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Coquetel que pressiona Bolsonaro inclui crise, panelaço e pedido de impeachment “na manga”

Errático, presidente propõe agora se reunir com outros poderes. Mandatário é alvo de protesto nas janelas em várias cidades

Gil Alessi
Bolsonaro em frente ao Palácio do Planalto no domingo.
Bolsonaro em frente ao Palácio do Planalto no domingo.SERGIO LIMA (AFP)

O primeiro pedido de impeachment de Jair Bolsonaro foi protocolado nesta terça-feira. De autoria do deputado distrital Leandro Grass (Rede-DF), o documento aponta suposto crime de responsabilidade do presidente ao apoiar e convocar as manifestações contra o Congresso no dia 15 de março em meio a uma pandemia de coronavírus, e ao afirmar que as eleições de 2018 foram foram fraudadas sem, no entanto, apresentar prova alguma, dentre outras acusações. Outro pedido semelhante de afastamento de Bolsonaro iria ser protocolado pelo deputado federal Alexandre Frota (PSDB-SP), mas o parlamentar optou por adiar a entrega em função da crise provocada pela doença. Agora, ao menos em tese, o futuro do presidente está nas mãos de um de seus maiores rivais políticos: cabe ao presidente da Câmara, Rodrigo Maia (DEM-RJ), decidir sobre dar ou não andamento ao processo de afastamento do chefe do Executivo.

No entanto, a expectativa, por ora, é de que nenhum pedido de impeachment prospere, mas sim que sirva como mais um elemento “na manga” de Maia para pressionar Bolsonaro, num horizonte de uma crise sanitária e econômica sem precedentes recentes. O que mais ameaça o Planalto é o comportamento errático do presidente ante o desafio do coronavírus, variando discursos: ora fala para sua base radicalizada, ora para os agentes tradicionais de poder. Depois de minimizar diversas vezes a doença infecciosa e ficar fora de uma reunião de cúpula em Brasília com os demais poderes na segunda-feira, agora Bolsonaro diz que falará com a imprensa sobre o tema ao lado de ministros, nesta quarta-feira, e que se reunirá com os representantes do Judiciário e do Legislativo. O giro de 180 graus na conduta também envolve pedir ao Congresso a aprovação de um “estado de calamidade pública”, que significa afrouxar os limites de gastos do Governo fora dos parâmetros da Lei de Responsabilidade fiscal, uma iniciativa elogiada por Maia.

Seja como for, o clima em Brasília é de tensão ainda em alta. O pedido de impeachment protocolado pelo deputado tem o simbolismo de ser apresentado em um momento de pico das novas rusgas entre o presidente e os poderes Legislativo e Judiciário. Já há algumas semanas o principal alvo do mandatário tem sido o Congresso e seus líderes: Maia frequentemente está na mira de ataques por parte de Bolsonaro (e de sua milícia virtual). O estranhamento mais recente entre os dois ocorreu no domingo. O presidente rompeu o isolamento recomendado pelo Ministério da Saúde para quem teve contato com pessoas infectadas pelo coronavírus ao participar de um protesto em Brasília no domingo, cumprimentando simpatizantes e posando para fotos. Ao menos 13 pessoas que viajaram com ele para os Estados Unidos testaram positivo para o vírus. Frente à atitude irresponsável do presidente, Maia o acusou de ter praticado “atentado à saúde pública”.

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A resposta foi rápida: o mandatário reagiu afirmando que estavam tentando “isolá-lo”. “Maia me chamou de irresponsável e fez um ataque frontal. Nunca tratei ele dessa maneira. É um jogo. Desgastar, desgastar, desgastar. Tem gente que está em campanha até hoje para 2022 dando pancada em mim o tempo todo”, disse. Bolsonaro foi além, e disparou: “Prezado Davi [Alcolumbre, presidente do Senado], prezado Rodrigo, saiam às ruas e vejam como são recebidos”. Por fim, ele questionou a moral de ambos ao criticar sua postura. “A luta é pelo poder (...) Que moral tem esses que falaram contra e estão me criticando em ter comparecido a um evento como esse daí?”.

Primeiro panelaço, mas considerável apoio popular

A expectativa é de que o pedido de impeachment não siga seu curso, mas pressione Bolsonaro. O presidente foi alvo de seu primeiro panelaço mais forte em São Paulo e em várias cidades nesta terça-feira —há outro previsto para esta quarta—, mas ainda mantém uma faixa de 30% de apoio popular. Dilma Rousseff, em comparação, tinha menos de 10% de apoio quando a crise que a derrubou começou a se aprofundar. “Na atual conjuntura me parece que não terá andamento. Mas é bom lembrar que os presidentes da Câmara guardam este tipo de pedido ‘embaixo do colchão’ para usar em momento apropriado. Vide Eduardo Cunha [ex-presidente da Câmara, hoje preso, responsável pela tramitação do impeachment de Dilma Rousseff]. Sem dúvida ter um pedido destes fortalece o Maia”, afirma João Feres, cientista político e coordenador do Observatório do Legislativo Brasileiro. Na atual conjuntura o professor acredita que Maia se arriscaria a uma “derrota fragorosa” caso desse seguimento ao pedido protocolado. Mas “uma vez que haja um clima propício na sociedade e condições políticas, o pedido pode andar”, afirma Feres. Ele destaca que não é difícil tipificar o apoio de Bolsonaro à convocação para o ato contra o Legislativo como crime de responsabilidade, fator necessário para a abertura de um processo de impeachment.

Os desencontros com o Legislativo podem não ser o suficiente —ainda— para fazer com que o pedido de impeachment prospere, mas isso não quer dizer que o Congresso não possa sangrar o presidente. “Do ponto de vista político, das reformas que o Governo pretende aprovar, esse tensionamento com Legislativo é um grande problema. A agenda do Paulo Guedes não avança sem o Congresso”, afirma Lucas de Aragão, sócio da consultoria Arko Advice. Ele destaca ainda que, tendo em vista as eleições municipais deste ano, já existe uma tendência para que ritmo dos trabalhos da Câmara e do Senado seja reduzido no segundo semestre. “Acho que o presidente está numa situação onde existem outras variáveis que o desgastam mais do que o pedido de impeachment, como por exemplo a crise do coronavírus e a recuperação econômica”.

Além dos embates frequentes com o Legislativo, a maneira contraditória como Bolsonaro está conduzindo a crise do coronavírus tem sido criticada abertamente por governadores e líderes políticos de quase todo o espectro partidário. O presidente vinha se esforçando para minimizar os riscos da doença, e já falou mais de uma vez que trata-se de uma “histeria”, por vezes “provocada pela mídia”. Nesta terça-feira ele disse até mesmo que pensa em fazer uma “festinha tradicional” para comemorar seu aniversário nos próximos dias, ao passo que o Ministério da Saúde tenta controlar a disseminação da doença com uma abordagem que segue protocolos da Organização Mundial da Saúde, desestimulando grandes aglomerações e contato físico. O desrespeito do presidente com relação ao isolamento proposto para controlar a doença foi a gota d'água para alguns de seus aliados políticos, como a deputada estadual Janaina Paschoal (PSL-SP). Ela defendeu, na tribuna da Assembleia Legislativa de São Paulo, o afastamento do presidente.

Enquanto Bolsonaro apenas ensaia mudar de conduta e assumir a liderança dos esforços de combate à doença, deputados tentam ter algum protagonismo diante da crise provocada pelo coronavírus. Nesta terça-feira foram apresentados projetos para permitir o uso de verba do FGTS e dos fundos Eleitoral e Partidário para ações de emergência na área de saúde. Maia aproveitou para alfinetar as medidas tomadas por Bolsonaro para contornar a crise: “O Governo já deveria ter fechado as fronteiras, restringido os voos internacionais e a circulação de pessoas, principalmente no Rio de Janeiro e em São Paulo”. De momento, Bolsonaro anunciou o fechamento parcial apenas com a Venezuela, no norte, longe de ser o ponto mais movimentado de contato terrestre com o exterior.

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