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O bateu-levou de Ricardo Barros, que desafiou a CPI da Pandemia e acabou convocado para uma nova sessão

Deputado do PP e líder do Governo Bolsonaro na Câmara havia sido chamado como convidado, mas irritou os senadores ao desafiar e mentir, dizendo que os trabalhos da comissão afastaram venda de imunizantes

O deputado federal Ricardo Barros (PP-PR) fala na CPI da Pandemia nesta quinta-feira, 12 de agosto, como convidado.
O deputado federal Ricardo Barros (PP-PR) fala na CPI da Pandemia nesta quinta-feira, 12 de agosto, como convidado.ADRIANO MACHADO (Reuters)
Felipe Betim

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Chamado para a CPI da Pandemia na condição de convidado, o deputado federal Ricardo Barros (PP-PR), líder do Governo Jair Bolsonaro na Câmara, entrou em campo para desafiar os trabalhos da comissão, confrontar os senadores e mentir. A postura de Barros recheou a sessão desta quinta-feira de bate-bocas entre governistas e oposicionistas. No final, o deputado acabou irritando os senadores ao dizer que as farmacêuticas CanSino e Covaxin —da China e da Índia, respectivamente— haviam desistido de vender imunizantes para o Ministério da Saúde por causa dos trabalhos da CPI. Na verdade, ambas seguem interessadas no negócio, mas buscam outros representantes por causa das suspeitas de irregularidades envolvendo as intermediárias brasileiras Bacher e Precisa, ambas alvo da comissão. O presidente da CPI, senador Omar Aziz (PSD-AM), encerrou a sessão pouco depois de 15h, afirmando que Barros será convocado novamente, mas agora como depoente —isto é, ele fica obrigado a falar a verdade e, se mentir, poderá ser preso.

Barros havia sido convocado como depoente pela CPI antes do recesso legislativo, mas o presidente da Câmara, Arthur Lira (PP-AL), pediu que o chamado fosse convertido em convite. “Quando fizemos essa troca, foi uma questão de deferência a um deputado federal, que não estava aqui como investigado, estava como testemunha”, afirmou Aziz nesta quinta-feira. “Agora, ele será convocado para esclarecer. E a narrativa dele de tentar colocar [a falta de vacinas] nas costas da CPI é uma narrativa de alguém que realmente não tem compromisso com a vida, desde o primeiro momento defendendo imunização de rebanho”, acrescentou.

Barros se manteve desafiador mesmo depois do encerramento da sessão. Chegou a fazer uma entrevista coletiva ao lado dos senadores governistas da CPI, escancarando de que lado estava. “Eu entendi tudo: o jogo não estava bom, ele [Aziz] é o dono da bola, põe a bola embaixo do braço e vai embora, não quer jogar mais. Porque eles não estavam conseguindo sustentar a sua narrativa”, disse, em tom de confronto. “Quando iniciei o depoimento, jurei falar a verdade. E não precisava, porque vim como convidado. Se vier como convocado, não muda absolutamente nada. Mas não vou permitir que narrativas mentirosas se repitam sem a devida contradita.”

Depois de uma primeira etapa da CPI, em que a comissão se debruçou sobre a gestão errática e negacionista do Governo Bolsonaro, os senadores investigam agora as suspeitas de corrupção envolvendo agentes do Ministério da Saúde e empresas brasileiras que representam farmacêuticas interessadas em vender imunizantes ao Brasil. E Barros é uma peça central do quebra-cabeças que a CPI busca montar. O servidor de carreira da pasta Luis Ricardo Miranda e seu irmão, o deputado federal Luis Miranda (DEM-DF), revelaram em junho uma pressão “atípica” para agilizar a liberação da vacina indiana Covaxin. O parlamentar contou à CPI que levou essa questão ao presidente em 20 de março deste ano. Teria ouvido dele que “isso era coisa de Ricardo Barros” e que Bolsonaro determinaria uma investigação da Polícia Federal —algo que nunca aconteceu.

Durante a sessão na CPI desta quinta-feira, Barros foi ao ataque. Começou negando ter sido citado por Bolsonaro, conforme o deputado do DEM havia dito. “Em todas suas falas, Miranda disse que o presidente na verdade perguntou se eu estava envolvido no caso e nunca afirmou que eu estava. O presidente nunca afirmou e não tinha como desmentir o que não afirmou”, defendeu-se. Aziz, o presidente da CPI, teve de suspender a sessão para buscar o trecho do depoimento de Miranda na comissão. Barros ainda disse que Bolsonaro nunca confirmou a conversa. Na verdade, o presidente lavou as mãos. Não desmentiu nem confirmou se falou no nome do deputado, limitando-se a dizer que não tinha “como saber o que acontece nos ministérios”.

As suspeitas

Oriundo de Maringá, no Paraná, Barros é suspeito de atuar para favorecer a Precisa Medicamentos, empresa brasileira que representava a indiana Bharat Biotech no Brasil, em uma compra de 15 dólares (78 reais) por dose da Covaxin. O valor está muito acima do que cobram outros laboratórios. Francisco Emerson Maximiano, dono da Precisa, é também sócio da Global Gestão, investigada por ter assinado outro contrato de fornecimento de medicamentos de alto custo com o Governo Michel Temer (2016-2018), de 20 milhões de reais, e não ter entregue os produtos. Barros, que foi ministro da Saúde de Temer, é réu no processo.

O deputado também ajudou a emplacar uma emenda na Câmara que buscava facilitar a compra de vacinas aprovadas na Índia, elevando as suspeitas de que ele pode ter ligação com essas negociações da Covaxin. Mas Barros negou qualquer irrugularidade. “Fiz a proposição porque a Índia é a maior fabricante de vacinas no mundo, para que os estudos feitos lá pudessem ser aproveitados pela Anvisa e pelo Governo federal”, justificou. Também afirmou que não incluiu autoridades sanitárias de outros países porque outros parlamentares já haviam feito isso. “Eu nem sabia que a Precisa representava a Covaxin no momento da apresentação da emenda”, garantiu. “Vocês não vão encontrar nada de ligação minha com a Covaxin. Podem continuar procurando”, desafiou.

O Governo Bolsonaro também negociava com a chinesa CanSino a compra de 60 milhões de doses da vacina Convidecia, a um preço de 17 dólares (85 reais) a dose. O laboratório tinha como representante no Brasil a Belcher Farmacêutica, com sede em Maringá. Um dos sócios é Daniel Moleirinho Feio Ribeiro, filho de Francisco Feio Ribeiro Filho, ambos amigos próximos de Barros. Francisco chegou a presidir a Urbamar (companhia de urbanização de Maringá) durante a gestão de Barros à frente do município, de 1989 a 1993.

O parlamentar não nega essa relação, mas garante que não atuou para favorecer a empresa. Também garantiu que sua atuação como parlamentar foi sempre a de conseguir mais vacinas para o Brasil, apesar de ter sido um defensor da imunidade de rebanho durante toda a pandemia —algo que foi lembrado pelos senadores da CPI. No final, atacou mais uma vez: “O mundo inteiro quer comprar vacina, e espero que esta CPI traga bons resultados ao Brasil. Porque o negativo já produziu muito: afastou empresas interessadas em vender vacina ao Brasil”. Barros se referia justamente à Covaxin e à Convidecia, que teve seu uso negado pela Agência Nacional de Vigilância Sanitária (Anvisa). Mas as farmacêuticas indiana e chinesa seguem interessados no negócio. As negociações foram interrompidas porque a Bharat Biotech rompeu o contrato com a Precisa após a empresa brasileira enviar documentos falsos ao Senado em nome da farmacêutica indiana. Já a CanSino afirmou ainda nesta quinta ao Valor Econômico que rompeu com a brasileira Belcher por questões de compliance.

A fala de Barros irritou mais uma vez os senadores, que lembraram que o atraso na vacinação do Brasil foi causado pelo Governo Bolsonaro, que se recusou a negociar com a Pfizer e a adquirir a Coronavac do Instituto Butantan ainda no ano passado. “Aí não dá. Nós impedimos que houvesse roubo. Que ganhassem dinheiro com vacina. Foi isso que nós impedimos”, exclamou Humberto Costa (PT-PE). “Afastamos as vacinas que vocês do Governo queriam tirar proveito, rapaz”, completou Aziz. O relator Renan Calheiros (MDB-AL) afirmou depois do encerramento da sessão que Barros “mentiu sistematicamente”, enquanto o vice-presidente da comissão, senador Randolfe Rodrigues (Rede-AP), disse que o deputado é de uma “cara de pau atroz”.

Barros é uma raposa política vinculada ao centrão na Câmara dos Deputados. Sua trajetória é longa. Antes de seu casamento com o Governo Bolsonaro, havia sido vice-líder e líder do Governo Fernando Henrique Cardoso (PSDB) na Câmara, entre 1999 e 2002; vice-líder do Governo Luiz Inácio Lula da Silva (PT) na Casa, em 2007; e ministro da Saúde do Governo Michel Temer (MDB), entre 2016 e 2018. Sua atuação como lobista de planos de saúde e de empresas médicas é mais que conhecida. Em sua etapa como ministro, ganhou os holofotes ao tecer críticas ao Sistema Único de Saúde (SUS), sugerindo que deveria haver uma “repactuação” e que se gasta muito em exames. Também chegou a defender planos populares para financiar a pasta.

Em maio do ano passado, criticou o isolamento social defendido por cientistas de todo o mundo, porque estaria prejudicando os hospitais privados do país. “Os hospitais estão quase quebrando. Eles perderam o seu movimento normal, das cirurgias eletivas, os acidentes de trânsito caíram muito”, reclamou em entrevista ao canal CNN Brasil. “Nós estamos quebrando todo o nosso sistema hospitalar financeiramente porque eles não podem fazer o seu trabalho normal e também não tem clientes covid-19 para ocupar os leitos”. Em fevereiro deste ano, também sugeriu “enquadrar” a Anvisa em entrevista concedida ao jornal O Estado de São Paulo em fevereiro, após insinuar que a agência não estaria agindo com a celeridade devida e estaria “fora da casinha”.

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