STF age para esvaziar escalada autoritária de Bolsonaro
Em Brasília, há um consenso de que o alto comando das Forças Armadas não vai embarcar em arroubos golpistas. Enquanto isso, o presidente faz gestos opostos para semear a dúvida
Um comboio improvisado de carros militares, um Congresso que flertou com a volta do voto impresso e com um regime eleitoral adotado no Afeganistão, o Distritão — ambos projetos apoiados pelo Governo. A semana terminou no sábado com o presidente anunciando que pedirá o impeachment de dois ministros da corte, e envolvendo o Senado na decisão. Na quinta-feira, 12, a cúpula do Supremo Tribunal Federal (STF) lia as últimas provocações de Bolsonaro como bravatas autoritárias cada vez mais criativas e nada mais. Os militares não teriam disposição para sair da Constituição que eles dizem defender. Assim, quem espera um autogolpe de Bolsonaro para se manter no poder, ou um ‘Capitólio brasileiro’ – em alusão à invasão do Parlamento dos EUA por trumpistas em 6 de janeiro — estaria perdendo seu tempo. Há uma aposta de que os tribunais têm poder de reprimir qualquer ação nesse sentido. “Há mecanismos de prevenção. Se houver ameaça, dá para evitar direitinho”, disse uma fonte que circula no STF.
Na mesma quinta, a inclusão do presidente Bolsonaro em uma quarta investigação do Supremo mostrou que há um contra-ataque jurídico pronto para reverter a escalada autoritária. Em um programa na internet há duas semanas, o mandatário divulgou informações parciais de uma investigação da Polícia Federal, insinuando, sem provas, possíveis fraudes nas urnas. Coube ao ministro Alexandre de Moraes riscar no chão as tais linhas da Constituição que o presidente diz obedecer. ao incluí-lo no inquérito das fake news. Na sexta de manhã, a prisão do presidente do PTB, Roberto Jefferson, por indícios de participação em ações das chamadas milícias digitais, confirmava novamente essa leitura. Mas, Bolsonaro voltou à carga neste sábado (14), dobrando sua aposta com o anúncio do pedido de impeachment dos ministros Alexandre de Moraes e Luís Roberto Barroso, este último também presidente do Tribunal Superior Eleitoral (TSE).
A verdade é que peças se moveram em resposta à campanha desenfreada do presidente para se manter no poder, marcando vitórias táticas importantes na semana que passou contra o obscurantismo que se abateu na capital do país. Não só dentro do STF. No Congresso, caíram os dois projetos bolsonaristas que poderiam impactar 20022, ainda que a reforma política tenha suposto a volta das coligações. O voto impresso, ao menos, foi derrotado, embora tenha tido 229 votos favoráveis e 218 contrários.
O Governo precisava de 308 votos para aprovar a Proposta de Emenda à Constituição (PEC) que foi ao plenário. Distribuiu-se muito dinheiro de última hora, atestaram parlamentares ouvidos pelo EL PAÍS, e isso fez diferença. Quase 60% dos que votaram pelo projeto do Governo receberam recursos de um total de 1 bilhão de reais distribuídos em forma de emendas às vésperas da votação na Comissão Especial no início deste mês, informa o jornal O Estado de S. Paulo. “Se nós considerarmos que, em votação de PEC, quem não vota vale o mesmo que um voto contrário, [houve 64 ausências e 1 abstenção], nós estamos falando de um resultado de 293 [votos contrários] a 229, o que é uma vitória acachapante, mais ainda se você considerar que houve um envolvimento muito ativo do presidente”, diz o deputado Marcelo Ramos (PL-AM). “Aquilo era a pauta mais importante de Bolsonaro e nós conseguimos virar essa página”, completa.
No Supremo a leitura é similar. Sem dinheiro e sem tanques, houve um resultado positivo. O convencimento passou pela sensatez. Já no Senado, a CPI da Pandemia continua a avançar com cada vez mais provas da omissão do Governo na pandemia. A apuração das responsabilidades do Governo na gestão da pandemia, que já matou quase 570.000 pessoas, “colocaram o presidente de volta ao cercadinho”, diz o senador Randolfe Rodrigues (Rede-AP).
Mas, para esvaziar o bolsonarismo radical, é preciso muito mais do que vitórias táticas. O fiel da balança para a democracia brasileira é o papel dos militares, cujos ministros fardados do Governo prestigiam as pautas do presidente. Vários deles estiveram ao lado do presidente quando passou o comboio de carros militares, assim como na entrevista de Bolsonaro que acabou suscitando o último inquérito no STF.
Desde a votação da PEC do voto impresso, no entanto, eles não emitem comentários. O mesmo Braga Netto, hoje à frente do Ministério da Defesa, já havia manifestado publicamente seu apoio à pauta do voto impresso, sugerindo que quem deveria decidir era o Congresso. Assim aconteceu, e o presidente da Câmara, Arthur Lira (PP-AL), arquivou o projeto depois da derrota de terça-feira.
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Em Brasília, há um consenso de que o alto comando das Forças Armadas não vai embarcar em arroubos golpistas, e garantem a interlocutores do Congresso e do Judiciário que eles vão defender a democracia. O vice-presidente Hamilton Mourão teria se encontrado com o ministro Barroso, inclusive, na mesma terça para tranquilizar a corte, diz reportagem do Estado de S. Paulo. Mas a proximidade do poder e os discursos inflamados do presidente já influenciam indiretamente, a ponto de gerar um clima de medo entre parlamentares na hora de algumas votações da CPI da Pandemia, por exemplo. O senador Alessandro Viera (Cidadania-SE) sentiu isso quando quiseram convocar o ministro Braga Netto no início de agosto por sua atuação no comitê da crise da covid-19. Na época, ele ocupava a Casa Civil. “Há parlamentares corretos, mas que têm medo de uma reação armada. Quando você chega neste patamar, talvez você já não tenha democracia. Plena, pelo menos, não”, diz Vieira.
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Clique aquiA CPI investiga a atuação de militares da reserva que se colocaram no papel de intermediar vacinas, em que houve aparentes pedidos de propina. A ideia de convidar Braga Netto era de ajudar a esclarecer a rede de influências que atua no Ministério da Saúde. “Há um equívoco em permitir que as pessoas demonstrem um poder maior do que elas efetivamente têm”, diz o senador. “Eu tenho de garantir o contrário, de que todo mundo está abaixo da lei, seja um general de quatro estrelas ou não”, completa.
Por ora, sabe-se que a crise política vai se estender testando quais são os limites do Congresso e do STF, e de parte da sociedade que ainda assiste impassível aos arroubos autoritários do chefe do Executivo. “Não acho que o presidente vá parar de criar crises institucionais por esse ou por outros motivos. Ele precisa dessas crises porque ele não sabe governar”, ironiza o deputado Marcelo Ramos. “Se ele não falar de voto impresso, de armamento, de não ter eleição, ele vai ter que falar de política industrial, de como combater o desemprego, de como diminuir a fome no país, e ele não sabe”, conclui.
A falta de clareza fez o Brasil deixar de falar em “uma semana atípica em Brasília” quando crises estouram e ocorrem fatos fora da rotina. São tempos anormais, contados agora como anos atípicos da jovem democracia brasileira, posta à prova novamente no século XXI.
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