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Senado releva blindagem de Aras a Bolsonaro e premia com mais dois anos na PGR seu apoio à classe política

Procurador-geral indicado pelo presidente fora da lista tríplice do Ministério Público obteve suporte amplo para recondução ao cargo, apesar das críticas sobre leniência com as ameaças do mandatário

O procurador-geral da República, Augusto Aras, durante a sabatina no Senado, mostra documentos ao dizer que não se omitiu diante da condução do Governo no enfrentamento à pandemia.
O procurador-geral da República, Augusto Aras, durante a sabatina no Senado, mostra documentos ao dizer que não se omitiu diante da condução do Governo no enfrentamento à pandemia.Jefferson Rudy (Jefferson Rudy/Ag�ncia Senado)
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Escudo de Bolsonaro, Augusto Aras enfrenta cada vez mais oposição para ser reconduzido à PGR

Poucos procuradores-gerais da República passaram seus primeiros dois anos no cargo sob tanto escrutínio dos pares quanto Augusto Aras. Criticado publicamente por ministros do Supremo Tribunal Federal (STF), colegas de Ministério Público e ex-procuradores, Aras passou os últimos meses recebendo acusações de blindar o presidente Jair Bolsonaro, contra quem não pediu a abertura de nenhuma investigação —isso apesar de o mandatário botar em questão mais de uma vez a realização das próximas eleições ou sugerir a possibilidade de agir “fora das quatro linhas da Constituição”. Para quem acompanha de fora, o histórico indicaria dificuldade para que o procurador-geral fosse reconduzido ao cargo, mas Brasília deixou claro nesta terça-feira que joga por outras regras. Aras não apenas permanecerá mais dois anos à frente da Procuradoria Geral da República, como o fará após um expressivo endosso dos senadores: 55 votos a favor e apenas 10 contra (ele precisava de 41 votos). Uma comparação com a votação de dois anos atrás, quando ele recebeu 68 votos favoráveis, atesta, contudo, que a imagem do procurador-geral se desgastou nos últimos meses.

A postura contrária à criminalização da política externada por Aras pesou mais para o Senado do que os receios de que ele esteja sendo leniente com as ameaças de Bolsonaro às instituições da República. Isso ficou cristalino durante a sessão da Comissão de Constituição e Justiça (CCJ) do Senado que aprovou sua recondução pelo placar de 21 votos a favor e apenas seis contra. Dois anos atrás, ele obteve 23 apoios. Na avaliação de quem acompanha o dia a dia do parlamento, o apoio a Aras pode ser visto sob diversos aspectos, mas o que mais se destaca é o fato de ele ter enfraquecido a operação Lava Jato, que investigou quase um terço dos senadores e centenas de deputados federais entre 2014 e 2019.

“Aparentemente o descompromisso com o lava-jatismo dá um certo conforto para aqueles que possam por problemas com a Justiça criminal, caso de um em cada três senadores”, diz o advogado Belisário dos Santos Júnior, ex-secretário de Justiça de São Paulo e membro da Comissão Internacional de Juristas. “Mas a realidade é que tais indicações são em geral aprovadas, dado o atual sistema, que não oferece alternativas.”

Cabe ao procurador-geral da República, entre outras coisas, investigar autoridades com prerrogativa de foro, como o presidente ou deputados e senadores, em casos de crimes comuns. Desde setembro de 2019, Aras é apontado como omisso em relação aos atos de Bolsonaro. Ele refuta as acusações com os dados que levou à sabatina desta terça-feira na CCJ. “Este PGR discordou em 30% dos pedidos de liminares oriundos do Governo federal e em 80% das suas manifestações em matéria de covid-19, e teve 80% de suas manifestações acolhidas pelo Supremo Tribunal Federal”, alegou.

A sabatina começou com um fim já desenhado. Na véspera, o relator Eduardo Braga (MDB-AL) deu parecer positivo à recondução do PGR, afirmando que Aras responde aos requisitos necessários para ser reconduzido por mais dois anos, a contar a partir do mês que vem. O histórico também estava a favor de Aras: o Senado nunca rejeitou um nome indicado pela presidência para a Procuradoria-Geral da República.

A sabatina

Em seu discurso de abertura, o procurador criticou a lista tríplice do Ministério Público, que não foi respeitada por Bolsonaro ao indicá-lo. “O sistema utilizado para as eleições internas, inclusive a lista tríplice ao cargo de PGR, possibilitava graves inconsistências e era totalmente inauditável”, afirmou Aras. O procurador-geral reclamou que seus antecessores agiram politicamente e reforçou sua proximidade com a classe política. “As gestões que me antecederam, com as exceções naturais, se encaminharam para a política. Eu me recuso a fazer política, porque acho que é covardia usar a caneta para criminalizar a política, a economia e o jornalismo”, declarou.

Ao avaliar essa queixa de Aras, o cientista político Fábio de Sá e Silva, professor da Universidade de Oklahoma, comparou o atual procurador com um de seus antecessores, Rodrigo Janot, um dos entusiastas da Lava Jato. “Uma diferença entre Aras e alguém como Janot é que Janot queria fazer a política se mover, já Aras se move a partir da política. Em ambos os casos, a PGR se afasta dos trilhos da legalidade e do cumprimento de suas funções institucionais. O direito vira mero recurso estratégico”, afirmou ao EL PAÍS.

Durante a sabatina, Aras ainda lembrou de uma entrevista recente, concedida ao jornal Folha de S. Paulo, em que foi questionado sobre como gostaria de ser lembrado no futuro. Ao periódico, ele afirmou que o repórter deveria ler o seu currículo lattes. Agora, aos senadores, declarou: “Quero ser lembrado como o procurador que restabeleceu a função constitucional, aquele que cumpriu a lei, que não criminalizou a política”.

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O procurador é um dos poucos da carreira que tem processado jornalistas e articulistas por conta do que escrevem. O caso mais famoso é o de Conrado Hubner Mendes, colunista da Folha e professor de direito da Universidade de São Paulo. Hubner costuma chamar Aras de poste-geral da República. Em primeira instância, Aras perdeu a ação para o professor. “As poucas ações que ajuizei foram porque as adjetivações foram pessoais, não foram críticas fundamentadas”, alegou o PGR.

Questionado especialmente sobre a omissão diante da condução do Governo para o enfrentamento da pandemia, Aras exibiu uma pilha de papeis encadernados para afirmar que não se omitiu. Em vários momentos ainda balançou a Constituição, que disse seguir constantemente. Apesar dos poucos senadores que levantaram questões sobre o escudo do PGR para proteger o presidente, a votação foi iniciada antes mesmo que Aras começasse a responder às questões.

O procurador enumerou decisões para se defender das acusações de omissão em relação ao Governo Bolsonaro. Nesta segunda-feira, o ministro do Supremo Alexandre de Moraes arquivou uma notícia-crime em que senadores acusava Aras de prevaricar —ou seja, não cumprir as funções que dele se espera— ao não pedir investigações contra Bolsonaro. “Algumas decisões que tomei e que não foram concordes com o Governo, mas foram concordes com a Constituição”, disse.

Entre os que apoiaram a indicação de Aras estava o relator da CPI da Pandemia, Renan Calheiros (MDB-AL), considerado um dos principais opositores do Planalto. Quando declarou que era favorável ao nome do procurador-geral, Calheiros disse que ele terá a chance de mudar de postura e deixar de blindar o presidente. “Acho que, em algumas circunstâncias, claro, ele [Aras] deixou a desejar, mas esse segundo mandato, a recondução, é uma oportunidade para ele refazer tudo isso”, afirmou Calheiros durante o congresso da Associação Brasileira de Jornalismo Investigativo.

Na avaliação do professor Sá e Silva, Aras tem um poder que é dado a todos os promotores e magistrados, “o tempo”. “Eles controlam quando vão iniciar ou decidir um processo. Tudo o que está sendo acumulado contra Bolsonaro vira cartas na mão de Aras. Ele pode, sim, usar essas cartas se e quando o contexto permitir”, afirmou. Em sua avaliação, se Bolsonaro perder muito poder, Aras poderá surfar na onda, atacar e ainda colher dividendos a partir disso. Se continuar forte, Aras pode seguir omisso e ninguém poderá fazer muito a respeito”, analisa.

Vencida essa batalha no Senado, Bolsonaro agora tenta emplacar a nomeação de André Mendonça para o STF. O presidente da CCJ, Davi Alcolumbre (DEM-AP), não pautou a sabatina dele como uma resposta à intensificação dos ataques do presidente aos ministros do STF Luís Roberto Barroso e Alexandre de Moraes. A crise instalada, em tom jamais visto, agravou-se quando o mandatário apresentou o pedido de impeachment de Moraes. Por essa razão, a nomeação de Mendonça, ex-ministro da Advocacia-Geral da União e fiel bolsonarista, segue em banho-maria.

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