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Fragilidade dos Governos dificulta luta contra o coronavírus na América Latina

Covid-19 avança numa região onde a liderança política enfrenta tensões internas que atrapalham a tomada de decisões de saúde pública

Trabalhadores sanitários desinfetam as ruas de Caracas, na Venezuela.
Trabalhadores sanitários desinfetam as ruas de Caracas, na Venezuela.Matias Delacroix (AP)
Javier Lafuente

A chegada da pandemia do coronavírus obriga a América Latina a enfrentar seus piores fantasmas. O impacto ainda é baixo em comparação a Europa e Ásia, mas a sequência é tão semelhante e o anúncio da chegada do asteroide é tão estrondoso que quase todos os Governos já se preparam para o pior. Inclusive os dirigentes mais céticos, prudentes ou desconfiados, seja por convicção ou por necessidade, dão o braço a torcer. Liderado pelo Brasil, o coronavírus começa a se instalar numa região com muitas carências. E estará, além disso, em lugares onde, diferentemente do visto no resto do mundo, o Estado praticamente inexiste, o que dificulta ainda mais a luta contra o contágio.

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A building is covered by the Portuguese message: "Coronavirus: take precaution" over empty streets in downtown Sao Paulo, Brazil, Monday, March 23, 2020. (AP Photo/Andre Penner)
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Brazilian President Jair Bolsonaro (C) talks next to Brazilian Minister of Economy, Paulo Guedes (L) and Brazilian Minister of Health Henrique Mandetta (R) during a press conference regarding the COVID-19, coronavirus pandemic at the Planalto Palace, Brasilia on March 18, 2020. (Photo by Sergio LIMA / AFP)
Gestão de Bolsonaro do coronavírus é reprovada por 64%, e 45% se dizem a favor de impeachment
Jair Bolsonaro con una mascarilla durante una rueda de prensa.
Editorial | América Latina e a pandemia
BRA01. RIO DE JANEIRO (BRASIL), 13/03/20.- Los turistas de Maranhão, norte de Brasil, Jardiel do Carmo (izq) y Samara Souza (der), aprovechan la luna de miel para conocer el monumento del Cristo Redentor con mascarillas como protección contra el coronavirus, este viernes, en Río de Janeiro (Brasil). Algunos turistas que visitan por estos días Río de Janeiro comienzan a protegerse del coronavirus y sitios emblemáticos de la ciudad brasileña, como el icónico Cristo del Corcovado, con mascarillas. Aunque las indicaciones de las autoridades sanitarias solo recomiendan el uso de mascarilla a quienes fueron contagiados con la enfermedad y a sus acompañantes permanentes, algunos turistas prefieren utilizarlas en todo momento pese a que ello no represente una real protección, según los expertos. EFE/Antonio Lacerda
Coronavírus provoca terremoto no turismo da América Latina

A América Latina, um subcontinente com 600 milhões de habitantes, está confinada. Praticamente não é possível o trânsito entre países depois que todas as principais potências, com exceção do México, fecharam as suas fronteiras, inclusive as aéreas, caso da Colômbia. E nesta ocasião para quase todos, pois durante anos esses passos estiveram limitados, quando não interditados, para milhões de migrantes que fugiam da miséria e da violência, fosse na Venezuela ou na América Central a caminho dos Estados Unidos. Medidas que, entretanto, talvez não possam ter um impacto real para frear o contágio, na medida em que a Coreia do Sul, o exemplo para o qual todo o mundo olha, não fechou suas fronteiras.

O caso da América Latina, observa Oliver Stuenkel, professor de Relações Internacionais na Fundação Getulio Vargas e articulista do EL PAÍS, pode ser efeito “simbólico, para dar a sensação de que os Governos estão fazendo algo”. “Não há dúvida de que o fechamento de fronteiras terá consequências negativas e imprevisíveis com o tempo. Muitos países estão integrados, como o México e os Estados Unidos, ou a Argentina e o Brasil. Esses elos estão sendo deixados de lado e não tenho certeza de que serão restaurados”, acrescenta Brian Winter, vice-presidente da Americas Society and Council of the Americas.

Ao freio ao trânsito de pessoas —salvo entrada e saída de cidadãos locais ou residentes— seguiram-se decisões mais drásticas, inéditas, como a quarentena obrigatória declarada na Argentina, que a Colômbia aplicará também a partir desta terça-feira, depois do simulacro com que Bogotá se antecipou e que evidenciou uma tendência global, agudizada na região: a polarização e as tensões internas, na medida em que a prefeita da capital, Claudia López, tem uma avaliação positiva de até 70% em algumas pesquisas, quase o triplo da do presidente, Iván Duque.

A aparente falta de liderança sólida é agravada pela impossibilidade da adoção de medidas conjuntas, por mais que alguns países da América do Sul se tenham esforçado na semana passada. Algo que, no entanto, não é uma peculiaridade da América Latina, pois aí está a União Europeia, com cinco décadas de história, que não consegue adotar medidas que satisfaçam todos os países que a compõem. “Há lideranças firmes, como Argentina, Peru, Colômbia e Equador e, por outro lado, Brasil e México. Mas ainda há tempo para os Governos mudarem sua maneira de agir", opina Winter, que dá o exemplo de Donald Trump. “Essa crise não se parece com nenhuma que vivenciamos antes. É apenas o começo, o que é popular hoje pode não ser amanhã”, acrescenta o analista.

Se existe uma característica, porém, que não se vê em outras regiões do mundo e está latente na maior parte da América Latina, principalmente em suas potências, é a ausência do Estado. Muitos países, caso do México, deram o exemplo da China ao adotar —ou não— medidas para impedir a propagação do vírus, mas no caso do país asiático o Estado mostrou uma força que, exceto nos países onde prevalece o autoritarismo, como a Venezuela, é difícil vislumbrar na região. Não é mais uma questão de haver pessoas que ignorem as regras impostas pelas autoridades, como se percebe em todo o mundo, mas sim que há lugares na América Latina onde o Estado —seus governantes, o Exército etc.— é uma ilusão. Ou seja, milhões de pessoas governadas ou, melhor dizendo, controladas pelo crime organizado, onde a violência é a resposta. Na Colômbia, neste fim de semana, em um tumulto numa prisão morreram mais pessoas até agora do que pelo coronavírus: ao menos 23. “São áreas onde existem grupos que desafiam o controle do Estado, como as favelas no Brasil”, observa Stuenkel. “Isso dificulta ou reduz a capacidade do Estado de impor medidas, como o distanciamento social. Mas não acontece apenas nesses locais, também em populações remotas, como a Amazônia, o trabalho de conter o coronavírus será muito difícil", acrescenta o cientista político.

“A crise vai acelerar alguns movimentos até agora mais imperceptíveis, como o papel mais ativo dos militares de que se lembra desde os anos oitenta. Por outro lado, vemos como a popularidade de presidentes democráticos que reagiram com firmeza, como Martín Vizcarra, no Peru, melhorou. Talvez, se os governantes agirem bem, é possível reverter a tendência de que os latino-americanos tenham perdido a fé em seus líderes e na democracia em geral", acrescenta Winter.

Indo além, as medidas para tentar conter a disseminação do vírus —e o freio na curva que está causando caos mundial— não se dão, por ação ou omissão, sem o choque que isso vai causar nas economias dos países. Se a América Latina emergiu praticamente ilesa da crise de 2008, desta vez aparece como a região que pode sofrer o maior golpe. O mero fato de o nervosismo já se ter espalhado sem que os países tenham chegado nem perto do número de mortes que assola a Europa dá uma boa medida do medo dos governantes.

Nesse sentido, o exemplo mais evidente é o do México, onde milhões de pessoas vivem com o dinheiro contado e qualquer isolamento as condenaria ainda mais à pobreza, que, nas palavras de alguns funcionários do Governo mata mais do que o vírus. Por que o Governo não adotou medidas mais drásticas? Essa é a pergunta que surge em qualquer conversa sobre a pandemia dentro e fora do México. A resposta, inicialmente, se intuía, mas o próprio presidente, Andrés Manuel López Obrador, a verbalizou abertamente. O presidente que em uma semana passou de se dar banhos de povo, ignorou as recomendações e se mostrava até mesmo otimista quanto aos possíveis danos à economia. “Eu gostaria que isso não afetasse, me chamarão de irresponsável”, chegara a dizer, mas teve que levar seu discurso à realidade. Se na sexta-feira ele pedia à população que não “exagerasse” os danos do coronavírus, porque isso poderia prejudicar a economia, neste domingo foi cristalino: “Temos que ver como estamos caminhando para enfrentar a crise econômica que se avizinha”.

Da mesma forma, no Brasil, Jair Bolsonaro investe em aparições frágeis em seu papel de líder, chegando a rebater diretrizes mundiais, ao se colocar contra, por exemplo, a proibição de cultos em igrejas, foco de aglomeração de pessoas e um terreno fértil para proliferação do vírus. Há duas semanas, chamou a Covid-19 de “gripezinha”, a preocupação com a epidemia de “histeria”, e disse que o objetivo de quem alarma a população é paralisar a economia para acabar com o Governo dele. “Se a economia afundar, afunda o Brasil. Qual o interesse? Se afundar, acaba o meu governo. É uma luta de poder”, afirmou em entrevista no dia 16, segundo relatou reportagem de Carla Jiménez.

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