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Diego Maradona enche de contradições o feminismo argentino

Críticas pela violência que exerceu contra suas companheiras e outras mulheres se misturam com a dor da perda de um ídolo que nunca esqueceu suas origens humildes

FILED - 25 November 2020, Argentina, Buenos Aires: A fan of the football club Boca Juniors puts his hand on a mural with the picture of the football star Diego Maradona on the day of his death. Argentina football great Diego Maradona has died at the age of 60, the Argentinian Football Association said on Wednesday. Photo: Fernando Gens/dpa
25/11/2020 ONLY FOR USE IN SPAIN
FILED - 25 November 2020, Argentina, Buenos Aires: A fan of the football club Boca Juniors puts his hand on a mural with the picture of the football star Diego Maradona on the day of his death. Argentina football great Diego Maradona has died at the age of 60, the Argentinian Football Association said on Wednesday. Photo: Fernando Gens/dpa 25/11/2020 ONLY FOR USE IN SPAINDPA vía Europa Press (Europa Press)

“Diego [Maradona] era um machista e foi violento. Não nego, não o defendo, mas também não posso negar a dor, a tristeza que sinto desde que minha mãe me ligou para me contar que ele havia morrido”, respondeu Clara, de 37 anos, na quilométrica fila que se formou na quinta-feira no centro de Buenos Aires para a despedida ao astro do futebol argentino. “Não tínhamos referências mulheres nessa época, ou muito poucas, como Gabriela Sabatini, e então crescemos com homens, sonhamos através deles. Maradona foi criado em uma cultura patriarcal, como nós, e teve atitudes machistas, mas Maradona é minha infância, os jogos que via na escola e em casa, ver meu pai chorar, ir de cavalinho com ele pela avenida Corrientes em 86, cheia de gente e papéis... E é também alguém que nunca se esqueceu de suas origens humildes e enfrentou os poderosos”, acrescentou sua amiga Verónica. As duas usavam lenços verdes em suas mochilas e se declaram feministas.

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As contradições expostas por ambas refletem o debate vivenciado nos últimos dias dentro do movimento feminista sobre um homem denunciado por violência física e psicológica por suas ex-mulheres e que durante anos se negou a reconhecer seus filhos fora dos casamentos. Em 2014, sua namorada Rocío Oliva gravou um vídeo em que ele a batia para tirar-lhe o telefone. Três anos depois, Oliva ligou para a recepção do hotel em que estavam para avisar que ele a estava agredindo. Sua ex-mulher e mãe de suas filhas Dalma e Giannina, Claudia Villafañe, o denunciou por violência psicológica em 2019 ao Escritório de Violência Doméstica. As denúncias também vieram de fora de seu círculo íntimo: em 2017, uma jornalista russa o acusou de tirar sua roupa e lhe oferecer dinheiro para ter relações sexuais com ele.

Cercado de advogados, Maradona evitou julgamentos, mas não se livrou de acusações púbicas e suspeitas, entre elas de fazer sexo com menores. A mãe de Santiago Lara, que iniciou uma ação de paternidade contra Maradona para que o reconhecesse, era adolescente quando ficou grávida. Em Cuba, onde morou entre 2000 e 2005, o ex-jogador foi fotografado abraçado a mulheres nuas que aparentavam ser menores de idade.

“Comemorar e aplaudir homens que desrespeitaram direitos de mulheres e crianças, foram violentos, exerceram uma paternidade irresponsável, não é feminista, é outra coisa, mas não é feminista. Não do feminismo que nós militamos, que é o que está disposto a questionar tudo, especialmente ídolos e símbolos, sejam ou não populares. Porque através deles se constroem e encarnam os modelos sociais”, escreveu em suas redes sociais a artista trans Michelle Lacroix. “Para quando os dias de luto por nos matarem todos os dias?”, perguntou Luciana Fiorella.

A atriz Thelma Fardin, que denunciou o ator Juan Darthés por estupro quando era menor de idade, reagiu à morte de Maradona com uma foto que imortaliza o gol com a mão que ele marcou contra a Inglaterra na Copa de 1986. “A Deus. Que venham agora as críticas porque se sou feminista não posso postar isto. Gente, o feminismo é libertação, não prestar contas a vocês. O futebol de Diego me maravilhou a vida inteira. Têm tudo resolvido nessa mudanças de paradigma? Este gol é a contradição em si mesma. Como é cansativo a lupa que colocam em nós. Gostam mais se ficamos caladinhas e sem opinar? Entre nós isso não compas (forma reduzida para a palavra ‘companheiras’), eu estou em todos os lugares que acho que devo estar no dia a dia, não venham com sua militância de redes sociais que essa é fácil e tão CONSERVADORA quanto os paradigmas sob os quais nos criaram”, escreveu ao lado da imagem. Recebeu mais de 2.000 comentários. Alguns a favor, mas em sua maioria críticas que a lembram que da mesma forma que milhares de pessoas se solidarizaram com ela quando denunciou Darthés, ela deveria fazer o mesmo com as vítimas de Maradona.

Mariana Carbajal, uma das fundadoras do movimento Ni Una Menos contra a violência machista, teve uma reação parecida: publicar uma foto de Maradona em suas redes e esclarecer que não iria discuti-lo, só despedir-se. Mas diante do debate aberto, decidiu expor sua postura. “Esse feministômetro inquisidor que não pode aceitar que hoje o país se despede de um ídolo popular, que reivindicou sua origem pobre, que enfrentou os poderosos, que se colocou ao lado dos fracos, que deu alegrias dentro de campo, que jogou o melhor futebol, esse feministômetro não me representa”, afirmou Carbajal. “Não aplaudo que tenha demorado a reconhecer seus filhxs. Não homenageio suas condutas violentas com sua namorada. Sem dúvida, foi uma expressão do patriarcado. Eu me emociono ao vê-lo com a bola, com a paixão com que sempre jogou com a camiseta argentina, sua garra. Tenho contradições”. Poucas figuras provocaram uma divisão semelhante nos movimentos feministas argentinos.

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