_
_
_
_
_

Vício em videogame já afeta 9% dos usuários

Na China, o gigante da internet Tencent limitou o tempo diário de uso do jogo King of Glory para evitar que os mais jovens se viciem

Isaac Flores jogando um videogame no computador.
Isaac Flores jogando um videogame no computador.Lol Esports
Mais informações
O Tamagotchi está de volta
A psicologia por trás do nosso vício no Tetris
“Compreendi melhor o autismo do meu filho graças ao ‘Minecraft”

O venezuelano Ricardo Quintero, de 29 anos, deu um soco em sua irmã quando tinha 14 por lhe dizer como devia jogar um videogame. “Como fui capaz de fazer isso?”, pergunta-se. Ele acredita que foi o vício em videogame o fez perder o controle. Um vício que o levou a faltar a compromissos, deixar amizades e baixar o rendimento escolar.

Estudos internacionais apontam que até 9% das pessoas que jogam estão viciadas em videogames. Em alguns países asiáticos isso já é considerado um problema de saúde pública. Na China, o gigante da internet Tencent limitou o tempo diário de uso de seu videogame King of Glory para evitar que os mais jovens viciem. Neste ano, a Organização Mundial da Saúde (OMS) incluiu o vício em videogame na lista de doenças mentais que está sendo preparada para a próxima edição da Classificação Internacional de Doenças (ICD-11, na sigla em inglês). A ESA, associação norte-americana que representa os produtos e distribuidores da indústria do videogame, solicitou que a OMS reconsidere a decisão.

Esse transtorno se caracteriza por um padrão “contínuo ou recorrente”. A OMS vincula a doença ao aumento da prioridade dada aos jogos em prejuízo de outros interesses vitais e atividades diárias. Além disso, os jogadores perdem o controle sobre a frequência e duração.

Quintero trabalhava como publicitário, às vezes não terminava suas tarefas por causa do jogo e mentia para seus clientes. “Dizia [que seriam] cinco minutos e passava quatro horas”, conta. O vício também o afetou no âmbito pessoal. Quintero recorda que quase perdeu a namorada, com quem agora vai ter um filho: “Quando tinha 22 anos, preferia jogar a estar com ela”.

A maioria das pessoas viciadas nos videogames tem uma idade média de 20 anos, poucas habilidades sociais e dificuldade de persistir em seus objetivos. É o que diz Susana Jiménez, psicóloga clínica e coordenadora da unidade de jogo patológico e outros vícios comportamentais do hospital de Bellvitge, em Barcelona. Nessa unidade as consultas relacionadas a videogames cresceram 2% desde 2004. Dos 3.500 casos de pacientes com vícios comportamentais, 5% correspondem a pessoas viciadas em videogames. Especialmente os jogos online, de RPG, em massa e de multijogadores. Mais concretamente o World of Warcraft e o League of Legends (LOL).

Isaac Flores começou a jogar o LOL quando tinha 17 anos. Cada semana passava pelo menos duas noites sem dormir para “melhorar”. Jiménez diz que o fato de esses videogames exigirem uma dedicação de tempo tão importante e não terem fim é o que os torna viciantes. Apesar de Flores ter começado a jogar com amigos, acabou perdendo-os. “Se você está determinado a melhorar, acaba deixando de lado as pessoas que não estão no seu nível”, diz.

Diferentemente de Quintero, o que para ele começou como um vício acabou virando trabalho. Dois anos mais tarde, várias equipes queriam contratá-lo. Assim Pepiinero, como é conhecido no mundo dos esportes, tornou-se um dos melhores jogadores de LOL da Espanha e chegou a ganhar 3.500 euros (13.000 reais) por mês. Mas dedicava mais de dez horas por dia ao jogo: “Você acaba deixando de viver para si e acaba vivendo para o videogame”. Agora, aos 23 anos, perdeu a paixão pelo LOL e trocou os videogames por livros. O último que escolheu foi Coluna de Fogo de Ken Follet. “Foi proveitoso porque ganhei algo em troca, mas tem gente que investe o mesmo tempo ou mais e não chega a lugar nenhum. Muitas vezes fazem isso para provar seu valor”, opina.

Gabriel Rubio, chefe do serviço de Psiquiatria do Hospital 12 de Octubre (Madri), afirma que os videogames permitem melhorar a autoestima. Sua unidade trata principalmente pacientes viciados em jogos com dinheiro. O médico destaca que um em cada três foi viciado videogames e os trocou pelas apostas. Para Jiménez, muitas vezes é mais fácil tratar a ludopatia quando a pessoa está consciente do problema: “O grande desafio do vício em videogames é a pouca consciência que esses jovens têm da doença”. O tratamento é feito em duas etapas: uma intensiva, com uma sessão semanal durante os quatro primeiros meses e outra de acompanhamento, que se estende por dois anos.

A família desempenha um papel fundamental, especialmente na prevenção. “Jogar videogames não tem absolutamente nada de mau, mas é preciso limitar os tempos e proporcionar às crianças diversidade de entretenimento”, afirma Andrés Quinteros, diretor da clínica de psicologia Cepsim. Recomenda-se jogar no máximo duas horas por dia com a luz acesa, não ficar muito perto do monitor e evitar pôr a tela no brilho máximo. Durante o tratamento, o objetivo não é convencer os pacientes de que os videogames são maus, mas fazê-los perceber o que estão perdendo como consequência de jogar mais de oito horas por dia.

Quintero não se submeteu a nenhum tratamento para acabar com seu vício em videogames. Substituiu os jogos por outras ocupações: concentrou-se no trabalho, toca bateria e passa tempo com sua companheira. Hoje ainda joga FIFA e Destiny 2 quatro horas por semana no Play Station 4, mas o que para ele antes era “tudo”, agora é uma válvula de escape. O jovem venezuelano tem consciência de que o vício em videogames fez muitas pessoas perderem tudo: família, trabalho e amigos. Mas lança uma mensagem de esperança: “O bom de chegar ao fundo do poço é que a única opção que resta é subir”.

VIDEOGAMES COMO TERAPIA

Cada vez mais profissionais da saúde exploram as possibilidades terapêuticas dos videogames. No Hospital de Bellvitge eles são utilizados como estratégias complementares no tratamento da ludopatia: treinam o paciente a controlar melhor os estados emocionais negativos e o estresse, a irritabilidade e a ansiedade. Também existem videogames para fazer crianças com câncer terem atitudes mais positivas na quimioterapia ou ajudar na recuperação de queimaduras. "Quando desconectam, melhora o limiar de tolerância à dor", diz Susana Jiménez. Os videogames também podem ser extremamente positivos se forem usados de forma adequada, já que ajudam a desenvolver habilidades como concentração, atenção e memória.

Mais informações

Arquivado Em

Recomendaciones EL PAÍS
Recomendaciones EL PAÍS
_
_