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André Mendonça, o nome “terrivelmente evangélico” para o STF de Bolsonaro

Presidente afirma que nome de indicado ao Supremo sai nesta segunda, em edição extra do Diário Oficial. Quando esteve à frente do Ministério da Justiça, o pastor presbiteriano mandou a Polícia Federal investigar críticos do presidente com base na Lei de Segurança Nacional

Gil Alessi
André Mendonça, em julho deste ano.
André Mendonça, em julho deste ano.Daniel Estevão/ MJ
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O presidente Jair Bolsonaro cumpriu uma antiga promessa, e em um claro aceno às suas bases mais conservadoras indicou nesta segunda-feira um nome “terrivelmente evangélico” para ocupar a vaga do ministro Marco Aurélio Mello no Supremo Tribunal Federal. O atual advogado-geral da União, André Mendonça, foi escolhido para suceder o decano que se aposenta neste 12 de julho quando completa 75 anos, limite de idade para a função. Para assegurar seu lugar na mais alta corte do país Mendonça, cujo nome, segundo Bolsonaro, deve aparecer ainda nesta segunda no Diário Oficial, ainda precisa passar por sabatina em comissão do Senado, e ser confirmado por maioria simples em votação no plenário da casa, um processo que deve ocorrer após o recesso parlamentar, de 18 a 31 de julho. Ele é o segundo ministro do STF indicado por Bolsonaro: o primeiro foi Kassio Nunes Marques, que assumiu a cadeira de Celso de Mello em novembro de 2020.

“Ele [Mendonça] é, sim, um extremamente evangélico, ele é pastor evangélico, e eu já falei com ele que só faço um pedido: que, uma vez por semana, ele comece a sessão [no Supremo] com uma oração. Isso já está fechado”, disse Bolsonaro a jornalistas nesta segunda-feira, ao encerrar uma visita ao presidente do STF, Luiz Fux.

Mendonça, que é advogado e pastor presbiteriano com posições conservadoras, ocupou a chefia da AGU de janeiro a abril de 2020, quando foi remanejado durante reforma ministerial e assumiu a pasta da Justiça e Segurança Pública, onde ficou até 30 de março deste ano, quando retornou à sua função original no Governo. A atuação do indicado de Bolsonaro à frente da Justiça foi marcada por episódios de perseguição contra opositores do presidente. Mendonça ordenou a abertura de inquéritos pela Polícia Federal para investigar pessoas que criticaram o Planalto nas redes sociais e em manifestações, tendo como base a infame Lei de Segurança Nacional, herança dos tempos da ditadura militar. Ele também foi apontado como responsável pela preparação de dossiês de inteligência mirando seus detratores.

Um de seus alvos enquanto titular da pasta foi o responsável por pagar um outdoor com a afirmação de que o presidente era pior do que um “pequi roído” na cidade de Palmas. Professores e até mesmo humoristas também entraram na lista de Mendonça. A sanha do ministro foi barrada pelo próprio Supremo que hoje ele almeja integrar: por 9 votos a 1 os ministros decidiram proibir que a pasta elaborasse relatórios de inteligência contra opositores do Governo.

Agora Mendonça poderá se tornar o ministro mais conservador da corte. “Ele sempre se esforçou para demonstrar publicamente seu alinhamento com pautas conservadores, especialmente as que são mais sensíveis para as bases do presidente, como costumes e religião”, afirma Rafael Mafei, professor da Faculdade de Direito da Universidade de São Paulo e pesquisador. Ainda é incerto se ele irá trilhar os passos de Nunes Marques na blindagem ao presidente e seus filhos. Segundo reportagem da Folha de S.Paulo, Marques já se posicionou ao menos 20 vezes em favor de Bolsonaro no Supremo desde que assumiu a vaga. Mas a atuação persecutória do ex-AGU na Justiça dá indícios da possível direção que irá trilhar na corte.

Descriminalização do porte de drogas para uso pessoal e ações relativas a pautas educacionais e de costumes, como educação sexual e escola sem partido, são temas que podem ser analisados no segundo semestre pelo STF e sobre os quais Mendonça terá que se posicionar caso confirmado. Para Mafei ainda é cedo para dizer se a potencial entrada do novo ministro tem poder para pesar a balança do resultado para o lado dos conservadores. Mas existe a possibilidade de uma atuação conjunta entre Mendonça e Marques, uma espécie de “bancada” do presidente na corte, que pode por vezes contar com a simpatia —e o voto— de outros ministros, como Antonio Dias Toffoli, que votou de maneira favorável à liberação de cultos nos templos durante a pandemia. Além disso, “Toffoli buscou cultivar uma relação pessoal com Bolsonaro”, o que o aproximaria dos indicados por Bolsonaro, segundo o professor.

A escolha de Bolsonaro

Se em todo Governo, as escolhas para o Supremo são estratégicas, no caso de Bolsonaro o tema atinge outro patamar porque dialoga diretamente com sua base mais fiel e radicalizada. Um dos argumentos mais difundidos pelo presidente com esse público é o de que seu Governo não faz tudo que quer justamente porque é barrado pelo STF. Dentro dessa premissa, Bolsonaro insiste que só sua reeleição pode salvar os ultraconservadores brasileiros de um Supremo “esquerdista”. Mendonça é sua última indicação até as eleições de 2022 (salvo que algum ministro peça aposentadoria antes do tempo ou venha a falecer). Depois, só haverá novas vagas em 2023 (Ricardo Lewandowski, em maio e Rosa Weber, em outubro do mesmo ano).

Por isso, há meses o presidente fala sobre a vaga de Marco Aurélio. No ano passado Bolsonaro vaticinou: “Muitos tentam nos deixar de lado dizendo que o Estado é laico. O Estado é laico, mas nós somos cristãos (...) Nós somos terrivelmente cristãos. E esse espírito deve estar presente em todos os poderes. Por isso, o meu compromisso: poderei indicar dois ministros para o Supremo Tribunal Federal [STF]. Um deles será terrivelmente evangélico”. Há alguns meses o presidente sinalizou que o sucessor de Marco Aurélio seria ou o AGU ou o procurador-geral da República, Augusto Aras, com o presidente do Superior Tribunal de Justiça, Humberto Martins, correndo por fora do páreo.

A disputa pela vaga foi acirrada: Mendonça e Aras pareciam empenhados em agradar Bolsonaro. Em abril deste ano, em um dos piores momentos da pandemia de covid-19, os dois endossaram a tese do presidente e defenderam no STF a liberação de cultos religiosos. Esta posição negacionista contrariou pareceres de médicos, pesquisadores e do próprio ministro da Saúde, Marcelo Queiroga, mas foi um aceno evidente às bases bolsonaristas e ao chefe. Na ocasião, o então advogado-geral afirmou que os cristãos estariam dispostos a morrer por sua liberdade religiosa, e encorajou aglomerações em igrejas e templos religiosos: “Não há cristianismo sem vida em comunidade, sem a casa de Deus e sem o ‘dia do Senhor’. Por isso, os verdadeiros cristãos não estão dispostos jamais a matar por sua fé, mas estão sempre dispostos a morrer para garantir a liberdade de religião e de culto”. Aras não ficou para trás, e sustentou oralmente os benefícios da fé na cura: “Onde a ciência não explica, a fé traz a justificativa que lhe é inerente. Inversamente, onde a ciência explica a fé também traz o seu contributo”.

Se confirmado, Mendonça irá ocupar a vaga de um ministro cuja trajetória no STF foi marcada pelo dissenso. Mello frequentemente divergiu das posições dos colegas e terminou sendo voto vencido. Uma de suas decisões mais recentes e polêmicas foi a concessão de forma monocrática (sem consultar os demais membros da corte) de um habeas corpus em outubro de 2020 que colocou em liberdade o traficante André de Oliveira Macedo, vulgo André do Rap, ligado ao Primeiro Comando da Capital. Mello alegou que o prazo da prisão preventiva havia expirado, sem que o Ministério Público solicitasse sua renovação. O presidente do Supremo, Luiz Fux, chegou a suspender a decisão do colega, mas já era tarde: atualmente o criminoso encontra-se foragido e é procurado pela polícia. Quando o caso foi analisado pelo plenário, foram nove votos pela prisão do traficante.

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Mas o caso de André do Rap não é a única polêmica envolvendo o agora ministro aposentado. Primo do ex-presidente Fernando Collor de Mello (e indicado para o cargo pelo parente), Marco Aurélio teve uma carreira marcada por decisões monocráticas que foram posteriormente corrigidas pelo plenário. Em 2016 ele acatou pedido de liminar para afastar o então presidente do Senado Renan Calheiros (MDB-AL) do cargo, sob a alegação de que por responder a processos ele não poderia estar na linha sucessória da presidência. Posteriormente os ministros derrubaram a liminar e reconduziram o emedebista ao cargo.

Seus mais de 30 anos na corte também tiveram boa dose de desentendimentos com os colegas. Em março deste ano, descontente com a retirada de pauta do relaxamento da prisão do deputado federal Daniel Silveira (PSL-SP), detido por ameaças contra ministros do STF, Mello chamou o relator do caso, Alexandre de Moraes, de xerife: “Longe de mim, depois de 42 anos de colegiado, desrespeitar o relator, ainda mais se o relator é um xerife”. Já o presidente da corte, Luiz Fux, foi chamado de “autoritário” na mesma sessão.

Simpatizante da Operação Lava Jato, Mello votou contra a suspeição do ex-juiz Sergio Moro no caso envolvendo o ex-presidente Lula, quando o plenário da corte deliberou sobre o assunto em junho deste ano e ratificou a decisão tomada pela 2ª Turma em abril. O ministro se referiu a Moro como “herói nacional”, e disse ver com normalidade as conversas do magistrado com os procuradores da força-tarefa. Foi voto vencido.

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