Queiroz fez 27 depósitos para Michelle Bolsonaro, a esposa do presidente, indica quebra de sigilo
Cheques depositados na conta da primeira-dama somam 89.000 reais e colocam em xeque a versão do mandatário de que havia feito empréstimo de 40.000 ao ex-assessor
Michelle Bolsonaro, esposa do presidente Jair Bolsonaro, recebeu 27 depósitos em cheque de Fabrício Queiroz que somam 89.000 reais, segundo indica a quebra do sigilo bancário do policial militar aposentado. A informação sobre os repasses, revelada inicialmente pela revista Crusoé e confirmada pela Folha de S. Paulo, coloca em xeque a versão do presidente. Após vir à tona a notícia de que a primeira-dama havia recebido 24.000 reais em sua conta, Bolsonaro afirmou que Queiroz havia feito 10 depósitos de 4.000 reais para quitar uma dívida com ele —não declarada em imposto de renda— de 40.000 reais.
Queiroz foi assessor do gabinete do senador Flávio Bolsonaro na época em que este cumpria mandato de deputado estadual no Rio de Janeiro. O filho zero um do presidente aparece como “líder” de suposta organização criminosa em inquérito que investiga o esquema de rachadinha na Assembleia Legislativa do Rio (Alerj), no qual assessores fantasmas repassavam parte de seus salários para o chefe.
Entre as movimentações financeiras atípicas identificadas pelo Conselho de Controle de Atividades Financeiras (Coaf) em 2018, também foi identificado um depósito de 24.000 para Michelle Bolsonaro. A Crusoé apurou nesta semana que, na verdade, a quebra de sigilo bancário de Queiroz indica depósitos que somam 72.000 reais. A Folha confirmou essa movimentação, feita em 21 cheques de 2011 a 2016, e apurou que o repasse foi ainda maior. Isso porque a esposa de Queiroz, Márcia Aguiar, fez seis depósitos na conta da atual primeira-dama entre janeiro e junho de 2011 que somam 17.000 reais. Assim, o total repassado foi de 89.000 reais.
Olhando com lupa para os depósitos, a esposa de Queiroz repassou cinco cheques de 3.000 e um de 2.000 reais. Depois, entre outubro de 2011 e abril de 2013, Queiroz repassou mais 36.000 reais em 12 cheques de 3.000. Por fim, entre abril e dezembro de 2016 o ex-policial depositou mais 40.000 reais em 10 cheques de 4.000.
Sobre esse último montante, Jair Bolsonaro explicou ainda em 2018 que se tratava da devolução de um empréstimo. Porém, a quebra de sigilo, que abrange a movimentação financeira de Queiroz de 2007 a 2018, não identificou nenhum depósito feito pelo então deputado federal que comprove o empréstimo. Há então três possibilidades: o alegado empréstimo ter sido feito a partir de depósito em conta antes de 2007; o empréstimo ter sido feito depois desse ano em dinheiro vivo; ou de inconsistência na versão do presidente.
Inquérito da rachadinha
A movimentação financeira de Queiroz gerou reportagens na imprensa que levaram o ex-policial para o centro dos holofotes no final de 2018. Após ser submetido a uma cirurgia para a retirada de um câncer no hospital Albert Einstein, em janeiro de 2019, o faz-tudo do clã Bolsonaro sumiu dos radares das autoridades. No dia 18 de junho deste ano, o ex-assessor foi preso preventivamente em uma casa em Atibaia, no interior de São Paulo, pertencente ao advogado Frederick Wassef, que representava Jair e Flávio Bolsonaro em processos e era muito próximo da família presidencial.
O inquérito sobre o chamado Caso Queiroz concluiu até agora que ele era o operador financeiro do esquema de rachadinha do gabinete de Flávio Bolsonaro. De acordo com o Ministério Público do Rio, Queiroz movimentou quase três milhões de reais em sua conta bancária entre abril de 2007 e 17 de dezembro de 2018. Desse montante, pouco mais de dois milhões vieram de centenas de transferências bancárias e depósitos em espécie feitos por ao menos outros 11 assessores com quem o ex-policial tinha relação de parentesco, vizinhança ou amizade. Segundo as investigações, o dinheiro era então repassado para Flávio Bolsonaro através de outros depósitos ou pagamento de despesas pessoais. O MP do Rio identificou mais de cem boletos de escola e plano de saúde pagos com dinheiro em espécie, além de um depósito de 25.000 reais na conta bancária da esposa de Flávio Bolsonaro.
Para além de seu papel como homem forte do gabinete na Alerj, o inquérito também reforçou ainda mais o elo de Queiroz e da família Bolsonaro com Adriano Magalhães da Nóbrega, o ex-capitão do Bope que liderava o grupo miliciano Escritório do Crime, suspeito de envolvimento no assassinato da vereadora Marielle Franco e do motorista Anderson Gomes e que estava foragido até ser morto em operação policial em fevereiro deste ano.
Porém, no mesmo mês da prisão de Queiroz, desembargadores da 3ª Câmara Criminal do Tribunal de Justiça do Rio de Janeiro aceitaram, por dois votos a um, o pedido de habeas corpus feito pela defesa de Flávio e concederam foro especial para o senador. Com isso, o inquérito saiu das mãos dos promotores do MP e do juiz Flávio Itabaiana, da 27ª Vara Criminal, e seguiu para o Órgão Especial do TJ, a segunda instância do Tribunal. Pouco depois, em julho, o presidente do Superior Tribunal de Justiça (STJ), João Otávio de Noronha, determinou que Queiroz e sua esposa deveriam cumprir prisão domiciliar.
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