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Retirada titânica do Afeganistão ofusca 20 anos de trabalho: “Mais fácil começar a guerra do que acabar”

Operação liderada pelos Estados Unidos recolheu 117.000 pessoas do país em duas semanas, mas analistas apontam desafio de conter o “desastre humanitário” entre os que ficam

Aviões militares espanhóis lotam para retirar o maior número de colaboradores afegãos no menor tempo possível dentro da operação Dubai-Cabul-Dubai.
Aviões militares espanhóis lotam para retirar o maior número de colaboradores afegãos no menor tempo possível dentro da operação Dubai-Cabul-Dubai.Ministerio de Defensa/EFE
Elvira Palomo
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A operação de retirada vai terminando de forma agônica em Cabul. Com a saída dos últimos soldados norte-americanos, na terça-feira, o Afeganistão estará de novo nas mãos do Talibã. Os países aliados aceleraram a saída de seu pessoal e dos colaboradores afegãos na semana passada, depois do atentado nas imediações do aeroporto da capital que deixou dezenas de mortos, em meio ao desespero de quem tratava de chegar à sua única porta de salvação. Em apenas duas semanas, foi possível retirar mais de 117.000 pessoas do país, em uma complexa operação de grande porte que os EUA e a OTAN descreveram como uma das maiores da história, mas que evoca outras retiradas nas quais —como agora— milhares ficaram para trás.

“A retirada é uma das operações militares mais delicadas que existem, para evitar que se transforme numa debandada, porque evidentemente é uma situação muito delicada, com sensação de derrota, de ser superado pelo inimigo, e a tentação de escapar é óbvia”, afirma Jesus Núñez, codiretor do Instituto de Estudos sobre Conflitos e Ação Humanitária (IECAH), de Madri. O militar da reserva enfatiza que já em fevereiro de 2020 o Governo Trump assinou um acordo de retirada e definiu um calendário de saída, de modo que houve mais de um ano para preparar a desocupação. Entretanto, os Estados Unidos retiraram as tropas de combate, e quando a capital caiu nas mãos do Talibã foi iniciada uma retirada “na contracorrente”.

Frente às críticas pelo caos da operação, o presidente Biden se comprometeu a “mobilizar todos os recursos” necessários para o que definiu como “uma das maiores e mais difíceis pontes aéreas da história”. Apesar dos 5.000 militares enviados para garantir a segurança do aeroporto, a situação já era crítica e foi preciso acelerar a operação.

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O general William Taylor informava na quarta-feira passada que um avião decolava do aeroporto de Cabul a cada 39 minutos, entre aeronaves militares norte-americanas C-17 e Hércules C-130, e outros aviões da coalizão. Centenas de pessoas saíram nos primeiros voos, um ritmo que depois se acelerou para 20.000 pessoas por dia ao longo da última semana, “uma das maiores evacuações aéreas já realizadas”, segundo o secretário-geral da OTAN, Jens Stoltenberg. Entretanto, a cifra dos que podem ficar para trás é dramática. O The New York Times calcula que pelo menos 250.000 afegãos permanecerão no seu país apesar de estarem aptos para receberem vistos dos Estados Unidos. O mesmo acontecerá com alguns colaboradores dos outros países.

Os analistas recordam outras operações de grande escala, como a ponte aérea de Berlim, que salvou os berlinenses ocidentais de morrerem de fome por causa do bloqueio econômico da União Soviética entre junho de 1948 e maio de 1949, ou a retirada de Dunkerque, em 1940, quando mais de 300.000 soldados foram resgatados diante do avanço nazista das praias dessa localidade francesa. Apesar desses precedentes, eles são prudentes na hora de estabelecer semelhanças.

“Não sei quem tem a vara de medir, obviamente é relevante, mas a forma como [a operação] está sendo feita é penosa”, opina Núñez. “Numa lista das piores, é a próxima depois de Saigon.” Essa é outra das referências mais recorrentes nas últimas semanas: o momento, em abril de 1975, em que os norte-americanos conseguiram em dois dias retirar às pressas 7.000 pessoas que iam sendo resgatadas de helicóptero da cobertura da embaixada dos EUA em Saigon, depois da humilhante vitória do Vietnã do Norte. Estima-se que mais de 130.000 vietnamitas fugiram por mar e ar.

O fator humanitário é outro aspecto a levar em conta, destaca Pere Vilanova, professor titular de Ciência Política da Universidade de Barcelona. “Desde 1945, houve várias guerras cujo final incluiu grandes desastres humanitários, porque não se pôde administrar a parte final da guerra adequadamente”. Olhando para trás, ele recorda a derrota do Exército francês em 1954 na fortaleza de Dien Bien Phu e a perda da Indochina (atual Vietnã). “Quando [os franceses] se retiram do porto em navios de guerra, milhares de vietnamitas que tinham sido colaboradores ou não queriam viver no regime comunista se atiram na água”, diz. Vilanova menciona também a Guerra da Argélia (1945-1962), quando a França deixou dezenas de milhares de colaboradores à própria sorte. “Calcula-se que 100.000 deles sofreram represálias por parte dos próprios argelinos.” O professor cita o genocídio perpetrado pelo Khmer Vermelho no Camboja, no final da década de 1970, depois da saída norte-americana, e recorda: “É mais fácil começar uma guerra do que acabar com ela, e este é um traço comum a todas as guerras, e por mais que se pretendam fazer as coisas, sempre dá errado e sempre dá muito errado do ponto de vista humanitário”.

Na opinião de Jesús Núñez, os Estados Unidos pecaram por excesso de confiança. “OS EUA acreditaram na sua própria ficção de que havia umas Forças Armadas afegãs capazes de controlar Cabul, e que isso lhes daria margem e cobertura suficientes para retirar primeiro os soldados e depois de retirar as pessoas”, afirma Núñez. Os próprios especialistas do Pentágono diziam há menos de um mês que o país estava em uma situação crítica porque o Talibã vinha avançado pelo sul e poderia chegar a Cabul em 90 dias. Levou apenas 10. “A situação real é que [os militares afegãos] nunca estiveram em condições de oferecer essa cobertura de segurança”, acrescenta.

Correndo contra o tempo e sob a ameaça de mais atentados no aeroporto de Cabul, a operação liderada pelos EUA conseguiu retirar 117.000 pessoas do país nos últimos 15 dias, entre pessoal diplomático, colaboradores afegãos e pessoas consideradas vulneráveis, incluídos 5.400 cidadãos norte-americanos. O Reino Unido pôs 15.000 cidadãos seus e afegãos a salvo, na que foi a segunda maior operação aérea do país desde 1949, segundo o Ministério da Defesa. A Alemanha resgatou 5.193 pessoas, incluídos 3.600 afegãos, em 34 voos. Mesmo assim, Berlim identificou 10.000 pessoas que precisariam ser retiradas, entre colaboradores afegãos, jornalistas e ativistas de direitos humanos. O Governo italiano concluiu sua operação após conseguir levar 4.400 pessoas embora, ao passo que a Espanha transportou 2.206. Os países procuram agora uma forma de ajudar quem não conseguiu fugir. As potências cogitam a possibilidade de dialogar com o Talibã para encontrar uma solução.

A respeito da discussão sobre se é ou não a maior operação de resgate da história, o analista Gabriel Reyes, do Centro Internacional de Toledo para a Paz (CITpax), considera que “o volume [da operação no Afeganistão] está um pouco superestimado”. Em comparação a Saigon ou Dunkerque, “é uma questão de proporções”, diz. Mas o analista considera que, independentemente de outras considerações, este final deixa um sabor amargo: “É como quem faz a lição de casa na última hora”, compara. Dentro do mesmo cenário, Reyes recorda que, apesar da humilhação que a retirada do Afeganistão representou para os russos em 1989, eles procuraram uma saída digna, por etapas e mais ordenada, enquanto no caso dos Estados Unidos foi um processo de saída por capítulos, vacilante, que se acelerou e desacelerou com os diversos governos, que não obtiveram um acordo de paz inclusivo e terminou com o Talibã chegando ao poder. “Acredito que seja uma saída muito triste e opaca. O talibã marcou um tento e conseguiu ofuscar 20 anos de esforços.”

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