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Como o Cartola FC instituiu uma nova forma de torcer no Brasileirão

Febre entre fãs de futebol, game da Globo faz torcedores deixarem o time do coração em segundo plano a troco de sucesso na disputa virtual

Jogo começou sua nova temporada junto com a primeira rodada do Brasileirão, no último fim de semana.
Jogo começou sua nova temporada junto com a primeira rodada do Brasileirão, no último fim de semana.Reprodução / Facebook
Diogo Magri
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Favoritos ao título, candidatos ao rebaixamento e prováveis surpresas são alguns dos temas que marcam o início do Campeonato Brasileiro, que deu a largada no último domingo, 15 de abril. Há alguns anos, se junta a eles também o Cartola FC, fantasy game – nome dado a jogos online onde participantes escalam equipes virtuais de jogadores reais – de futebol do Brasileirão lançado em 2005 pelo site globo.com. “Qual time será campeão?” é uma pergunta ouvida praticamente na mesma proporção de “Quais atacantes você escalou no Cartola?” desde que a brincadeira se tornou parte das discussões a respeito do campeonato. Ano passado, ficou evidente o sucesso quando o jogo alcançou a marca de mais de cinco milhões de usuários em todo o país.

A maneira de jogar com o Cartola é semelhante ao da maioria dos fantasy games do resto do mundo, como os famosos da Premier League e da Champions League. Nele, você escala, sempre antes da rodada, um time de 11 jogadores e mais o treinador, de acordo com o patrimônio do seu time – as chamadas cartoletas – e com a disponibilidade de atletas, que inclui todos os elencos de todos os times da primeira divisão. A pontuação dos escolhidos leva em conta o desempenho deles nos jogos da rodada, e a soma de todos resulta na pontuação da sua equipe. O critério para a pontuação é matemático: um gol dá oito pontos. Uma assistência, cinco. Já uma falta cometida tira meio ponto, enquanto um pênalti perdido, quatro – no total, são 18 possíveis pontuações, entre positivas e negativas. Os usuários ainda podem competir em ligas no formato de pontos corridos ou mata-mata. Algumas delas garantem prêmios por rodada, mensais, por turno e ao fim do campeonato.

“Comecei a jogar em 2009 e levo cada vez mais a sério. Quanto mais você joga, mais você aprende”, diz Thiago Freitas, advogado e campeão nacional do Cartola em 2016. Kleber Koch, assessor de imprensa e cartoleiro desde 2008, adota um discurso semelhante. “No começo era apenas brincadeira, mas depois passam a valer apostas. E acho que a gente acaba confundindo um pouco”, afirma, ressaltando que muitas vezes o desempenho dos atletas no jogo não traduz a realidade no campo. “Eu sou palmeirense e fiquei feliz quando o Palmeiras comprou o Vitor, lateral do Goiás, porque ele pontuava bem [dentro do Cartola].”

A plataforma onde se escolhe 11 jogadores e um treinador.
A plataforma onde se escolhe 11 jogadores e um treinador.Reprodução

Na vida real, porém, o jogador teve uma passagem apagada pelo alviverde, onde jogou entre 2010 e 2013. “Foi terrível no meu time”. Confusões como estas vieram à tona depois que o volante Elias, do Atlético-MG, disse, em tom de brincadeira, odiar o game em entrevista ao programa do Cartola FC. “O Cartola é a maior mentira do futebol. Às vezes o cara pontua menos porque tentou forçar um passe”, comentou. "Forçar um passe", na linguagem do boleiro, significa tentar uma jogada mais difícil, que ofereceria mais perigo ao adversário se fosse concretizada – ou seja, na visão do volante, o jogador é prejudicado pela sua ousadia. As cobranças excessivas se tornaram comuns aos atletas pelas redes sociais, onde são criticados pelo suposto mau desempenho, independentemente do resultado da equipe. “Acho que o pessoal passa um pouco dos limites”, opina Thiago. “O objetivo do jogador é ganhar o jogo para sua equipe, não fazer uma boa pontuação”.

Além de possíveis falsas impressões sobre jogadores, o Cartola também contribuiu para uma mudança do comportamento de muitos torcedores brasileiros que acompanham o principal campeonato do país. Afinal, de acordo com os jogos da rodada, o participante do game tem a opção de escolher jogadores de times rivais e até de adversários do próprio time. E, para ganhar aquela aposta com os amigos ou simplesmente ir bem numa rodada, é comum transferir a torcida para um rival ou contra a equipe de coração. “Torcer para outros times, inclusive rivais, acontece com praticamente todo mundo que joga. Acho uma parte muito boa do Cartola” diz Elias Medeiros, servidor público e cartoleiro desde 2015, que, no ano passado, ganhou a rodada 17 do fantasy, no final de julho, com Vanderlei (Santos), Cueva (São Paulo), Jean, Egídio, Luan, Guerra, Deyverson e Cuca (Palmeiras) no seu time, além de Balbuena e Jô. Elias torce para o Corinthians. “Queria ser melhor que meus amigos e tive que usar a razão. Sou corintiano e o Palmeiras era o favorito naquela rodada” – na vida real, o Palmeiras venceu o Avaí em casa por 2 a 0, em um jogo que teoricamente era mais fácil do que o Corinthians, que empatou contra o Flamengo; logo, se justificou a aposta do corintiano em palmeirenses. A vitória em campo ajudou os jogadores escolhidos por Elias a pontuarem mais.

Eis porque o jogo acabou ganhando tanta relevância entre torcedores. “Acredito que muda a forma como o público torce”, comenta Thiago Freitas. “Não acho que chega a torcer para o rival, mas imagina se escala o goleiro dele. Se toma gol, tudo bem. Se não toma, tudo bem também”. Koch vai um pouco além. “A torcida ficou mais superficial. O esporte e o time perdem importância para a disputa individual que é o Cartola. Acho que isso se soma a outras mudanças, como a preferência pelos times estrangeiros e o jeito mais frio de se comportar em um estádio de futebol”.

Entretanto, o cartoleiro afirma que nunca torceu para rivais ou contra seu Palmeiras. “O que eu fiz uma vez foi escalar o time todo do Corinthians porque eu tinha muito azar no jogo. Deu certo, eles perderam para o Vitória [1 a 0 em Itaquera, jogo que marcou o fim da invencibilidade alvinegra no nacional de 2017]”. Freitas, gremista, já escalou jogadores do Inter, mas nunca contra o Grêmio. “É interessante porque, conversando com o Pedro Alves, campeão de 2017 e torcedor do Fluminense, ele também me contou que nunca escalou alguém [que jogaria] contra o Flu”.

Para os usuários, um ponto positivo do game é motivar o competidor a estar sempre atualizado a respeito de times e jogadores. “O Cartola te deixa mais antenado. Você enxerga jogadores de outra forma e eu gosto porque ele te faz acompanhar mais futebol”, diz Medeiros. Thiago Freitas completa: “O jogo muda muito o entendimento de quem acompanha sobre futebol. Isso te faz conhecer mais e deixa o Campeonato Brasileiro muito mais interessante”.

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