Mandetta: “Se tiver 3, 4, 5 candidaturas de centro, não conte comigo. Acho que é entrar para vencer a eleição”
Ex-ministro da Saúde tem viajado o país para tentar costurar uma aliança de centro em 2022. Médico avalia que a CPI da Pandemia ainda atua de forma errática e critica manifestações contra o Governo, que segundo ele, geram aglomerações e contribuem para proliferar o coronavírus
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Depois de assumir o protagonismo da gestão contra a pandemia de coronavírus por meio de coletivas de imprensa diárias, no início da crise sanitária no Brasil, e de irritar o presidente Jair Bolsonaro, que o demitiu, o ex-ministro da Saúde Luiz Henrique Mandetta (Campo Grande, 1964) diz “estar pronto” para as eleições presidenciais de 2022. Ele tem viajado para várias cidades e articulado conversas com nomes que vão de Ciro Gomes (PDT) a João Dória (PSDB) em busca de construir uma terceira via alinhada ao “centro político” ―em alternativa a Lula e a seu ex-chefe, Bolsonaro, que lideram as últimas pesquisas eleitorais. Em entrevista dada por vídeoconferência ao EL PAÍS, na última segunda-feira, ele diz acreditar que há grande margem política para trabalhar o campo alternativo e diz buscar um consenso para não fragmentar as opções. “Se fragmentar esse centro, se tiver três, quatro, cinco candidaturas, não conte comigo. Eu não vou fazer esse papel pra conspirar, para que os extremos consigam, com os seus cercadinhos de radicais, ir pro segundo turno. Acho que é pra entrar para vencer a eleição”, defende. Mandetta não descarta que ele próprio seja o nome para representar este centro político, com o capital eleitoral que ganhou após deixar o Governo em abril do ano passado por discordâncias com Bolsonaro sobre medidas de isolamento social e o uso de cloroquina na pandemia.
O médico, que tem feito inúmeras críticas ao mandatário e depôs na CPI da Pandemia no início do mês, avalia que a comissão do Senado ainda está sendo trabalhada de forma errática ao discutir o uso da cloroquina, embora veja bastante material para identificar a digital de Bolsonaro na demora para comprar vacinas. “Eu me arrependo de ter acreditado que Bolsonaro queria um trabalho técnico”, afirma.
Pergunta. Você tem se colocado na linha de frente dos políticos de centro-direita para apresentar um nome para a eleição presidencial de 2022. Hoje já conseguem apresentar uma candidatura única?
Resposta. O que a gente está trabalhando agora é esse conceito de uma pré-aliança. De uma coisa aonde a gente já possa nascer, para discutir, fazer os debates. É para que a gente possa ter um ponto de convergência. Temos um bom caminho, um bom número de partidos já preparados pra ir para essa fase. E temos alguns partidos que estão ainda discutindo questões internas, de quem é o nome [a ser apresentado], como o PSDB, que está muito confuso. O PSDB tem quatro possíveis candidatos, está pensando em fazer prévias, não sabe se a prévia vai ser em outubro ou em março do outro ano. Então, não é possível aguardá-los indefinidamente. A gente está tentando se organizar pra ver se consegue iniciar essa construção no final desse primeiro semestre. Queremos conversar com uma parte significativa da sociedade que não quer os dois extremos. Tem muita gente que não quer nem esse presente amargo, nem esse passado tenebroso.
P. E quais desses partidos estão mais maduros nesta composição?
R. Eu acho que o Democratas já está com o processo bem avançado para uma sinalização de que não estará ligado aos dois polos. Também estão o Cidadania, o PV, o Podemos, talvez o Novo. Eles são partidos que não aderiram a Bolsonaro ou ao Lula. Os que aderiram a eles não têm opção, são satélites dos campos de extremos. O PSD é um partido que está discutindo internamente, está amadurecendo, o MDB também. Com esses a gente vai mantendo os diálogos, vai conversando, vai mostrando caminhos. O pano de fundo disso é a construção das candidaturas regionais.
P. Esses debates não foram precipitados?
R. Os partidos estão numa fase que, normalmente, levaria esse ano inteiro. E se chegaria no início de 2022 com a apresentação de candidaturas. Com Lula e Bolsonaro fazendo campanha desde já, colocando pessoas na rua, eles estão forçando esse debate.
P. Pretende se candidatar ao Planalto? Com quem tem conversado?
R. Está todo mundo conversando com todo mundo. Eu converso muito com o Ciro Gomes (PDT), com o pessoal do PSDB —governador Eduardo Leite (RS), senador Tasso Jereissati (CE), presidente do partido Bruno Araújo, governador João Dória (SP), Arthur Virgílio (ex-prefeito de Manaus)... Falo com o João Amoedo (NOVO), com o [ex-juiz e ex-ministro] Sérgio Moro, com o general e ex-ministro Santos Cruz, com o pessoal do Republicanos, do PV, com o PSB. Enfim, de A à Z. Eu quero fazer parte desse projeto. Se for consenso pra não fragmentar. Se esse centro tiver três, quatro, cinco candidaturas, não conte comigo. Eu não vou fazer esse papel pra conspirar, para que os extremos consigam, com os seus cercadinhos de radicais, ir pro segundo turno. É pra entrar para vencer a eleição. E é possível de vencer.
P. É uma visão um tanto otimista, não?
R. Se a gente conseguir essa unidade, a probabilidade de ir pro segundo turno é enorme. E a probabilidade de vencer os extremos também. Vamos supor, se eu for o candidato e vou pro segundo turno contra o Lula. Os votos lá do campo do Bolsonaro migram pro anti-Lula. Se for o contrário, eu for pro segundo turno contra o Bolsonaro. Os votos do Lula migram pro anti-Bolsonaro. Essa é uma eleição pra que esses personagens, esses partidos do centro, entendam que ela é uma eleição de um turno só, é do primeiro turno. O segundo turno vai ser o apoio natural.
P. Neste contexto, na sua avaliação, entraria o apoio do ex-presidente Fernando Henrique ao Lula. É isso?
R. O Fernando Henrique falou que se for Lula contra o Bolsonaro, ele vota no Lula. Eu queria perguntar pro Lula. “Se for eu, Mandetta, contra o Bolsonaro, você vota em quem?” Ele provavelmente vai votar em mim. Aí, eu vou postar uma foto com o Lula, falando, “ó, acabo de receber do Lula a informação de que vota em mim no segundo turno”.
P. E o contrário também? Declararia apoio a Lula contra Bolsonaro no segundo turno?
R. Eu vou fazer um trabalho muito grande para que esse pesadelo não aconteça. O que tem de pior que pode acontecer para o país é um segundo turno entre Lula e Bolsonaro. Poderia levar o país para uma situação de violência, de conflito. Eu vou fazer o possível e o impossível pra isso não acontecer. Se isso acontecer, eu vou deixar pra acordar no segundo turno e pensar o que vou fazer. Eu não tenho, agora, como exercitar esse quadro de retrocesso.
P. Os números de todos vocês de centro-direita que estão se articulando são baixíssimos hoje. Ninguém chega a dez pontos percentuais. Por que acreditar que conseguiriam chegar ao segundo turno?
R. Há quantos anos o Lula é candidato a Presidente da República? Eu era líder estudantil no Rio de Janeiro, eu devia ter 19 anos, o Lula já era candidato. Tem quase 40 anos. Ele governou o Brasil durante oito anos. O Bolsonaro começou a candidatura dele em 2014 e foi candidato, de fato, em 2018, ganha a eleição e é pré-candidato à reeleição desde o dia que recebeu faixa presidencial. Os outros nomes não. São nomes que vão ser colocados agora. Num passado seria muito difícil de chegar a informação sobre essa nova candidatura nos rincões do Brasil. Agora, com a internet, essa velocidade de informação é muito rápida. Segundo ponto, é que enquanto colocarem nas pesquisas cinco, seis, sete nomes pra serem testados, é esse o resultado. Não vai sair muito disso, vai ficar um com três, outro com seis, outro sete, outro com oito, outro com dez, outro com doze. Aí, a gente vai chegar no final e falar, “puxa, se vocês tivessem maturidade, vocês poderiam vencer”. Eu acho que se você fizer uma pesquisa com Lula, Bolsonaro e só um nome do centro, Mandetta, Ciro, sei lá, bota um nome só, você vai ver que esse nome já vai chegar perto de 20 pontos. Quando a gente tiver essa solução não fragmentada ela vai chegar em dois dígitos. Chegando nos dois dígitos, é outro cenário. Hoje, a maioria da população, 51%, não quer nem Lula nem Bolsonaro. O que ela ainda não tem é o caminho, o cardápio.
Passagem pelo Governo Bolsonaro
P. Você se arrepende de ter feito parte do Governo Bolsonaro?
R. É uma coisa dúbia, porque, se eu não estivesse lá, acho que a mortandade dessa epidemia teria sido muito maior. Eu não me arrependo do trabalho que foi feito pelo SUS e da importância que esse trabalho teve, mesmo ele tendo sido interrompido, foi ele quem segurou. Se eu não estivesse ali, se estivesse um general de plantão, se eu tivesse falado, não vou e tivesse vindo uma pandemia dessa daí e eu tivesse vendo os erros, as calamidades que eles cometeram, eu acho que eu não iria me perdoar nunca de não ter aceito o cargo de ministro. Agora, quando eu fui convidado, era pra fazer um trabalho técnico, tanto que a minha equipe era eminentemente técnica. Eu me arrependo em ter acreditado que ele, Bolsonaro, queria um trabalho técnico. Ele nunca quis um trabalho técnico, ele queria um trabalho político de segunda categoria. Queria que o Ministério da Saúde saísse do enfrentamento da pandemia e jogasse a culpa em governadores e prefeitos. Isso faz com que a gente olhe e se pergunte: “como que eu fui estar ao lado de uma pessoa que tem esse tipo de raciocínio, esse tipo de decisão?” Ele é um líder totalmente tóxico.
P. Tóxico?
R. Sim. Você não precisa de um líder para ficar causando crises artificiais e falando que é o solucionador de crises artificiais. Você precisa de líder quando você tem crises verdadeiras, quando você tem guerra, quando você tem uma hiperinflação, luta contra a corrupção, você precisa de uma liderança muito forte. No momento que a história pôs uma pedra no meio do caminho dele, ao invés de guiar o povo pra desviar da pedra, ele quis bater a cabeça na pedra ou quis negar que existisse uma pedra. E forçou as pessoas às soluções terríveis. Então, nesse ponto da conduta dele, sim, profundo arrependimento de ter feito parte disso. Mas fiz parte e me comportei da maneira que os meus valores e minha consciência me ditavam o que fazer. Do ponto de vista individual, eu acho que eu ajudei muito. Ele faz com que qualquer um que tenha votado ou qualquer um que tenha pensado que ele poderia ser esse líder que o Brasil precisava ter um arrependimento profundo. É por isso que ele está com 22%, 23% de apoio e com uma rejeição de mais de 50%.
P. No último fim de semana, mais de 200 cidades realizaram manifestações contra a política do Bolsonaro na pandemia. Qual a avaliação faz desses atos? Chegou a participar?
R. Não. O único ser que foi nesses atos e vai nos atos a favor do Bolsonaro é o vírus. O vírus agradece a essas aglomerações. Isso não é hora de incitar as pessoas para irem para rua, para manifestar, para gritar, nem pra ir em jogo de futebol. Agora é a hora de você enfrentar uma situação muito grave, que é ir para a terceira onda num espaço curto de tempo. Achei aquilo dali de péssimo gosto. Foi um erro muito grande e mostra que os dois, Lula e Bolsonaro, raciocinam igual.
P. Na sua visão, esse protesto do fim de semana não seria também um grito de desespero em relação à taxa elevada de mortalidade na pandemia?
R. Você tem várias maneiras de se manifestar sem precisar expor as pessoas. Quem agradeceu muito foi o vírus, ele estava lá presente nas duas manifestações e vai estar nas próximas também. Eu acho que a gente precisa criar a consciência coletiva, conversar com o máximo possível de pessoas, recriminar quem faz diferente, manter a coerência, está errado fazer isso.
P. E a Copa América no Brasil? É um erro sediar este torneio?
R. É o legado da Copa do Mundo do PT sendo usado pelo Governo Bolsonaro pra fazer um gol contra. A Copa América é um gol contra a vida. Só o vírus que está comemorando, ele vai dar a volta olímpica, vai entregar a taça lá no Cemitério do Araçá. Não tem razão de ser. É uma agressão, um deboche, um cinismo que passa pela CBF e pela CONMEBOL. Não pode fazer a Copa América no fim do ano, no ano que vem com o povo todo vacinado? Como é que vai proteger o entorno do torneio? Vai vacinar todo mundo? E essa questão de fronteiras, de organização, de cepa indiana, de variantes, pra cima e pra baixo, vai expor todo mundo? Aceitar sediar a Copa América é dançar em cima de cadáver. Não tem pé nem cabeça.
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Clique aquiP. Quais os piores erros do Governo Bolsonaro na pandemia?
R. O primeiro erro foi ter se assessorado mal. Ele tinha uma informação por parte do Ministério da Saúde de todos os passos que tinham que ser dados e das consequências. Eu mostrei para ele o número de óbitos que teríamos neste caminho que ele foi, que era 180.000 óbitos até o fim do ano passado. E bateu, deu 191.000. Então, o primeiro foi erro ter montado uma assessoria paralela que vivia e vive de internet. O segundo é desmanchar a equipe técnica, que era muito boa e estava encaixada. No lugar dessa equipe, colocaram pessoas que não são do ramo de saúde. São militares, que devem ser muito bons para terem sido escolhidos, mas para a Saúde são uma tragédia. Depois, criar uma balbúrdia em cima de um remédio que não tinha evidência científica é de uma crueldade muito grande, porque isso veio acompanhado de médicos que agrediram os princípios de ciência. Isso trouxe para a população uma sensação de que existiria um remédio. Agora, o pior, o mais grave e que não tem como relevar, é o Governo ter o dinheiro na mão, receber e-mails de uma empresa para vender vacinas e não comprar. O Brasil não mandou e-mail para ninguém. O Governo tinha que ter ido atrás da Pfizer, da Moderna, de todas elas. Essa parceria do Butantã com a Sinovac [para a Coronavac), o Governo Federal tinha que ter entrado e falado para duplicar a fábrica que ia fazer, dobrar a produção. Ele debochou e tratou aquilo politicamente. Não ter enfrentado a crise com vacinas é responsável por mortes e pela não abertura da economia, mas alguns culpam governadores e prefeitos. Não consigo entender, ainda mais que o próprio ministro da economia [Paulo Guedes] dizia que, entre saúde e economia, ficava com a economia. Você vai atrasar a economia brasileira oito meses por causa dessa discussão equivocada?
P. O que vislumbra sobre a nova onda que se aproxima no país?
R. Tem um número que não estou vendo o Governo anunciar que era uma bússola muito importante: quantos por cento da população tem anticorpos? Chama-se inquérito epidemiológico. Eu fui até São Paulo ajudar a cidade a se preparar para a segunda onda. A primeira coisa que eu pedi foi o inquérito epidemiológico. Em janeiro eles tinham feito, e 12,6% das pessoas tinham anticorpos. Começamos a vacinar as pessoas em fevereiro, março e em abril desencantou essa segunda onda. Eu mandei pedir um inquérito. No último que fizeram, São Paulo tem 41% de pessoas com anticorpos. A segunda onda contaminou 16% daquela população. Com 59% ainda sem imunidade, você tem potencial de fazer uma nova onda do tamanho da segunda. Só que numa faixa etária mais jovem. A maior parte da população brasileira, entre 25 e 45 anos, está suscetível a essa doença. Você vai ter muita gente precisando de hospital. De novo, esse paciente resiste muito e o tempo de permanência dele em hospital é maior, embora ele tenha mais chance de sair. Cadê o estoque de oxigênio? Cadê o estoque de medicamentos? Na última crise que passamos, há 60 dias, faltou medicamento para intubar. Teve muita gente que morreu por falta de medicamento. Será que o Brasil inteiro se reorganizou e refez os seus estoques? Então, você tem um risco sim. A juventude esgotada da sua ausência em bar e baladas. Os pais precisando que os filhos voltem às aulas. O Brasil da Copa América. O presidente dizendo que reúne milhares de pessoas, o PT reúne milhares de pessoas no outro domingo. A vacinação a passos de tartaruga. Com esse quadro, o Brasil é um covidário, o índice de transmissão é alto. Então só vai aumentar. A gente vai ter mais uma onda de perda de muita gente.
P. O senhor indicou na CPI a existência de um ministério paralelo da Saúde. Quem era exatamente esse grupo?
R. Lá você tinha um ex-secretário de saúde e deputado federal, que era o [Osmar] Terra. O sonho do Terra parece que era ser ministro da Saúde, que ele só se preocupava com aquilo dali. Ele começou a desenvolver e dar a voz para todas as teorias terraplanistas que existiam no universo. A do calor, a do isolamento vertical, a da Suécia, falar que não ia ter 2.000 mortos, que o presidente estava certo. Então, aquilo vinha com um verniz de um cara que era ex-secretário de saúde, que tinha sido do Conselho Nacional dos Secretários de Saúde (Conass). Ele fazia reuniões lá dentro com estes médicos que estavam nessa linha de tratamento precoce, como a Nise Yamaguchi. Quando o presidente fez na televisão aquele pronunciamento de que era só uma gripezinha e do passado dele de atleta, no dia seguinte teve uma reunião de ministros. E todos os ministros falaram: ‘mas o senhor não se aconselhou com ninguém de nós para falar isso?’ Teve ministro que ficou sabendo que ele convocou a rede nacional quando entrou na televisão. Quando a gente entrava lá na reunião, estava o filho do presidente, vereador Carlos Bolsonaro, lá dentro tomando nota. Não participava, não falava comigo ou com os outros ministros, mas estava dentro do gabinete do presidente, com aquele povo de internet, eu não sei o nome de todos. Se é direito do presidente ter esse tipo de assessoramento paralelo ou não, se isso é legal ou ilegal, deixo para os outros falarem. É uma constatação que eu vi que ele se pauta muito por esse mundo de internet e por essas pessoas que estão ali no entorno dele. Alguns apareceram depois que eu saí, com teorias. O Carlos Wizard, quando apareceu, falou que a primeira coisa era fazer é o inventário de quem morreu. Será que ele vai fazer necropsia? Será que ele vai mandar desenterrar para tirar um fragmento, para ver se tem vírus? Depois da saída do Eduardo Pazuello, me parece muito claro essa figura oculta. Essa lógica paralela se prestou para validar o que o presidente fazia, para criar influência, para começar a fazer associação de prescritor de cloroquina, para fazer muita gente ganhar dinheiro com isso daí.
“Bolsonaro trabalhou para o contágio”
P. O que ouviu durante a sua gestão à frente da Saúde que permite se desenhar a estratégia de buscar uma imunidade de rebanho sem vacinas, mesmo às custas de tantas mortes?
R. Eu vi o início. Eu vi aquela frase de que o brasileiro precisa ser estudado, que ele mora no esgoto e pega todas as doenças e não morre. Aquilo era um indício, uma frase típica de quem está falando: ‘bom, deixa ele se contaminarem’. Osmar Terra, na época, falando de imunidade de rebanho. Ele sabia que um vírus de gotícula leva de três a quatro anos para se atingir uma imunidade de rebanho. Então vindo de uma pessoa que, em tese, estava se informando, me parecia uma teoria feita para validar a teoria da imunidade de rebanho. Depois, a imunidade de rebanho em Manaus se mostrou ser uma balela, porque houve a segunda onda e eles não estavam preparados pra enfrentar aquilo. Vejo que eles foram provavelmente criando uma narrativa para aguardar que isso acontecesse. Acho que calcularam mal quais seriam os efeitos disso, eles não acreditaram que isso daria nestes números, que vamos chegar em meio milhão de mortos em 15, 20 dias. Isso não tá sendo suficiente para mudar este comportamento do presidente. Consciente ou inconscientemente, ele trabalhou para o contágio.
P. Esta tragédia toda é culpa do Planalto? Consegue ver responsabilidade dos Estados e municípios nisso?
R. Primeiro, é uma responsabilidade mundial. Fora do Brasil, você tem uma total falta de liderança. A coisa veio errada lá de fora, depois entra aqui. O presidente fragmenta o pacto federativo, colocando o Ministério da Saúde como um ator, e ele, presidente, apontando o dedo, jogando a culpa em governadores e prefeitos. Aí vem uma eleição para prefeito. Nós passamos os meses de outubro, novembro e dezembro com uma agenda municipal, trocas de equipes e a cepa nadando de braçada. Governos estaduais ficaram espremidos, entre um Governo Federal hostil e Governos municipais na lógica política. Governantes ficaram assimétricos pela falta de união e entendimento. Todos eles erraram em não trazer a sociedade civil para a tomada de decisões, que foram sempre a reboque do vírus. O vírus sempre esteve a um passo ou dois dos governantes brasileiros.
P. Um documento enviado pelo ministro Braga Netto à CPI da Pandemia indica que a ordem para turbinar a produção de cloroquina partiu do Ministério da Saúde durante a sua gestão. Autorizou o pedido ou deu esta ordem?
R. A Organização Mundial de Saúde falava no uso compassivo em hospitais, e era o que tínhamos no Ministério da Saúde. Podem fazer a prescrição nos hospitais brasileiros desse medicamento, então a gente tem que disponibilizar o medicamento aos hospitais. O segundo ponto é que esse medicamento é usado para lúpus, mas é usado para malária numa quantidade grande. Então, sim, o Ministério da Saúde tinha que tê-los. Agora, jamais o Ministério da Saúde solicitou para o Exército produção para atender o que estava no kit ilusão, que era jogar esse medicamento para a atenção primária. O Exército na época nos informou que tinha em estoque X comprimidos. Falamos: pode mandar para o Ministério da Saúde pra gente atravessar esse período. Eu nunca fiz agenda com o Exército para aumento da produção.
P. E qual é a sua avaliação da CPI? Onde que ela vai chegar?
R. Muito difícil, porque eu acho que eles estão trabalhando de uma maneira errática. Ainda não tem um caminho. É normal que depois de um mês, CPIs comecem a pegar o eixo. Está tateando. Acho que essa questão de ficar discutindo remédio é típica dessa situação, isso aí o planeta inteiro já superou. No capítulo das vacinas, acho que eles têm algum material. Agora, toda CPI carrega consigo um elemento político que a gente não sabe qual será o desdobramento. Elementos eles têm vários, não precisam nem fazer perguntas, basta procurar tudo que foi dito na imprensa e tudo que foi feito por cada um.
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