O hacker, a ex-deputada e o jornalista
Leia na íntegra o primeiro capítulo do livro ‘Vaza Jato - os batidores das reportagens que sacudiram o Brasil’, de Letícia Duarte em parceria com o ‘The Intercept Brasil’
12 DE MAIO DE 2019
“Eu entrei no Telegram de todos os membros da força-tarefa da Lava Jato”
No final da manhã de domingo, Manuela D'Ávila arrumava a mesa para o almoço de Dia das Mães no seu apartamento, em Porto Alegre, quando recebeu um alerta no seu celular. Era do Telegram. A mensagem dizia que sua conta havia sido acessada a partir do Estado da Virgínia, nos Estados Unidos.
A ex-deputada do PCdoB não deu muita importância. Ela raramente usava o aplicativo. Durante a campanha presidencial de 2018, quando concorreu à vice-presidência da República na chapa do petista Fernando Haddad, abria-o esporadicamente para repassar materiais de campanha. “Tentaram invadir meu Telegram, mas não tem nada ali”, comentou com o marido, o músico Duca Leindecker.
Manuela havia encomendado um brunch da boulangerie Alban, uma das mais prestigiadas da vizinhança, e seguiu com os preparativos para a reunião familiar. Os convidados estavam prestes a chegar. Seriam 12 pessoas, incluindo três de seus quatro irmãos. A mãe, Ana Lúcia, havia tido alta hospitalar um dia antes, após uma cirurgia para a retirada de um tumor. Em meio à batalha materna contra o câncer de mama, a filha queria que aquele dia fosse especial, dedicado exclusivamente à família.
Mas, em seguida, recebeu uma segunda mensagem atípica no Telegram, e teria sua atenção desviada da mesa. Era o senador Cid Gomes, dizendo que precisava falar com ela com urgência. Manuela estranhou. Imaginou que algo tivesse acontecido ao irmão dele, Ciro. Tentou ligar para ele, mas o número estava ocupado. Na mesma hora, outra mensagem chegou pelo aplicativo.
“Consegue confiar em mim?”, Cid escreveu, às 12h14.
“Sim. 100%”.
No mesmo minuto, veio a resposta que resolvia o primeiro mistério e inaugurava outro maior:
“Olha, eu não sou o Cid. Eu entrei no Telegram dele e no seu”, começou. “Mas eu tenho uma coisa que muda o Brasil hoje. E preciso contar com você. Eu entrei no Telegram de todos os membros da força-tarefa da Lava Jato. Peguei todos os arquivos”.
Manuela ficou olhando para a tela, sem saber como reagir.
Como se adivinhasse seu ceticismo, o interlocutor enviou um print de uma conversa dela no Telegram com Jean Wyllys. Era um diálogo de janeiro de 2019, em que Manuela dizia que estava “morrendo de saudades” do amigo, e ele respondia no mesmo tom, descrevendo estar “feliz e livre” fora do Brasil. O conteúdo em si parecia irrelevante, mas o recado era claro.
“Prova que eu entrei aí”, o hacker escreveu.
Manuela reconheceu o diálogo. Antes que se manifestasse, o interlocutor saiu do perfil de Cid e passou a enviar mensagens de um novo usuário, identificado como “@BrazilBaronil”:
“Não precisa ficar com medo, não vou te invadir mais”, prometeu. “Muito pelo contrário, vou te ajudar e muito. E ajudar o país. Se quiser ajuda, me avisa”.
Sem esperar resposta, ele começou a mandar prints de conversas aleatórias, incluindo documentos da força-tarefa Greenfield, que pediu a prisão de Michel Temer em 2019, acusando-o de recebimento de propina de empresas do setor portuário. “Estou em todas as forças-tarefas”, ele explicou.
O hacker prometia ter muito mais. Garantia ter provas do “motivo da prisão do Lula”, “do impeachment”, “de corrupção deles TOTAL”. “Tenho áudios. Eles são uma milícia”, escreveu. No fluxo constante de mensagens, dizia frases desconexas, como se estivesse tão ansioso que não conseguisse completá-las. “Tenho provas pra prender o Orlando. O Deltan”.
Os convidados estavam prestes a chegar para o brunch do Dia das Mães. Manuela se dividia entre a sala e a cozinha, tensa, com o celular na mão. As mensagens seguiam entrando ininterruptamente no aplicativo.
“Se quiser confiar em mim, me liga aqui do Telegram, tenho cinco anos de conversas deles.”
Manuela não respondeu. Temeu que fosse uma armadilha. Pensou que podiam estar jogando uma isca para envolvê-la em algo ilícito. Ao mostrar as mensagens ao marido, Duca sugeriu que ela buscasse orientação jurídica imediatamente. Melhor estar bem assessorada antes de enviar qualquer resposta.
Enquanto mantinha o Telegram aberto no seu celular, Manuela ligou, então, do telefone de Duca, para seu advogado, o petista José Eduardo Cardozo.
O ex-ministro da Justiça, e também ex-namorado de Manuela, concordou que aquilo tinha cara de armação. Recomendou prudência. Como Manuela não tinha mais imunidade parlamentar desde que deixara o cargo de deputada estadual para concorrer à vice-presidência, poderia ser presa se fosse envolvida em qualquer ilegalidade.
Em outras circunstâncias, Manuela imaginou que deveria avisar à polícia. Mas e se aquilo tudo fosse verdade? Se a denúncia podia envolver até a autoridade máxima da Polícia Federal, o então ministro da Justiça Sergio Moro, qual a chance de o caso ser investigado pela própria polícia?
Enquanto tentava decidir o que fazer, Manuela enviou uma resposta evasiva ao hacker:
“Estou com minha mãe doente num almoço de Dia das Mães, não tenho como ligar”.
“Nem por um minuto, pra eu dar play em um áudio que vai mudar tudo?”, ele insistia.
Manuela achou mais seguro manter a comunicação por escrito, para poder ter uma prova do diálogo.
“Eu não tenho ideia do que fazer!”, contornou ela, para ganhar tempo.
“Podemos pensar juntos”, sugeriu o hacker.
A ex-deputada seguia em contato com Cardozo. Ainda na dúvida se aquilo era uma arapuca, chegou à conclusão de que a melhor alternativa seria repassar o caso para a imprensa. Se as mensagens fossem verdadeiras, pensou, deveriam ser investigadas de forma independente. Cardozo ligou, então, para o advogado criminalista Alberto Toron, sem citar o nome de Manuela, para confirmar se o repasse seria adequado do ponto de vista jurídico. A resposta foi positiva.
“Eu deveria ligar para algum jornalista!”, Manuela propôs, então, a @BrazilBaronil no Telegram, testando sua reação.
O hacker não gostou da ideia. Disse que a maioria dos jornalistas estava “com eles”, os membros da força-tarefa da Lava Jato. “Eles manipulam a mídia, manipulam tudo”. Desapontado, ameaçou criar uma conta no Twitter e postar todo o material. “Melhor coisa. Desculpa incomodar”, ele escreveu, como quem retira a oferta.
“Acho que é um caminho”, reagiu Manuela, cautelosa.
Por alguns segundos, ela ficou imaginando os efeitos de arquivos aparentemente explosivos como aqueles caírem na internet sem qualquer filtro, e como isso poderia aumentar o caos institucional do país.
Até que na sua tela do celular entrou um “kkkk”. O hacker parecia estar se divertindo.
Ele seguiu insistindo para que ela fizesse algo, até que Manuela perguntou: “Mas o que você quer com isso?”.
“Ué, quero justiça hahaha”, ele respondeu. “Mais nada. Não quero dinheiro. Nada. Nem moro mais aí. Hahaha”.
Suas mensagens oscilavam entre o tom messiânico e o galhofeiro, como se achasse graça das próprias pretensões. Dizia que estava “estudando e investigando” os arquivos há meses. Que tinha em seu poder “oito teras [terabytes] de coisa errada”. Que aquilo iria mudar o destino da nação.
O hacker escrevia freneticamente. Enviava prints com diálogos aleatórios mencionando processos judiciais. E fazia previsões: “Te garanto que o Lula é posto em liberdade amanhã”. Chegou a dizer que seus documentos seriam capazes de provocar a decretação de “estado de sítio” no Brasil.
Aquela menção a estado de sítio, uma medida de exceção que suspenderia direitos dos cidadãos e concentraria poderes na presidência da República, fez Manuela reforçar sua convicção de que seu interlocutor não devia ser um militante de esquerda. “Quem é que quer isso?”, questionava-se, tentando entender o que estava por trás daquilo tudo. “E por que ele me escolheu? Será que estão fazendo isso pra tentar me prender?”.
Diante da hesitação de Manuela, o hacker tentava instigá-la de diferentes formas. “Estou pesquisando seu nome nas conversas deles”, escreveu a certa altura. “Lute como uma menina, e derruba eles!”, apelou depois, invocando o slogan que a ex-deputada costuma estampar em suas camisetas. “Ou encontra alguém aí de extrema confiança que consiga usar tudo isso”.
Reunida na sala, a família de Manuela só sabia que seu Telegram havia sido invadido e que ela estava tentando resolver.
“Pensei no Gleen, jornalista do Caso Snowden”, sugeriu finalmente ao hacker, tropeçando na grafia do nome do escolhido.
Manuela diz que pensou em Glenn Greenwald pela sua experiência na histórica cobertura de documentos vazados pelo ex-técnico da CIA Edward Snowden sobre o sistema massivo de espionagem dos Estados Unidos, em 2013. Imaginou que o jornalista teria condições de investigar o caso e avaliar se aquilo era sério. “Eu estava tendo que convencer o hacker a passar para uma outra pessoa. Então, pensei: se ele for um hacker como diz que é, vai se sentir o Snowden. Se não for, o Glenn vai ter condições de me dizer. Tinha muito medo de que aquilo caísse na mão de alguém que levantasse as informações sem apurar, como espuma no vento”, lembra.
O hacker, enfim, concordou.
“Pode ser. Fala com ele. Explica. Mas tem que ser alguém que tem coragem”, sublinhou.
“Ok”, respondeu Manuela, já acomodada na poltrona ao lado da janela de seu quarto, com a porta fechada, para fazer a ligação que marcaria o início de uma das coberturas mais impactantes da história do jornalismo brasileiro.
“Porque você deve imaginar: isso vai mudar tudo. O país vai mudar do dia pra noite”, sonhava @BrazilBaronil.
Eram 12h45.
“Português ou inglês?”
Sentado diante do computador em sua casa na zona sul do Rio de Janeiro, em frente a uma parede vermelha que emoldurava mais de uma dezena de prêmios de jornalismo, incluindo um Pulitzer, o jornalista Glenn Greenwald ouviu o telefone tocar no início da tarde daquele domingo, mas não atendeu. Como o número era desconhecido, achou melhor ignorar.
Obcecado por medidas de segurança desde o Caso Snowden, quando denunciou a espionagem cibernética dos Estados Unidos, em 2013, o jornalista americano estava ainda mais cauteloso nos últimos meses. Sua família passara a andar com seguranças e carro blindado após uma série de ameaças de morte, iniciadas quando seu marido, David Miranda, assumiu como deputado federal, em fevereiro de 2019. Miranda herdou o rancor de apoiadores de Bolsonaro ao ocupar a cadeira de Jean Wyllys, após o colega do PSOL, homossexual e defensor de minorias como ele, anunciar a desistência de assumir o terceiro mandato e sair do país, também em razão de ameaças.
Da mesa de seu escritório, ao lado de um porta-retrato com a cara de um cachorro, Greenwald podia ver um monitor dividido em 16 telas. Eram imagens em tempo real das câmeras do sistema de monitoramento da residência, cobrindo desde a piscina até a rua arborizada de acesso à propriedade.
Um minuto depois da ligação perdida, Greenwald recebeu uma mensagem no WhatsApp.
“Preciso falar com você com urgência”.
Dessa vez ele reconheceu a autoria. Era Manuela, usando o próprio telefone, depois de tentar ligar pelo aparelho do marido. Embora a ex-deputada do PCdoB não fosse uma pessoa próxima, Greenwald tinha salvo seu número desde que a entrevistara, durante a campanha eleitoral de 2018, para um podcast do Intercept. Na mensagem, Manuela pediu que ele retornasse sua ligação assim que possível. Adiantou que se tratava de um material jornalístico “importante e complicado”.
“Posso te ligar com o David junto?”, respondeu o jornalista, surpreso pelo tom de urgência da mensagem.
Greenwald deixou o escritório e desceu as escadas rumo ao quarto do casal, onde o marido descansava. “Queria que ele participasse da ligação para me ajudar com o português, não queria perder nenhuma palavra”, explica. Apesar de morar no Brasil há mais de uma década, o jornalista ainda escreve todas as suas reportagens em inglês e pede ajuda aos mais próximos para garantir a tradução precisa de conteúdos importantes para o português.
Na ligação em viva-voz, Manuela contou o que havia acontecido e perguntou se ele estava disposto a investigar o material.
“Obviamente estou interessado”, Greenwald respondeu.
Sentados na cama ao desligar o telefone, Greenwald e o marido ficaram imaginando os possíveis impactos de uma cobertura como aquela para suas vidas e para o país, em meio às tensões sociais e políticas que o Brasil atravessava. “Se hackearam mesmo o telefone do Moro, isso parece bem grave”, Greenwald raciocinava, ainda sem saber que tipo de informações receberia.
Como juiz responsável pela operação Lava Jato, Moro havia se transformado em um dos homens mais poderosos do país, e causara furor em seus críticos alguns meses antes, quando abandonou a magistratura para aceitar o cargo de ministro da Justiça do governo Bolsonaro, sob acusação de ter favorecido a eleição do ex-capitão militar, conhecido pela apologia à Ditadura Militar e à tortura. Episódios como o explosivo vazamento de grampos telefônicos da ex-presidente Dilma Rousseff com o ex-presidente Lula, em 2016, sem embasamento legal, e a divulgação da delação premiada do ex-ministro petista Antonio Palocci a seis dias do primeiro turno das eleições presidenciais de 2018 alimentavam as especulações de que Moro atuava politicamente. Mas, até aquele momento, ele seguia como o ministro mais popular do Governo Bolsonaro. Greenwald sabia que investigá-lo representaria enfrentar não apenas um símbolo de combate à corrupção, mas a fúria de um governo que desde o início estava em guerra declarada contra a imprensa.
“Ficamos pensando em toda a cautela que seria necessária. O Moro estava comandando quase todos os aparatos do Estado, incluindo a espionagem, a Polícia Federal”, lembra Greenwald, que começou a esboçar um plano de ação com base na sua experiência do Caso Snowden.
Enquanto isso, Manuela passava o contato dele para o hacker, apresentando o jornalista como “o maior do mundo”.
“Eu seiiii, obrigado!”, @BrazilBaronil entusiasmou-se, escrevendo em letras garrafais, “eu não via a hora de mudar o brasil. kkkkkk”.
Greenwald nunca havia usado o Telegram antes — “O Snowden falava que Telegram não é seguro” — e chegou a sugerir, ainda via Manuela, que conversassem pelo Signal. O hacker rejeitou a oferta. “Signal não é nem um pouco seguro. Telegram é. Eu consigo porque sou amigo do fundador da Rússia ahaha”, zombou na resposta à Manuela, num blefe fanfarrão.
Minutos depois, já de volta a seu escritório, Greenwald baixou o aplicativo e puxou conversa com o usuário repassado pela ex-deputada.
“Oi, sou Glenn Greenwald”.
Advogado constitucionalista de formação, Greenwald, com 52 anos à época, tornou-se um dos mais influentes colunistas de opinião nos Estados Unidos depois de lançar seu próprio blog, Unclaimed Territory, em 2005 — mesmo ano em que se apaixonou por David Miranda e se mudou para o Brasil. Começou escrevendo sobre segurança nacional, alarmado com as medidas repressivas que seu país vinha adotando após os atentados de 11 de Setembro. Sete anos depois, alcançaria reputação internacional ao ser escolhido por Snowden para receber os documentos secretos sobre o estado de vigilância implementado pelo governo americano sobre seus cidadãos e outros países. Em 2014, cofundaria o site The Intercept nos Estados Unidos, ao lado de colegas americanos: a documentarista Laura Poitras e o repórter investigativo Jeremy Scahill. Em 2016, o site ganharia sua versão brasileira.
“Quer falar em português ou inglês?”, perguntou o hacker. @BrazilBaronil disse que estava nos Estados Unidos. Que era formado em Direito e fazia pós-graduação em Harvard.
“Tanto faz para mim”, Greenwald respondeu.
“Eu prefiro português”.
O hacker continuava empolgado, ansioso para compartilhar tudo o que tinha, como havia feito com Manuela. Dizia-se indignado com a “corrupção” de membros da Lava Jato, e prometia ter provas contra o procurador Deltan Dallagnol e o ex-juiz Sergio Moro. Como se oferecesse um aperitivo, começou a enviar documentos. Um dos primeiros mostrava diálogos de procuradores do Ministério Público Federal discutindo manobras para acobertar irregularidades aparentemente cometidas por um procurador lavajatista em Curitiba. Como a reportagem do Intercept confirmaria meses depois, Diogo Castor de Mattos foi afastado da função depois de pagar ilegalmente por um outdoor para promover a operação Lava Jato —mas a Corregedoria do MPF abafou o caso na época, sob a justificativa de que ele havia sido desligado por recomendação médica.
Naquele momento, Greenwald sequer fazia ideia de quem era Mattos. E descobrir não era prioridade. Sua preocupação era entender se aqueles documentos eram verdadeiros. O jornalista deu uma olhada rápida nas primeiras informações e ficou bem impressionado. A linguagem era técnica, repleta de termos jurídicos. Reafirmou que estava interessado no material, medindo as palavras: tentava falar pouco e assertivamente. “Como não tinha uma ideia muito clara da situação, não queria falar muito pra não assustar a pessoa, nem perder a oportunidade”, conta.
Menos de 15 minutos depois do início das mensagens de texto, o hacker pediu que fizessem uma ligação de voz. Greenwald hesitou. Lembrava que Snowden tinha muita cautela em suas comunicações. O motivo era óbvio: se uma ligação vazasse, seria fácil obter uma prova da identidade da fonte. Tanto que Greenwald teve de atravessar o mundo para conversar com o hacker americano pela primeira vez. Ele nunca havia ouvido a voz de Snowden antes de se encontrar com ele em Hong Kong, em 2013, para a entrevista que daria início à série sobre a espionagem dos Estados Unidos. O fato de o hacker brasileiro insistir em falar por voz desde o início, sem maiores cuidados, deu a Greenwald a impressão de que ele não seria uma fonte tão responsável ou sofisticada como tentava parecer.
Greenwald também temia pela própria segurança. Sabia que não conseguiria gravar a conversa pelo aplicativo sem pedir autorização ao interlocutor, mas preferia evitar o pedido para não despertar qualquer suspeita.
“Tudo bem”, limitou-se a dizer, optando por não contrariar a fonte no momento em que tentava ganhar sua confiança.
Na ligação, @BrazilBaronil começou a conversa se autoelogiando. “Eu consigo invadir qualquer conta”, gabava-se. E propôs invadir o Telegram do jornalista para mostrar que tinha essa capacidade.
“Eu acredito, você não precisa hackear meu telefone”, respondeu Greenwald, arqueando os lábios finos num riso nervoso. Estava ansioso para encerrar aquela conversa e voltar para as mensagens de texto, que dariam chance de documentar os diálogos, caso um dia viesse a ser investigado por sua conduta.
Antes de desligar, Greenwald aconselhou seu interlocutor a ter cuidado com a sua segurança online. O hacker minimizou os riscos. Garantiu estar bem protegido e fora do país, longe do alcance das autoridades. Repetiu ser amigo dos fundadores do Telegram, tentando convencer Greenwald de que essa amizade teria lhe conferido acesso privilegiado ao aplicativo.
A história soava pouco crível. “Como os fundadores do Telegram iriam dar acesso a um hacker que iria destruir o próprio Telegram?”, desconfiou Greenwald. Ficou com a impressão de que seu interlocutor tinha um complexo de grandeza. Cogitou que talvez gostasse de inventar histórias para contar vantagem ou, quem sabe?, fosse até desequilibrado.
Apesar das suspeitas, avaliou que a motivação de @BrazilBaronil era o que menos importava naquele momento. “Eu não queria entender as razões da fonte, eu simplesmente queria saber se os documentos eram autênticos”, recorda. “Eu não sou policial”.
Essa seria mais uma diferença do Caso Snowden. Enquanto o ex-agente da CIA oferecia conhecimento técnico privilegiado para contribuir com a análise dos documentos que havia vazado a Greenwald e seus colegas jornalistas, o hacker brasileiro seria apenas um caminho para chegar até as informações. Durante toda a apuração, o jornalista nunca se encontraria com a fonte, nem confirmaria a identidade de quem digitava por trás de @BrazilBaronil.
Em seguida, os arquivos começaram a chegar pelo Telegram.
*
Trecho do livro Vaza Jato ― os bastidores das reportagens que sacudiram o Brasil (Mórula Editorial, 2020), da jornalista Letícia Duarte, realizado em parceria com a redação do Intercept e lançado nesta semana.
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