TJ do Rio concede foro especial a Flávio Bolsonaro e retira inquérito sobre rachadinha do MP estadual
Por dois votos a um, desembargadores acatam pedido de senador, mas decidem manter decisões anteriores. Defesa insistirá na anulação de inquérito, o que poderia livrar Queiroz
Por dois votos a um, os desembargadores da 3ª Câmara Criminal do Tribunal de Justiça do Rio de Janeiro aceitaram o pedido de habeas corpus feito pela defesa de Flávio Bolsonaro e concederam foro especial para o senador, filho zero um do presidente Jair Bolsonaro. Com isso, o inquérito que investiga a existência de um esquema de rachadinha na Assembleia do Rio (Alerj) sai das mãos dos promotores do Ministério Público do Rio e do juiz Flávio Itabaiana, da 27ª Vara Criminal, e segue para o Órgão Especial do TJ, a segunda instância do Tribunal. No entanto, os magistrados entenderam que todas as medidas autorizadas por Itabaiana, como a prisão preventiva de Fabrício Queiroz, ex-assessor de Flávio, continuam valendo. O inquérito será tocado agora pela Procuradoria-Geral de Justiça, mas a defesa insistirá na anulação de todas as decisões tomadas por Itabaiana ―o que faria o inquérito recomeçar do zero.
A decisão desta quinta-feira ocorre em meio a um debate sobre a extensão do foro privilegiado a Parlamentares. Por um lado, havia o entendimento do Supremo Tribunal Federal (STF) de que o foro privilegiado deve ser concedido a políticos que estejam exercendo seu mandato quando cometeram os fatos em investigação. De acordo com a tese do MP estadual, o mandato de Flávio na Alerj já está encerrado e, portanto, ele não teria mais direito ao foro. A defesa de Flávio argumentava que, apesar de ele já não ser deputado, a investigação começou quando ele ainda ocupava seu cargo na Alerj. Esta última tese acabou sendo acatada pelos desembargadores Paulo Rangel e Monica Tolledo, enquanto a desembargadora Suimei Cavalieri votou a favor da manutenção da investigação na primeira instância do TJ.
A investigação será conduzida agora pelos procuradores do Gaocrim (Grupo de Atribuição Originária Criminal) da Procuradoria-Geral de Justiça, que atua em coordenação com procurador-geral de Justiça, Eduardo Gussem. O processo estará submetido a um colegiado formado por 25 desembargadores do Órgão Especial do TJ, a instância responsável por investigar deputados estaduais com mandato na Alerj.
“Como o Tribunal de Justiça reconheceu a incompetência absoluta do juízo de primeira instância, a defesa agora buscará a nulidade de todas as decisões e provas relativas ao caso desde as primeiras investigações”, explicou Luciana Pires, advogada de Flávio Bolsonaro. “A defesa sempre esteve muito confiante neste resultado por ter convicção de que o processo nunca deveria ter se iniciado em primeira instância e muito menos chegado até onde foi”, completou.
No Órgão Especial, o inquérito terá um desembargador relator. Ele poderá decidir monocraticamente se acata o pedido da defesa e anula as decisões de Itabaiana, o que levaria as investigações para a estaca zero; ou se leva o pedido para o Plenário para que todo o colegiado possa votar.
Esperava-se que nos próximos dias, promotores do Gaecc (Grupo de Atuação Especializada no Combate à Corrupção) do MP do Rio apresentassem uma denúncia contra Flávio Bolsonaro, Queiroz e outras pessoas investigadas no âmbito do inquérito. Com a decisão dos desembargadores, entretanto, isso não deve mais acontecer.
O caso Queiroz
Além da prisão de Queiroz, Itabaiana autorizou a quebra do sigilo fiscal e bancário do senador, medida que vinha sendo duramente questionada por sua defesa. As investigações começaram em 2018, quando o Conselho de Controle de Atividades Financeiras (Coaf) detectou movimentações financeiras suspeitas nas contas do então assessor do ex-deputado e do próprio Flávio. Um total de 75 assessores e ex-assessores ligados a 22 deputados estaduais foram citados no relatório do Coaf. O documento foi produzido no âmbito das investigações da “Furna da Onça”, tocada pela força-tarefa da Operação Lava-Jato no Rio. Mas o Ministério Público Federal (MPF) entendeu que as suspeitas de rachadinha —quando funcionários do gabinete, muitas vezes até fantasmas, devolvem parte do salário a quem os contratou— não tinham relação com a Lava Jato e remeteram o caso para a Justiça estadual. O trabalho foi então divido entre o Gaocrim, da Procuradoria-Geral de Justiça, e o Gaecc, do MP do Rio.
O inquérito sobre o chamado Caso Queiroz concluiu até agora que o ex-assessor e ex-policial era o operador financeiro do esquema de rachadinha do gabinete de Flávio Bolsonaro. Ainda de acordo com o MP estadual, Queiroz movimentou quase três milhões de reais em sua conta bancária entre abril de 2007 e 17 de dezembro de 2018. Tanto Queiroz quanto Flávio afirmam que são inocentes.
Desse montante, pouco mais de dois milhões vieram de centenas de transferências bancárias e depósitos em espécie feitos por ao menos outros 11 assessores com quem o ex-policial tinha relação de parentesco, vizinhança ou amizade. Segundo as investigações, o dinheiro era então repassado para Flávio Bolsonaro através de outros depósitos ou pagamento de despesas pessoais. O MP do Rio identificou mais de cem boletos de escola e plano de saúde pagos com dinheiro em espécie, além de um depósito de 25.000 reais na conta bancária da esposa de Flávio Bolsonaro.
Toda essa movimentação financeira gerou reportagens na imprensa que levaram Queiroz para o centro dos holofotes no final de 2018. Após ser submetido a uma cirurgia para a retirada de um câncer no hospital Albert Einstein, em janeiro de 2019, o faz-tudo do clã Bolsonaro sumiu dos radares das autoridades. No período em que ficou escondido, o ex-policial seguia dando ordens através de mensagens de celular e “atuava de forma sistemática para embaraçar as investigações”, segundo o MP. Foi com base nessa suspeita de tentar obstruir a Justiça que o juiz Itabaiana autorizou a prisão preventiva de Queiroz e de sua esposa, Márcia Oliveira de Aguiar, que se encontra foragida. O ex-assessor foi encontrado em Atibaia (SP), na casa do advogado Frederick Wassef, que representava Flávio até domingo e é bastante próximo ao presidente.
Para além de seu papel como homem forte do gabinete na Alerj, o inquérito também reforça ainda mais o elo de Queiroz e da família Bolsonaro com Adriano Magalhães da Nóbrega, o ex-capitão do Bope que liderava o grupo miliciano Escritório do Crime, suspeito de envolvimento no assassinato da vereadora Marielle Franco e do motorista Anderson Gomes e que estava foragido até ser morto em uma operação policial em fevereiro deste ano.
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