Dez partidos se manifestam contra o pedido de impeachment de Alexandre de Moraes
Siglas emitem duas cartas abertas pedindo a rejeição do pedido feito por Jair Bolsonaro ao Senado; em reunião nesta segunda, governadores discutem tensão entre os poderes e pedem encontro com presidente
Partidos de centro e de esquerda se manifestaram neste domingo (22) contra o pedido de impeachment do ministro do Supremo Tribunal Federal (STF), Alexandre de Moraes, feito Jair Bolsonaro (sem partido). Na última sexta-feira, o presidente entregou ao Senado uma solicitação contra o ministro, relator do inquérito das fake news, que o investiga. A reação das siglas demonstra que o apoio às intenções de Bolsonaro será pequeno no Congresso.
Ao todo, dez partidos se manifestaram. Em duas cartas abertas separadas os presidentes nacionais do DEM, MDB e PSDB de um lado, e do PT, PDT, PSB, PCdoB, Cidadania, PV e Rede Sustentabilidade, do outro, saíram em defesa da democracia, das instituições, do Supremo e de Moraes. Somadas, as bancadas reúnem 43 dos 81 senadores.
A tensão entre os poderes também esteve entre os temas do Fórum de Governadores ocorrido nesta segunda-feira (23). Os mandatários dos Estados decidiram pedir reuniões com Bolsonaro, com o presidente da Câmara dos Deputados, Arthur Lira (PP-AL), do Senado, Rodrigo Pacheco (DEM-MG), e do Supremo, Luís Fux, para tentar apaziguar os ânimos entre os poderes. Wellington Dias (PT), governador do Piauí, se mostrou preocupado com os reflexos na economia e falou sobre a criação de um ambiente para o enfrentamento da crise. “[Precisamos desse] compromisso de líderes de diferentes partidos, de todas as regiões, de diferentes setores, da área privada, laboral, patronal, enfim, para que possamos, com isso, garantir as condições que o Brasil precisa. Uma condição, repito, de um ambiente de confiança, um ambiente adequado para a retomada inclusive da economia”.
De São Paulo, João Doria (PSDB), que se tornou um dos principais opositores de Bolsonaro depois de ter sido seu aliado durante as eleições passadas, falou em “defender a democracia e não silenciar diante das constantes ameaças”. No mesmo encontro, ele alertou os demais governadores sobre o risco de infiltração bolonarista nas polícias militares depois do afastamento do coronel Aleksander Lacerda, comandante de batalhões no interior do Estado, que fez uma convocação em suas redes para o ato pró-presidente que está sendo organizado para 7 de setembro.
No mesmo dia em que o pedido de impeachment foi levado ao Senado, o presidente da casa, senador Rodrigo Pacheco disse em entrevista à imprensa que não via critérios que justificassem o andamento do processo. “O instituto do impeachment não pode ser banalizado, ele não pode ser mal usado, até porque ele representa algo muito grave, acaba sendo uma ruptura, algo de exceção”, afirmou Pacheco. “Mais do que um movimento político, há um critério jurídico, há uma lei de 1950 que disciplina o impeachment no Brasil, que tem um rol muito taxativo de situações em que pode haver impeachment de ministro do Supremo”.
No pedido, assinado somente pelo presidente e sem a assinatura do advogado-geral da União, Bruno Bianco Leal, Bolsonaro afirma que Alexandre de Moraes “procede de modo incompatível com a honra, dignidade e decoro das funções”.
Na nota dos partidos do centro, os presidentes das siglas manifestam sua solidariedade a Moraes e afirmam que ele foi alvo de um “injustificado pedido de impeachment, claramente revestido de caráter político”. A nota ainda afirma que “é lamentável que em momento de tão grave crise socioeconômica, o Brasil ainda tenha que lidar com a instabilidade política e com o fantasma do autoritarismo”.
Já o manifesto assinado pelos partidos da esquerda se solidariza também com o ministro do Supremo e presidente do Tribunal Superior Eleitoral (TSE), Luís Roberto Barroso, a quem Bolsonaro tem ameaçado representar contra, embora ainda não o tenha feito. De acordo com a nota, Moraes e Barroso são alvos “de uma campanha difamatória que chegou às raias da violência institucional com um inepto e infundado pedido de impeachment contra Moraes por parte do presidente da República, Jair Bolsonaro”.
O pedido de impeachment de Moraes foi protocolado por Bolsonaro depois que o ministro o incluiu como investigado no inquérito das fake news. Isso ocorreu após as denúncias sem provas feitas pelo presidente contra a lisura do processo eleitoral e a confiabilidade da urna eletrônica.
Leia na íntegra as cartas enviadas pelos presidentes dos dez partidos:
Nota pública dos partidos políticos em solidariedade ao STF
Os partidos abaixo assinados reafirmam seu compromisso com a garantia da ordem democrática, a defesa das instituições republicanas e o respeito às leis e à Constituição Federal de 1988, que tem o Supremo Tribunal Federal (STF) como guardião.
E se solidarizam com os ministros Alexandre de Moraes e Luís Roberto Barroso, alvos de uma campanha difamatória que chegou às raias da violência institucional com um inepto e infundado pedido de impeachment contra Moraes por parte do presidente da República, Jair Bolsonaro.
São os ministros que lá estão os responsáveis por garantir os direitos e as liberdades fundamentais sem os quais nenhuma democracia representativa é possível. E eles devem ser protegidos em sua integridade física e moral.
Não é com ações como essas que Bolsonaro se fará respeitar. No Estado de Direito, cabe recurso de decisões judiciais das quais se discorda, como bem destacou o próprio STF em nota cujos termos subscrevemos. Esgotadas as possibilidades recursais, as únicas atitudes possíveis são acatar e respeitar. Qualquer tentativa de escalada autoritária encontrará pronta resposta desses partidos.
Não por outra razão, o presidente do Senado, Rodrigo Pacheco (DEM-MG), já deixou claro que não antevê “fundamentos técnicos, jurídicos e políticos” para impeachment de ministros do STF e alertou que não se renderá “a nenhum tipo de investida para desunir o Brasil”. Como registra Pacheco, os atores políticos devem concorrer para a pacificação nacional.
A República se sustenta em três Poderes independentes e harmônicos entre si. É preciso respeitar cada um deles em sua independência, sem intromissão, arroubos autoritários ou antidemocráticos. Há remédios constitucionais para todos os males da democracia.
O Brasil vive um momento de grave crise econômica e sanitária. Em meio à tragédia da Covid, que já conta o maior número de mortos da história recente, a população enfrenta o desemprego, a inflação galopante e a fome, sob risco de um apagão energético e crescente desconfiança dos agentes econômicos.
São esses os verdadeiros problemas que devem estar no foco de todos os homens públicos. E a eles só será possível responder dentro das regras democráticas, com diálogo institucional e convergência de propósitos. É o que a sociedade espera de nós.
Assinam esta nota,
Carlos Lupi - PDT
Carlos Siqueira - PSB
Roberto Freire - Cidadania
Luciana Santos - PCdoB
Luiz Penna - PV
Heloísa Helena e Wesley Diógenes - REDE Sustentabilidade
Gleisi Hoffmann - PT
A democracia é o único caminho a ser seguido
Mais uma vez, reafirmamos o nosso compromisso com a democracia, a independência e a harmonia entre os Poderes, e o nosso total respeito à Constituição Federal.
Diante dos últimos acontecimentos, manifestamos nossa solidariedade ao ministro Alexandre de Moraes, alvo de injustificado pedido de impeachment - claramente revestido de caráter político - por parte do presidente da República, Jair Bolsonaro.
É lamentável que em momento de tão grave crise socioeconômica, o Brasil ainda tenha que lidar com a instabilidade política e com o fantasma do autoritarismo. O momento exige sensibilidade, compromisso e entendimento entre as lideranças políticas, as instituições e os Poderes.
A pandemia causada pelo coronavírus trouxe reflexões preocupantes para o dia a dia do país, onde as incertezas geradas pela atuação do governo federal contribuem para o aumento dos índices de desemprego, com a alta da inflação, e com o crescimento da fome.
Acreditamos que apenas o diálogo será capaz de guiar esse percurso em busca de soluções para as crises econômica, de saúde, e social que assolam o país. E para isso, é imprescindível que as instituições tenham capacidade de exercer suas funções com total liberdade e isenção.
Essa é a garantia que o país precisa para seguir fortalecendo sua democracia e os anseios da nação.
ACM Neto (DEM), Baleia Rossi (MDB) e Bruno Araújo (PSDB).
Crime e rito
Não existe previsão constitucional de impeachment de ministro do STF. No entanto, o inciso II do artigo 52 da Constituição diz que compete ao Senado processar e julgar ministros do STF quanto a crimes de responsabilidade.
No pedido de impeachment de Alexandre de Moraes, o presidente da República denuncia crime de responsabilidade do ministro “ao impulsionar os feitos inquisitoriais com parcialidade, direcionamento, viés antidemocrático e partidário, sendo, ao mesmo tempo, investigador, acusador e julgador”, enquadrando tais condutas no artigo 32, 2, da Lei do Impeachment (Lei 1.079/1950)
De acordo com o artigo 39 dessa lei, são crimes de responsabilidade dos ministros do Supremo Tribunal Federal:
1 - alterar, por qualquer forma, exceto por via de recurso, a decisão ou voto já proferido em sessão do Tribunal;
2 - proferir julgamento, quando, por lei, seja suspeito na causa;
3 - exercer atividade político-partidária;
4 - ser patentemente desidioso no cumprimento dos deveres do cargo;
5 - proceder de modo incompatível com a honra dignidade e decôro de suas funções.
Já o artigo 44 da Lei do Impeachment diz que, “recebida a denúncia pela Mesa do Senado, será lida no expediente da sessão seguinte e despachada a uma comissão especial, eleita para opinar sobre a mesma”.
Se a opção for dar seguimento ao pedido, essa comissão especial deve ser instalada em um prazo máximo de dez dias. (Agência Senado)
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