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Moro promete destruir material apreendido por PF com hackers e eleva debate sobre ingerência

Só juiz do caso pode decidir o que fazer com conteúdo, esclarece a polícia. Quatro suspeitos detidos na terça são acusados de hackear a cúpula do poder no Brasil, incluindo Bolsonaro e Rodrigo Maia

Sergio Moro participa de audiência na Câmara, no dia 2 de julho.
Sergio Moro participa de audiência na Câmara, no dia 2 de julho. Fabio Rodrigues Pozzebom (Agência Brasil)
F.B.
São Paulo -

Dois dias depois de a Polícia Federal prender quatro suspeitos de hackear a cúpula do poder no Brasil, o ministro da Justiça, Sergio Moro, tomou a iniciativa nesta quinta-feira de telefonar para outras autoridades que, assim como ele, são apontadas como alvo da investida do grupo. Ao presidente do STJ (Supremo Tribunal de Justiça), João Otávio de Noronha, Moro prometeu destruir as supostas mensagens apreendidas com os detidos, conforme revelou uma nota da própria corte. A atribuição sobre o que fazer com o material, no entanto, é do juiz do caso, informaria a Polícia Federal horas depois.

O movimento do ex-magistrado da Operação Lava Jato e a contradição exposta com a PF que ele comanda como ministro da Justiça acendeu de vez o debate sobre os limites da ação de Moro na investigação. Moro fez questão de ligar o grupo preso na terça-feira às publicações do site The Intercept, antes mesmo de os jornais revelarem que um dos suspeitos havia dito aos policiais que teria sido a fonte anônima do veículo. Além de objeto dos supostos criminosos, o ministro também é o protagonista de reportagens do The Intercept, feitas com base em mensagens vazadas, que coloca em xeque a atuação e imparcialidade de Moro como juiz durante Lava Jato. A principal linha de argumentação de defesa do ministro tem sido, justamente, dizer que o conteúdo vazado não deve ser considerado porque é fruto de uma ação de criminosos e pode ter sido adulterado.

Por causa dessa sobreposição de papéis, a conduta de Moro diante das investigações, que começaram a partir de uma denúncia feita por ele de que no dia 4 de junho tentaram invadir seu celular, está sob escrutínio. Para Rafael Mafei, professor de Direito da USP, "não faz bem" para o Ministério da Justiça ter alguém cuja conduta já vinha sendo questionada "por fatos que se relacionam" com a investigação da PF, que por sua vez integra o próprio ministério. Mafei pondera que isso não significa que os policiais federais sejam incapazes ou que seu trabalho não seja íntegro. Ele acredita que a própria permanência de Moro "projeta uma duvida sobre ministério e sobre o resultado das investigações que não é desejável".

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Rafael Alcadipani, professor da FGV, lembra que o ministro é uma parte fundamental da polarização política e que sua atuação "já é suspeita desde que aceitou ir para o Governo". A divulgação das mensagens pelo The Intercept fez ainda com que Moro perdesse mais credibilidade. "Óbvio que é inconcebível que alguém esteja invadindo celulares de ministros. O problema é que, dada essa politização, existe potencial para que o caso vire uma usina de boatos e teorias de conspiração. E a permanência de Moro sem dúvida potencializa isso", argumenta ele, que é especialista em organizações policiais.

Bolsonaro, Rodrigo Maia e STF

Em declaração ao jornal Folha de S. Paulo, o ministro Marco Aurélio Mello afirmou que apenas o Judiciário pode autorizar o que fazer com o que foi apreendido e que era preciso ter cuidado para que provas não fossem destruídas. Gilson Dipp, ex-ministro do STJ, afirmou que conduta de Moro era autoritária. "Isso aí é um autoritarismo em nome da proteção de autoridades. O Ministério da Justiça está atuando como investigador, como acusador e como próprio juiz ao mandar destruir provas, se é que isso é verdade. Eu não estou acreditando ainda".

Ao debate sobre a conduta de Moro, soma-se o espanto pela escala do crime atribuído ao quarteto de Araraquara - os acusados de serem hackers detidos são todos naturais da cidade do interior paulista e usaram uma truque simples via aplicativo Telegram. Veio do próprio Ministério da Justiça a informação de que celulares do presidente Jair Bolsonaro haviam sido alvos. O mesmo foi dito sobre os ministros do Supremo Tribunal Federal e dos presidentes da Câmara e do Senado. A divulgação da lista dos alvos e a exploração do tema pela pasta da Justiça causou desconforto. “Num dia eles prendem acusados de hackear as pessoas, e no dia seguinte vazam os nomes de todo mundo que foi vítima. Isso está errado”, reclamou Rodrigo Maia, ao blog BR18, do Estado de São Paulo.

O professor Mafei chama atenção também para o fato de que a PF aparenta estar se centrando apenas na hipótese de hackeamento dos celulares. "Até onde se sabe", explica ele, "a investigação sobre o teor das mensagens está sendo negligenciada". Ele lembra que o Código de Processo Penal determina que todos os fatos e circunstâncias de um crime sejam apurados. "Uma coisa é você hackear, pegar o conteúdo e não adulterá-lo. Outra coisa é você, além de tudo, adulterá-lo, dar publicidade e prejudicar uma pessoa. Essa é uma circunstância relevante do fato que deveria estar sendo apurada, porque poderia configurar outros ilícitos, além daqueles ligados ao hackeamento", argumenta. Desde que o The Intercept começou a publicar o material, Moro e o procurador Deltan Dallagnol levantaram suspeitas de que poderia ter sido adulterado e pediram para que os jornalistas o entregassem para uma perícia.

Especialista em organizações policiais, Alcadipani explica que a PF "culturalmente se coloca como muito independente e que a própria Lava Jato mostra isso". Contudo, pondera ele, "os mecanismos de controle das polícias brasileiras deixam extremamente a desejar" e que nenhuma possui "autonomia ou independência do poder Executivo". Afirma que Moro, ao contrário de seus antecessores, possui uma "inserção" na PF que seus antecessores não possuíam, seja por ter trabalhado lado a lado na Lava Jato com a corporação, seja porque o Governo Bolsonaro está nas entranhas das polícias". Para o professor, preocupa especialmente que a PF esteja "em um governo aparelhado que propõe manipular dados como o do desmatamento", critica.

Há outros episódios que apontam para a influência controversa de Moro na Polícia Federal. No final de junho, o presidente Bolsonaro informou a jornalistas em uma entrevista coletiva que Moro havia passado a ele informações sobre um inquérito sigiloso sobre o caso envolvendo candidaturas laranjas do PSL, partido do mandatário. Uma apuração que, por sua natureza sigilosa, não pode ser detalhada sequer para o próprio ministro e deve ser de conhecimento apenas das autoridades envolvidas.

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