Bolsonaro encara dilema entre auxílio emergencial e o teto de Paulo Guedes
Enquanto negacionismo deteriora apoio entre os mais ricos, auxílio de 600 reais impulsiona popularidade inclusive no Nordeste, bastião petista
Apenas duas semanas depois que começou o confinamento no Brasil e o presidente Jair Bolsonaro desprezou o coronavírus como uma “gripezinha”, as autoridades brasileiras tomaram uma decisão de peso amortecer o baque econômico: aprovaram uma espécie de renda básica para milhões de pessoas que, de um dia para outro, ficaram sem renda. O auxílio emergencial de 600 reais por mês, que começou a ser pago em abril e, em julho, já havia beneficiado metade das famílias, tornou-se o maior programa social de um Governo que chegou ao poder com a promessa de reduzir o Estado. Além de mitigar a catástrofe econômica, o pagamento melhorou a desgastada popularidade de Bolsonaro entre os mais pobres a poucos meses das eleições municipais.
O presidente sempre foi mais bem visto por seus compatriotas ricos do que pelos mais necessitados. Mas a pandemia está mudando essas percepções. Seu discurso anticientífico, negacionista e às vezes obstrucionista diante da doença diminuiu seu apoio entre os mais abastados, enquanto a ajuda direta em dinheiro impulsionou sua popularidade entre os mais vulneráveis. As pesquisas indicam que nas últimas semanas ele ganhou apoio no Nordeste, base tradicional do Partido dos Trabalhadores do ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva. É uma região onde Bolsonaro foi derrotado nas eleições. Agora, no entanto, milhões de pessoas que subsistiam graças a programas contra a pobreza extrema, como o Bolsa Família, viram, por conta do coronavírus, triplicar os subsídios que recebem.
Bolsonaro, que mantém um apoio firme de um terço dos brasileiros, conseguiu capitalizar politicamente a ajuda de 600 reais, que sai dos cofres do Governo federal, embora seja fruto de um acordo entre o Executivo, a Câmara dos Deputados e o Senado. As três partes negociam agora a prorrogação e o valor do pagamento, que termina neste mês agosto. Tanto as eleições municipais de novembro como o teto de gastos são fatores cruciais nessa negociação. O ministro da Economia, Paulo Guedes, advertiu publicamente Bolsonaro contra a tentação de embarcar em um esbanjamento de dinheiro público e “furar” o teto de gastos para garantir a reeleição em 2022.
O desemprego subiu para 13,3% depois de que a pandemia acabou com 9 milhões de empregos. Como o coronavírus obrigou o Governo a frear em grande parte a agenda de liberalização com que chegou ao poder, isso provocou uma debandada na equipe de Guedes. Debandada é a palavra com que o ultraliberal Paulo Guedes definiu as demissões, nos últimos dias, de cinco membros de alto escalão de sua equipe, entre eles o czar das privatizações. Saíram descontentes com a demora das reformas prometidas, como a administrativa e a tributária. Uma hipotética saída do ministro da Economia seria um golpe muito duro para Bolsonaro, porque Guedes é um de seus principais sustentáculos depois da saída do ex-juiz Sergio Moro. E porque Guedes é o principal motivo pelo qual o presidente ultradireitista tem o apoio do empresariado e dos mercados.
O Brasil foi um dos primeiros países, se não o primeiro, a dar ajuda direta aos mais afetados pela paralisação econômica decorrente do coronavírus. E seu programa é um dos maiores depois do dos EUA. Em cinco meses, colocou diretamente no bolso de dezenas de milhões de pessoas 250 bilhões de reais, o equivalente a 3,5% do PIB. Embora no início a tramitação tenha sido um caos, mais de 60 milhões de pessoas recebem o auxílio, incluindo trabalhadores informais e todos os que já recebiam a ajuda do Bolsa Família. A pobreza extrema caiu para o menor nível em 40 anos graças aos 600 reais, embora os especialistas alertem que os índices vão disparar assim que o auxílio emergencial terminar. Uma das possibilidades é prorrogá-lo, mas reduzir o valor.
Desde que a pandemia atingiu o Brasil, Bolsonaro insiste que a debacle econômica “é um efeito colateral mais grave que o próprio vírus”. Critica as medidas de confinamento recomendadas por governadores e prefeitos para frear as infecções e faz campanha pela reabertura do comércio. E não hesita um instante em culpá-los diretamente pelos mais de 104.000 mortos e 3 milhões de casos no país, o segundo mais afetado do mundo depois dos Estados Unidos, com a diferença de que os EUA fazem muitos mais testes em sua população, tendo assim uma imagem mais clara do que a brasileira sobre a evolução da doença.
A investigação do Supremo Tribunal Federal contra Bolsonaro por supostas ingerências políticas não trouxe novidades recentemente. Por outro lado, a investigação policial que mira o ex-deputado estadual e atual senador Flávio Bolsonaro, um dos filhos do presidente, descobriram novas transferências do ex-assessor Fabrício Queiroz, amigo de longa data dos Bolsonaro, para a atual esposa do presidente, a primeira-dama Michelle Bolsonaro. O presidente afirma que se trata da devolução de um empréstimo. Já nesta quarta-feira, uma reportagem do jornal O Globo apontou que a família movimentou quase 3 milhões de reais em espécie (em valores corrigidos) durante 24 anos. O mesmo jornal diz que Rogéria Bolsonaro, ex-esposa e mãe de três filhos do presidente, usou dinheiro vivo para comprar um imóvel quando eles eram casados, em 1996.
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