de imunidade tributária, por exemplo, surgiu de uma petição virtual no site do Senado, que em apenas um dia superou a marca das 20.000 assinaturas exigidas para que a sugestão pudesse ser apreciada pelos parlamentares.

De olho na consolidação de sua imagem com o público jovem, Bolsonaro utiliza as redes sociais para estreitar laços não só com a comunidade dos gamers, mas também com outras tribos virtuais capazes mobilizar uma legião de aficionados. Em junho, também pelo Twitter, o presidente mandou um “salve” para os fãs de Dragon Ball, uma série japonesa em formato de mangá. Por enquanto, ao contrário dos gamers, o Governo ainda não anunciou nenhuma medida favorável aos seguidores de desenhos animados.

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