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Randolfe Rodrigues: “Nunca se cometeram tanto crimes como nos últimos anos de Jair Bolsonaro”

Senador e vice-presidente da CPI da Pandemia critica a omissão do Ministério Público Federal e reforça intenção dos senadores de levarem denúncia a tribunais internacionais

O senador Randolfe Rodrigues, em seu gabinete, em Brasília.
O senador Randolfe Rodrigues, em seu gabinete, em Brasília.Cristiano Mariz
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Randolfe Rodrigues (Garanhuns, 1972) vive em rotação acelerada. Sua mãe já dizia que ele teve pressa até para nascer. Nos últimos meses, desde que assumiu a vice-presidência da Comissão Parlamentar de Inquérito da Pandemia, o senador pela Rede, do Amapá, diz estar um pouco mais agitado. “Sempre sou acelerado. Mas rotina igual a essa de agora nunca tive”. Em quase 11 anos de Congresso Nacional, Rodrigues costuma se alinhar com a oposição aos Governos. Foi assim com Dilma Rousseff (PT), Michel Temer (MDB) e agora com Jair Bolsonaro (sem partido). A diferença de agora para os dois anteriores é que caminha ao lado de quem, no passado, criticou e até tentou afastar do cargo, como o senador Renan Calheiros (MDB-AL), que relata a CPI da Pandemia.

Seu gabinete, em Brasília, costuma funcionar até as 23h. É enfeitado com estátuas dos padroeiros de sua terra natal, Santo Antônio, e da cidade que o adotou, São José de Macapá. Sobre a sua mesa estão alguns dos vários bonecos de Harry Potter de sua coleção. Personagem que lhe rendeu o apelido em 2011, quando iniciou o seu primeiro mandato no Senado Federal. A entrevista foi concedida ao EL PAÍS em duas etapas, no dia 12 de agosto, em seu gabinete, e no dia 26, por telefone. O parlamentar disse estar diante de uma tarefa civilizatória histórica e que espera que a CPI conclua os trabalhos em setembro, com a produção de um relatório que aponte crimes de responsabilidade, comum e de lesa-humanidade.

Pergunta. Por que há a sensação de que a crise política no Brasil não acaba nunca?

Resposta. Estamos com um ciclo histórico da década. A eleição de 2014 abriu uma caixa de Pandora e até agora a gente não botou todos os demônios de volta nela.

P. A gente está botando?

R. Nós estamos resistindo, nós estamos na luta contra os demônios agora. Vai ser uma tarefa civilizatória histórica, no ano que vem ou ainda este ano, ao final da CPI, tentar começar a colocar os demônios de volta. O estrago que eles deixaram aqui vai custar décadas para nós recuperarmos.

P. Colocar esses demônios dentro da caixa novamente significa o quê? O impeachment do Bolsonaro?

R. O cenário ideal seria o impeachment, o afastamento e a responsabilização dos culpados por tudo isso. Nós estamos diante do pior tipo de aliança que a história do Brasil poderia produzir. É uma aliança de facínoras com fisiologismo corrupto do baixo clero do Parlamento. A presença na CPI do líder do Governo na Câmara, Ricardo Barros, junto aos esquemas que estão governando é o retrato disso. É uma aliança de facínoras milicianos com uma elite política corrupta que manda no país há muito tempo. Ricardo Barros é o representante da arrogância de uma parte da elite brasileira, da arrogância de uma elite que não saiu da Casa Grande, da arrogância de uma elite que acha que está acima da lei, que está acima de tudo e que é superior. Esse pessoal chegou ao núcleo central de poder, que eles nunca tinham tido na história brasileira. Nunca esse tipo de gente tinha chegado ao Governo da República como chegou com Jair Bolsonaro.

P. Mas o deputado Ricardo Barros foi ministro do Governo Temer.

R. Sim, mas não com o poder que ele e seu grupo estão agora. O Governo de agora é o Governo deles. Eles sempre estiveram em governos, mas sempre como sócios, majoritários ou minoritários. Hoje o Governo é deles. Basta ver hoje quem está na Casa Civil do Governo. Basta ver o papel de protagonista de Ricardo Barros, Arthur Lira e outros. O que é o Partido Progressista? É o antigo PDS, a Arena. Essa gente vem das boquinhas do poder desde a ditadura. A estrutura de poder dessa turma não vem de agora. Essa é uma turma que compreendeu a formação do Brasil em função deles. A síntese dessa turma é tratar os outros no Brasil com aquela frase célebre “Você sabe com quem está falando?”. O comportamento dessa elite é assim. Ela se entranhou nas estruturas de poder no país a partir das ditaduras.

P. Seu grupo de senadores entendia que a convocação de Ricardo Barros não traria nada positivo à CPI neste momento. Por que ele veio, mesmo assim?

R. Essa era a minha posição, mas ela foi vencida. A minha opinião era que não deveríamos ter trazido o senhor Ricardo Barros agora. Ele viria para afrontar a CPI e nós não teríamos todos os elementos. E foi exatamente o que ele fez. Eu não sou profeta e queria ter estado errado. Só que minha posição acabou sendo minoritária e houve da parte dos meus colegas boa-fé. Só que com esse tipo de gente nós não podemos ter o pressuposto a da boa-fé.

P. Que papel a CPI está cumprindo no atual momento do Brasil, levando em conta que temos um presidente que vem dobrando a aposta contra a oposição a ele?

R. A CPI ocupou um espaço que deveria ter sido ocupado por outras instituições. Eu lamento a atuação do Ministério Público Federal. Os membros do Ministério Público Federal hão de refletir sobre as amarras que foram impostas a eles pelo Governo Jair Bolsonaro. Eu espero até que a maioria dos membros do Ministério Público compreenda que não se pode dar vazão àqueles que conspiram contra o estado democrático de direito. Esses não podem ter oportunidades. Eu acredito no conjunto do Ministério Público, mas ocorreu uma omissão por parte do procurador-geral da República [Augusto Aras]. É uma omissão que ele pode até ser perdoado no curto prazo, mas a história não perdoará a omissão que a PGR teve nesse período. Se a PGR tivesse atuado, não teria CPI. E a comissão teve um mérito desde a sua adoção. Até a implantação da CPI o presidente Bolsonaro saia toda segunda-feira e colocava o Brasil no cercadinho [onde se encontram os militantes no Palácio da Alvorada]. A CPI devolveu o Bolsonaro para o cercadinho dele e pautou a agenda nacional. Ele está tentando agora correr atrás, deixando de falar da CPI e tentando colocar o país no cercadinho de novo. Fala de voto impresso, enquanto nós temos 9% de inflação ao ano, a maior dos últimos 20 anos. Enquanto os brasileiros não têm como comprar carne, arroz. Enquanto 19 milhões de brasileiros voltaram para a linha da miséria.

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P. O PIB reagiu muito tarde?

R. Eu acho que ainda reagiu pouco. Eu não entendo a lógica daqueles ricos da elite econômica desse país que ainda dão apoio do Governo de Jair Bolsonaro. Eles estão cavando a cova do seu próprio fracasso. Isso já está acontecendo. Eles têm que compreender que democracia brasileira não resistirá a uma eventual reeleição de Jair Bolsonaro. E sem democracia aqui não tem investimento. Sem investimento, todos eles vão perder a bolada de dinheiro que eles ganham. Não existe caminho para prosperidade, inclusive deles, fora da democracia.

P. Como ter essa responsabilização ou um processo de impeachment com essa blindagem de Arthur Lira na Câmara ou de Augusto Aras na PGR? O que a CPI pode fazer na prática?

R. Eu falo do cenário ideal. Sei que nós temos uma trava na Câmara dos Deputados que chama Arthur Lira. Repito, é o partido Presidente da República que dirige a Câmara, é a Arena, é o Progressista, derivado da Arena. A CPI vai apontar os crimes de responsabilidade, os crimes comuns e os crimes de lesa-humanidade. Temos elementos que indicam isso, em especial o que aconteceu no Amazonas. Fazer o povo do Amazonas, da cidade de Manaus, de cobaias fere o artigo quinto do Estatuto de Roma, do Tribunal Penal Internacional. Estou convencido e determinado a levar ao Tribunal Penal Internacional.

P. Ter de ir a um Tribunal Penal Internacional não é mostra de como a nossa democracia tem lacunas?

R. Recorrer ao TPI não será alternativo, será concomitante. Ao final do relatório da CPI teremos três conclusões: crime de responsabilidade, crimes comuns, que serão levados ao Ministério Público, e [de lesa-humanidade], levado ao Tribunal Penal Internacional. E nem será para agora. Não é simples levar um nacional a responder no Tribunal Penal Internacional. Vai levar tempo. Não será fácil porque não pode um nacional ser processado pelo tribunal internacional a não ser que o Estado nação o entregue. A nossa determinação para trabalhar para isso é porque faz parte do bojo das tarefas civilizatórias que temos. Me perguntaram certa vez o que achava de eventual projeção por conta de CPI. Se eu tivesse interesse eleitoral eu não estaria nessa CPI.

P. Por que?

R. A reação tem sido dura. Eu estou nesta CPI porque a tarefa não é eleitoral, a tarefa não é conjuntural, a tarefa é histórica civilizacional. Eu estou cumprindo esse papel e esse serviço agora porque em algum momento eu vou ser perguntado. E se eu não estiver vivo, os meus netos vão perguntar para os meus filhos; “quando aconteceu aquela tragédia aqui no Brasil o que o meu avô estava fazendo? Já que ele era agente político”. Essa é uma das respostas que eu tenho que dar.

P. Você votou contra ou a favor a recondução do Augusto Aras para a PGR?

R. Votei contra, em especial, pela atuação do procurador geral da República. Respeito a decisão do conjunto do Senado. Acredito que o Senado votou mais favorável por conta das posições que o doutor Aras tomou em relação recente também em relação à classe política, o que eu considero um erro. Mas enfim, ele foi reconduzido com a ampla maioria dos votos dos senhores senadores.

P. O que representa a recondução do procurador Aras? É possível esperar que ele aja de maneira distinta e, diante do relatório da CPI, proponha ações contra o presidente?

R. O Aras terá mais uma oportunidade, única, para a sua trajetória. Ele pode nesses próximos dois anos recuperar a credibilidade do Ministério Público Federal, cumprir as atribuições da Procuradoria-Geral da República e recuperar o prestígio e a credibilidade no meio jurídico. Ele pode passar pra história nessa nova oportunidade que lhe foi concedida ou ele pode passar para a história como alguém que se omitiu, que não tomou as providências devidas diante de uma crise catastrófica com responsabilidade do presidente da República.

P. Depois desses últimos meses, com mais atores contra o Governo Bolsonaro, você acha que a nossa democracia sai mais fortalecida?

R. Ela tem que sair. Essa é uma trincheira ampla com personagens de diferentes posições. Eu confesso que não sei se só ela é suficiente. Não sei se será possível evitar uma tragédia ainda maior.

P. Não sabe se ela evitaria uma reeleição do Bolsonaro. É isso?

R. Eu ainda não sei essa resposta.

P. Ainda que o Bolsonaro tenha 60% de rejeição?

R. Ainda não sei se é possível. Eu estou trabalhando para que seja. Essa frente amplíssima é a única que pode cumprir a tarefa histórica de colocar os demônios de volta na caixa de Pandora. E depois dar conta de um segundo serviço que é a reconstrução do país. A reconstrução que vai ter que ser política, social, econômica, ambiental e a, mais importante de todas reconstruções, a das relações interpessoais. Tentar reconciliar as famílias que foram divididas nos grupos de WhatsApp, os traços de ódio que foram gravados na sociedade brasileira nos últimos anos. Enfim, sem essa frente ampla não é possível dar conta para essa tarefa.

P. Quem seria o seu candidato hoje, Lula ou uma terceira via? Em sendo uma terceira via, quem seria essa pessoa?

R. O meu candidato é todo aquele que estiver habilitado a superar a tragédia que nós temos. Temos que ter uma consciência coletiva. Nós não podemos excluir ninguém disso, terceira via, Lula, Ciro Gomes, João Dória, Luiz Henrique Mandetta, Eduardo Leite só para citar alguns dos nomes. O nome que estiver mais bem qualificado é esse. Eu quero voltar a ter divergência política. Eu quero voltar a ter posições diferentes sobre debate econômico. Eu quero voltar a restabelecer o debate entre os sociais democratas, socialistas, esquerda, direita. O que tem hoje não é debate político. O nível de confronto, de agressão, de ofensa à ordem democrática é enorme. Essa aliança trágica entre o fisiologismo corrupto de baixo clero com facínoras milicianos tem de ser superada.

P. Congressistas comentam que há colegas mudando o voto por medo da milícia digital bolsonarista. Estamos nesse momento de tanto temor?

R. Nós estamos no momento em que parte do Parlamento está intimidada. E isso não cabe. Quem se comporta com medo desse momento não está diante da dimensão histórica do que nós estamos vivendo. A ousadia dos maus só pode ser superada com a coragem dos bons.

P. Quando você fala nessa união pela democracia, inclui estar ao lado de Renan Calheiros, contra quem você liderou um processo para afastar da presidência do Senado?

A necessidade da história supera qualquer divergência eventual.

R. Inclui hoje estar junto com Simone Tebet, com Alessandro Vieira, com Renan Calheiros, com Omar Aziz. A proximidade política minha talvez seja com um ou com o outro, né? Eu estive na oposição ao Governo da presidenta Dilma Rousseff, eu estive numa oposição ao Governo do PT, e depois eu fui contra o impeachment. Eu intuía que aquilo não podia estar em um bom termo. Aquele processo inaugurado pelo processo do impeachment. Foi sem crime de responsabilidade definido, como ficou patente caracterizado naquela circunstância, só poderia resultar na quadra histórica como essa. Um dia desses fiz uma brincadeira com uma jornalista que me perguntou: “Se em 2011 alguém lhe abordasse aqui no corredor do Senado e lhe dissesse, ‘eu venho do futuro. Em 2021 você estará junto com Renan Calheiros em uma comissão parlamentar de inquérito. Vocês se defenderão”. Eu imediatamente chamaria um policial mais próximo e diria para interditar porque ele está doido. A necessidade da história supera qualquer divergência eventual.

P. Você acha que pode ocorrer no Brasil uma invasão no Congresso como a que ocorreu no capitólio dos Estados Unidos, caso Bolsonaro perca a eleição?

R. O senhor Jair Bolsonaro só aceitará o resultado que for favorável a ele. Não basta derrotá-lo, tem que derrotar por ampla margem. Temos que ter diálogo com as forças militares para convencer exatamente que a derrota das Forças Armadas brasileiras será a continuação do Governo do Jair Bolsonaro. Ele depõe contra a própria trajetória das Forças Armadas. Eu tenho convencimento que ele vai buscar algum tipo de conflito. Ele está cavando isso. Bolsonaro trabalha diariamente para um golpe. Ele talvez ainda não tenha as condições para isso. O que esperar de um militar que foi expulso do Exército que tentou jogar bomba numa adutora de água do Rio de Janeiro? É com esse tipo de gente que está na Presidência da República que estamos confrontando.

P. O que os militares têm dito? Tem conversado com eles?

R. Tenho conversado com um ou com o outro. Tenho confiança de que pelo menos na cúpula existe um grau de profissionalismo que respeitará a ordem democrática. Agora, acho que Jair Bolsonaro trabalha com qualquer possibilidade de quartelada. Se não for com os altos escalões, com os escalões intermediários. Eventualmente com algumas polícias militares.

P. Diante do caos político histórico uma quartelada é até lucro, porque ela morre por si só.

R. A História nos mostra que não se dá golpe de Estado somente com uma força política. Só com os militares. Em 1964 ocorreu a partir de um ambiente internacional e de amplo apoio de parcelas da elite nacional, além de apoio popular. Mesmo assim, o regime que ascendeu procurou sempre dar alguma marca, alguma farsa de democracia durante algum tempo. Então, por isso que a engenharia de um eventual golpe eu considero mais difícil. Tenho uma clara impressão que 2022 vai ter custo.

P. Tem analistas que dizem que há uma espécie de partido militar com Jair Bolsonaro, e que ele seria apenas a face dessa ala. Quem comanda quem? Ele comanda os militares ou os militares que o comandam?

R. Acho que boa parte dos militares está se submetendo a um lamentável e triste constrangimento diante dele. Não acredito que a maioria dos militares dos altos comandos tivesse de acordo com aquela pantomima que ele fez aqui com o desfile dos tanques da Marinha. Estou percebendo que parte dos altos escalões militares já está constrangida. Foi uma cena, no mínimo, constrangedora. Se é aquilo que a gente tem a oferecer em um eventual conflito bélico, aquilo demonstrou uma enorme vulnerabilidade nossa.

P. No Chile, os militares deixaram uma Constituição amarrada. Recentemente, houve aquela ruptura e eles estão fazendo uma nova constituinte. O Brasil vai precisar chegar a tanto para que não passemos por outro teste de estresse?

R. Do ponto de vista de ordem jurídica, nós não precisamos de uma nova ordem, nós estamos aqui para preservar e interceder a ordem constitucional jurídica que fundamos em 1988 com abertura democrática. No Chile, eles estavam tutelados até agora pela Constituição pinochetista. Nós temos processo histórico bem distinto, nós já temos uma ordem constitucional democrática, que temos que preservá-la e defendê-la. Na situação do Brasil, é diferente da do Chile, porque temos que superar Jair Bolsonaro, preservando a ordem democrática, preservando a Constituição para avançar adiante.

Randolfe Rodrigues, senador da República.
Randolfe Rodrigues, senador da República.Cristiano Mariz


P. Muitos parlamentares desta legislação foram eleitos na onda da Lava Jato. Prometiam combater a corrupção e hoje estão aliados ao Centrão.

R. Nunca se cometeram tanto crimes na história brasileira como nos últimos anos de Jair Bolsonaro. Nunca precisamos tanto de Ministério Público. O pior é o principal personagem da Lava Jato [Sergio Moro] ter se convertido para o Governo Bolsonaro. Eu não acredito em ingenuidade, em inocência. Todos nós sabíamos quem era Jair. Todos nós sabíamos que ele não representa nada de honesto no país, ele é do fundo do poço do Centrão.

P. O que podemos esperar de próximos passos da CPI da Pandemia? Vocês estão numa trilha de corrupção. O que pode se esperar de VTCLog, de Covaxin?

R. Estamos na reta final da CPI. A CPI já trouxe muito resultado. Quando começamos, nós não tínhamos 5% dos brasileiros vacinados. Se não tivesse essa comissão, o ministro da Saúde ainda seria Eduardo Pazuello. O próprio Ricardo Barros no depoimento disse que ele defendeu a continuação de Pazuello. Olha o tamanho da tragédia. Se não fosse a CPI, o brasileiro não saberia que a Pfizer enviou 101 e-mails para tentar vender vacina ao Governo. Ninguém saberia que estavam transformando o Ministério da Saúde em um balcão de negócios quando tinha 3.000 brasileiros morrendo por dia. A Davati estava negociando à vontade no gabinete Élcio Franco e o Pazuello estava negociando com uma empresa que importava produtos eróticos e que dizia que tinha vacina. Enfim, se não fosse a CPI esses esquemas não teriam sido desmontados, a vacinação continuaria atrasada. Se não fosse CPI não teria surgido a possibilidade de indenização para os órfãos da covid-19.

P. Onde mais ela pode chegar? Quando deve acabar?

R. A partir do depoimento dos irmãos Miranda, a CPI se transformou naquele personagem da mitologia grega que, por mais que se corte uma cabeça, acaba surgindo outra. Nós não vamos dar conta de todas. Temos que concluir em determinado momento. Acho que temos que nos aprofundar no caso da Precisa e ver o que ainda pode surgir de VTCLog e de hospitais federais do Rio de Janeiro. Se não der para aprofundar nesses dois temas a gente pode até propor uma outra comissão só pros hospitais federais do Rio de Janeiro. A minha avaliação é que em setembro nós já temos elementos para concluirmos os trabalhos da CPI. Se não fosse a CPI ainda estavam fazendo campanha para hidroxicloroquina. Hoje eles, pelo menos, ficam encabulados, Bolsonaro não fala mais em Ivermectina.

O parlamento estava controlado, estava dominado

P. O fim da CPI não vai deixar um vácuo?

R. A CPI não pode durar o tempo todo. Ela é temporária. Tem aquela máxima da filosofia romana, a máxima da dialética. Ao passar por um rio, nem o rio é o mesmo rio, nem o homem é o mesmo homem. O legado da CPI talvez tenha sido esse, despertar a mobilização da sociedade brasileira. No âmbito da CPI, vocês viram três grandes mobilizações por todo o país coordenadas. O Supremo começou a reagir. O Tribunal Superior Eleitoral também. As lideranças do Governo começam a ficar constrangidas. Eu acho que esse legado e essa correlação de forças no Senado após a CPI não é a mesma que tinha antes. E essa circunstância é irreversível. Esta é uma das principais contribuições que nós demos nesse momento histórico.

P. Em 2014, seu nome havia sido colocado como pré-candidato do PSOL para a presidência da República. Hoje, sete anos depois, você consegue ver uma candidatura presidencial ou em uma chapa?

R. Eu não tenho nem voz para isso (risos). Na política a gente sempre está a serviço de qualquer das tarefas. Mas neste momento histórico, acho que nós temos que encontrar um nome que seja a síntese mais adequada para superar Jair Bolsonaro. Eu, sinceramente, não sei se reuniria essas condições. Quero contribuir com isso. Quero ser uma peça dessa engrenagem. Precisamos de um perfil que tenha galvanização popular, que mobilize o povo para superarmos a quadra em que estamos.

P. Não acha que a pauta vai ser tomada, de novo, pelo presidente?

R. Lembremos que nós temos também um pós-CPI, que será a consequência do relatório. O relatório do CPI vai dar trabalho, vai dar serviço. A legislação estabelece que a autoridade que receber os relatórios de comissão parlamentares de inquérito têm o prazo de 30 dias para explicar as providências que tomou, sob pena de responder civil, administrativa e criminalmente. Não é simplesmente assim, vamos entregar pro Arthur Lira e fica por isso. Ele tem 30 dias para dizer o que fez. Da mesma forma, um tomo da CPI são os crimes de lesa-humanidade. Nós não vamos ficar quietos, parados em berço esplêndido. Nós vamos atrás de uma audiência com algum procurador do Tribunal Penal Internacional. Você imagina um procurador do TPI nos receber, enquanto membros da comissão parlamentar? Isso é um fato inusitado, sem precedentes.

O senador Randolfe, em seu gabinete, em Brasília.
O senador Randolfe, em seu gabinete, em Brasília.Cristiano Mariz

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