Enfim, o futebol começa a ouvir o grito das mulheres de arquibancada
Clubes aderem a campanhas de combate à violência contra a mulher. Para torcedoras, trata-se de um primeiro – e importante – passo
No último domingo, o Atlético-MG entrou em campo para o clássico contra o Cruzeiro com faixas chamando a atenção para a violência contra a mulher e divulgando o serviço de denúncia Ligue 180. Maria da Penha Maia Fernandes, que empresta o nome à lei que criminalizou a violência doméstica e familiar sofrida por mulheres, esteve no gramado do Independência e foi homenageada pelo clube. Nas arquibancadas, atleticanas posaram com cartazes para marcar um território cada vez mais reivindicado por elas: “Meu lugar é aqui”.
A iniciativa do Atlético ao lançar a campanha “Não se cale”, entretanto, contrasta com o silêncio adotado pelo clube meses atrás, quando Robinho, então jogador da equipe, recebeu uma condenação em primeira instância na Itália por estupro. Na época, dirigentes alvinegros se eximiram de dar declarações sobre o caso e chegaram até a negociar a renovação de contrato do atacante, que acabou indo para o Sivasspor, da Turquia. Em 2016, as mesmas torcedoras que organizaram um protesto contra o clube e o jogador já haviam se indignado com o tom machista do desfile de lançamento do uniforme. Na ocasião, o Galo utilizou modelos de biquíni ao apresentar a camisa para a temporada.
Por meio da campanha, a nova diretoria do Atlético pretende não só reparar os deslizes recentes da instituição, mas estabelecer uma relação diferente com suas torcedoras. “Nós entendemos que tratar a mulher com carinho e respeito é mais do que um dever. É uma obrigação para todos os homens”, diz o presidente Sérgio Sette Câmara, que assumiu o cargo em dezembro no lugar de Daniel Nepomuceno. A mudança de posicionamento do clube foi bem recebida pela Grupa, um coletivo de torcedoras atleticanas que combate o machismo e a discriminação. “Entre as participantes da Grupa, foi um momento de emoção, porque vimos nosso clube do coração tomando uma postura de responsabilidade social diante de um problema tão sério, depois da omissão e até um pouco de descaso”, afirma o coletivo ao EL PAÍS.
O Atlético não foi o único clube a se mobilizar no Dia Internacional da Mulher este ano. Vários times pelo Brasil lançaram campanhas que vão além do discurso padrão. Nesta quarta-feira, o Corinthians jogou contra o Mirassol com a hashtag #RespeitaAsMinas estampada no uniforme. Ainda foram distribuídas 10.000 tatuagens temporárias com a frase “Não é não”. O time entrou em campo acompanhado de atletas do time feminino, que tem a ex-jogadora Milene Domingues como embaixadora.
No Rio de Janeiro, o Fluminense adotou luto simbólico no clássico contra o Vasco para alertar sobre uma triste estatística – a cada 90 minutos (tempo de duração de uma partida de futebol), uma mulher é assassinada no Brasil –, “na esperança de que o protesto silencioso seja um grito contra o feminicídio”. Em Pernambuco, o Náutico aproveitou a data para instituir a Diretoria da Mulher, comandada por Tatiana Roma, que tem a missão de desenvolver estratégias para reestruturar o futebol feminino do clube e estreitar o relacionamento com torcedoras. Já em Minas Gerais, o Cruzeiro, rival do Atlético, atacou o assédio no Carnaval e disponibilizou gratuitamente 14.000 ingressos para torcedoras cruzeirenses pela campanha “Quebre o Silêncio”. No ano passado, o clube celeste, em parceria com a ONG AzMina, já havia tomado a iniciativa de dar visibilidade a números da violência contra a mulher no país. A campanha foi premiada com o Leão de Bronze no Festival de Publicidade de Cannes, na França.
Para grupos organizados de torcedoras, a mobilização dos clubes é um reflexo de cobranças das mulheres por mais igualdade e ações efetivas de enfrentamento ao machismo no futebol. “Em 2017, por exemplo, a ação do Atlético no Dia da Mulher foi entregar rosas no estádio, o que está longe de ser um ato socialmente engajado e relevante”, avalia a Grupa, que já conta com mais de 100 integrantes. “Além disso, tivemos graves episódios de jogadores sendo acusados de violências contra mulheres e o silêncio da diretoria marcou essas ocasiões. Nesse contexto, uma campanha como a ‘Não se cale’, construída com cuidado e planejamento, é um marco.”
‘Machistômetro’ ligado nos estádios
No próximo domingo acontece o 1º Encontro Regional de Mulheres de Arquibancada, no Rio de Janeiro. A intenção do evento é organizar resistência contra o machismo e promover maior presença feminina nos estádios. Criado exatamente há um ano, o movimento Mulheres de Arquibancada propõe ações didáticas para sensibilizar torcedores e torcedoras sobre atitudes que ofendem e discriminam. Uma delas é o “machistômetro”, cartilha distribuída durante os jogos descrevendo comportamentos machistas, como “proibir mulher de tocar na bateria”, “aproveitar a hora do gol para ‘sarrar’ a torcedora” e “mandar a mulher explicar a regra do impedimento”.
“Por muito tempo, a mulher na arquibancada era vista apenas como um enfeite. Mas nós somos torcedoras de verdade, amamos nosso time e queremos ser respeitadas. Felizmente, os clubes começam a olhar para nós de uma maneira diferente. Nosso movimento está acima de qualquer rivalidade. Seguimos unidas para torcer, protestar e incentivar outras mulheres que sentem receio de frequentar estádios a se juntarem ao grupo”, explica Kiti Abreu, uma das articuladoras do encontro, que já tem 140 mulheres inscritas e também contará com a presença de líderes de torcidas organizadas de vários clubes. “Para mudar a cultura machista nos estádios, é preciso mostrar aos torcedores que eles podem nos ajudar nessa luta”, diz Abreu.
De acordo com a Grupa, que integra o movimento, as campanhas dos clubes representam um primeiro – e importante – passo em prol da inclusão de mulheres no futebol. Porém, devem ser acompanhadas de uma conduta permanente que se reflita no dia a dia de dirigentes e jogadores. “As campanhas precisam colaborar para uma alteração efetiva dos comportamentos e da vida das pessoas. Elas têm de se transformar em ações. A defesa e conscientização da igualdade, dos direitos das mulheres, principalmente no futebol, um dos espaços mais machistas que ainda prevalece, é um esforço que merece atuação contínua.”
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