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América Latina enfrenta crise do coronavírus em meio a tensões políticas e fragilidade econômica

Pandemia por enquanto não afetou a região como na Europa, mas já fez todos os alarmes dispararem

Javier Lafuente
Vendedora de hortaliças num mercado da Cidade da Guatemala
Vendedora de hortaliças num mercado da Cidade da GuatemalaJOHAN ORDONEZ (AFP)
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People wearing face masks as a preventive measure against the spread of the new coronavirus, COVID-19, are seen in downtown Sao Paulo, Brazil on March 16, 2020. - The Sao Paulo stock exchange closed down 13.9 percent Monday and the Brazilian real closed below five to the dollar for the first time ever in further fallout from the coronavirus pandemic. (Photo by NELSON ALMEIDA / AFP)
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March 17, 2020 - Washington, DC USA: President Donald Trump delivers a briefing on the Coronavirus COVID-19 pandemic alongside Vice President Mike Pence, Treasury Secretary Steven Mnuchin and members of the Coronavirus Task Force in the Brady Press Briefing Room at the White House in Washington, DC, March 17, 2020, in Washington, D.C.  (CONTACTO)


17/03/2020 ONLY FOR USE IN SPAIN
Governos lançam pacotes bilionários para tentar mitigar a crise do coronavírus

A América Latina confronta sua enésima encruzilhada num cenário cada vez mais incerto. A região não tem registrado casos de contágio pelo coronavírus SARS-CoV2 no mesmo nível que a Europa, ao menos ainda― advérbio que assombra do México ao Brasil―, mas já está em alerta máximo. A incerteza é total neste vasto território de mais de 600 milhões de pessoas, onde coabitam líderes políticos que não levam a sério as recomendações sanitárias, tensões entre países que se agravam com a pandemia e uma economia cada vez mais frágil que afasta qualquer vislumbre de certeza. O desafio é maiúsculo pela debilidade da maioria dos sistemas de saúde, com um gasto por habitante muito aquém dos países mais industrializados.

No começo do ano, a América Latina vislumbrava um novo horizonte depois das revoltas populares que convulsionaram parte de seus países no final de 2019. Colômbia e Chile tinham seus Governos contra as cordas; a Argentina estreava presidente (Alberto Fernández) e consolidava a guinada política das três principais economias, iniciada um ano antes com a chegada ao poder de Jair Bolsonaro no Brasil e Andrés Manuel López Obrador no México, dois dos mandatários mais criticados por sua atitude irresponsável frente à pandemia. A Venezuela prometia um ano eleitoral em que a batalha política entre Nicolás Maduro e Juan Guaidó ganhava outro palco. Tudo foi sepultado pelo coronavírus. E as incertezas, agravadas.

Às tensões políticas se somam um agravante, a fragilidade econômica em que a América Latina estava imersa e que só irá se aprofundar. Antes da pandemia e da crise do petróleo, a região era a que menos cresceria em todo o mundo. O FMI estimava no final do ano passado um crescimento de 0,2%. A consultoria Capital Economics o calcula no mesmo percentual, sem incluir a Venezuela, por isso todos os analistas entendem que a América Latina está fadada à recessão neste ano.

O golpe que se avizinha na região terá consequências nos protestos populares que, por enquanto, com toda certeza, ficarão numa espécie de quarentena diante as medidas de contenção necessárias em nível mundial. Vale observar o que se prevê no Chile, onde o referendo do mês que vem sobre a reforma constitucional quase certamente será adiado. Se as revoltas foram entendidas como uma resposta à desigualdade inequívoca dos últimos anos, nada prenuncia que eles podem voltar com mais força enquanto os Governos se virem obrigados a aplicar medidas drásticas para paliar a queda.

O coronavírus paralisou em certa medida a América do Sul, onde a maioria dos países decidiu fechar suas fronteiras. O isolamento dos territórios nacionais não é total, mas não tem precedentes nesta escala. Os principais Governos tratam de ter uma resposta coordenada, mas ela é ambígua em alguns países, caso do Brasil, cujo presidente considera que a resposta à pandemia é uma “histeria”. Temendo a movimentação do vírus, o presidente da Argentina, Alberto Fernández, decidiu tomar medidas na fronteira com o Brasil.

A difícil relação entre o Brasil, com um ultradireitista como Bolsonaro, e a Argentina, com o progressista Fernández, está longe de ser um fato isolado. A pandemia agravou o enfrentamento entre a Venezuela e a Colômbia, que compartilham uma das fronteiras mais porosas da região. O Governo de Duque e o de Maduro não têm relação alguma desde que o primeiro reconheceu Juan Guaidó como presidente interino e o apoiou em sua cruzada para derrubar o líder chavista do poder. Apenas nesta terça-feira começaram a ser sentidos os primeiros movimentos para a adoção de medidas conjuntas entre ambos os Governos, através de organismos intermediários. O chanceler venezuelano, Jorge Arreaza, afirmou ter havido tentativas de trabalhar coordenadamente com o Brasil e a Colômbia, mas que estes ignoraram as propostas. Julio Borges, ex-presidente da Assembleia Nacional, reagiu às críticas do ministro: “A região não o reconhece, porque você é um corrupto e um fantoche da ditadura de Nicolás Maduro”.

Qualquer momento é bom para tentar desviar as atenções, como deixou claro na segunda-feira o presidente salvadorenho, Nayib Bukele, ao iniciar, via Twitter, uma espantosa cruzada contra o México, país com o qual teoricamente mantém boas relações e compartilha a necessidade de enfrentar a crise migratória. O mandatário de El Salvador, que tem um dos sistemas sanitários mais precários da região, acusou sem provas o Governo de López Obrador de querer permitir um voo com 12 supostos casos de contagiados por coronavírus. Diante da reação das autoridades mexicanas, Bukele trouxe à tona o asilo político que o México concedeu a um ex-dirigente do partido nicaraguense Frente Farabundo Martí de Libertação Nacional (FMLN) acusado de corrupção.

A incerteza não só golpeia as relações entre os países como também leva o mal-estar social ao interior de suas sociedades. No México, mesmo com o presidente falando à imprensa diariamente, predomina a confusão. As autoridades sanitárias insistem todos os dias na necessidade de adotar medidas para conter a pandemia, a escassos metros de um presidente que passou o último fim de semana tomando um banho de massas, com beijos e abraços a qualquer um que se aproximasse.

O mesmo aconteceu no Brasil. Bolsonaro compareceu no domingo a uma manifestação que ele mesmo incentivou nas redes sociais, em prol de seu Governo e contra o Congresso, e onde não se furtou a tirar fotos e cumprimentar apoiadores. Isto após os apelos de seu ministro da saúde, Luiz Mandetta, que diariamente fala à nação sobre as medidas de prevenção urgentes e necessárias para conter a transmissão da doença. Apesar do comportamento errático do presidente brasileiro, o Governo Federal anunciou que vai pedir ao Congresso o reconhecimento de estado de calamidade pública para poder gastar além do limite da Lei de Responsabilidade Fiscal e atender à situação emergencial.

O desafio que a América Latina enfrenta é hercúleo nos aspectos político, econômico e também social. Os sistemas de saúde da região são, em geral, fracos ou muito frágeis. Na Venezuela, onde o colapso foi sendo visto passo a passo nos últimos anos, todos os alarmes foram disparados. Embora seja o caso mais ilustrativo, não é o único. À vista do ocorrido na Europa, nem Brasil nem o México, os dois gigantes da região, cujos líderes não parecem suficientemente preparados para enfrentar uma crise sanitária como a que se prevê ou, ao menos por enquanto, se projeta. O desafio na região mais incerta é maiúsculo.

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