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Governo Bolsonaro cede e desarma bomba com o Congresso que poderia nem ter existido

Legislativo mantém veto de Bolsonaro ao orçamento impositivo diante de promessa de dividir recursos a serem geridos por cada poder. Nas redes, no entanto, presidente negou negociação

O presidente do Senado e do Congresso Nacional, Davi Alcolumbre (DEM), no dia 4 de março de 2020, no plenário da Câmara, em Brasília.
O presidente do Senado e do Congresso Nacional, Davi Alcolumbre (DEM), na mesa da Câmara.Waldemir Barreto (Waldemir Barreto/Agência Senado)

O Governo e o Congresso Nacional começaram a desarmar nesta quarta-feira uma espécie de bomba política que não deveria nem ter existido. Após duas semanas de negociações, ameaças e tensionamentos entre os dois poderes, o Legislativo manteve o veto do presidente Jair Bolsonaro (sem partido) ao orçamento impositivo que tratava do controle de 30,1 bilhões de reais do Orçamento da União deste ano com uma votação expressiva. No placar, 398 deputados foram a favor do veto e dois contra. Com esse resultado, os senadores não precisaram analisar o tema.

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Da maneira que a lei foi aprovada, o Executivo seria obrigado a destinar esses 30,1 bilhões de reais para emendas impositivas apresentadas pelo relator da peça orçamentária, que neste ano foi o deputado Domingos Neto (PSD-CE). Com o veto mantido, em tese, o Governo concordou em dividir esses investimentos com todo o Congresso. Ao Executivo, caberia a administração de 15,1 bilhões de reais. À Câmara, 10 bilhões de reais. E ao Senado, os 5 bilhões restantes. Esses valores seriam divididos entre os parlamentares, não ficaria apenas com o relator. Diz-se em tese porque ainda é necessário votar três projetos de lei do Congresso (PLN) enviados pelo Governo em que serão detalhadas essas alterações. O curioso é que os textos desses PLNs são semelhantes aos que o próprio Bolsonaro vetou.

Em uma primeira vista, a sensação é que foi uma vitória da gestão Bolsonaro, que incitou protesto de sua militância contra os parlamentares e, enquanto negociava, foi às redes sociais dizer que não estava cedendo aos legisladores. Na prática, escancarou-se um balcão de negócios que o Executivo poderia ter evitado, caso soubesse dialogar. “O presidente é uma máquina de criar conflitos. Ele evitaria toda essa celeuma se tivesse se reunido com os deputados e senadores e tratado do tema de maneira republicana”, afirmou o líder do PT no Senado, Rogério Carvalho.

O próprio PT, maior partido de oposição ao bolsonarismo, rachou. Os senadores do partido queriam manter o veto de Bolsonaro. Os deputados, derrubá-lo. “Não podíamos concordar com esse veto porque estaríamos validando o acordão que o Governo está fazendo, por mais que saibamos que cabe ao Executivo definir onde os recursos serão investidos”, ponderou o deputado e ex-presidente da Câmara Arlindo Chinaglia (PT-SP). Outros opositores, como Marcelo Freixo (PSOL-RJ), destacaram a manobra do Governo. “Ele finge que não gosta e que quer fechar o Congresso. Mas, se tem alguém que negociou aqui foi o Governo Bolsonaro”.

Entre os bolsonaristas, também não havia um consenso, principalmente porque os três projetos de lei que o Governo enviou para regulamentar o orçamento impositivo chegaram em cima da hora da votação na terça-feira e acabaram sendo adiados para a próxima semana. “Tudo o que é ruim pode piorar”, disse o deputado Gilson Marques (NOVO-SC). “O jogo aqui é sobre o empoderamento de alguns, não de todos os parlamentares. Deixa o presidente governar em paz”, reclamou o deputado Otoni de Paula (PSC-RJ).

Parlamentares que costumam votar com o Governo nas pautas econômicas também criticaram a gestão. “É um abuso a concentração de 30 bilhões [de reais] nas mãos de um deputado, mas também é abuso o discurso hipócrita do Governo que vem ao plenário fechar acordo com os líderes, promete emendas e depois vai para o Planalto falar que não sabia de nada”, afirmou Kim Kataguiri (DEM-SP).

Pano de fundo

Falando para sua base e fingindo que nada do que acontecia do outro lado da praça dos Três Poderes era real, o presidente disse em seu Twitter que “não houve qualquer negociação em cima dos 30 bilhões. A proposta orçamentária original do Governo foi 100% mantida”. O pano de fundo dessa celeuma foi a convocação que o presidente fez a seus apoiadores a que participem de uma manifestação em favor dele e contra o Parlamento e o Supremo Tribunal Federal no próximo dia 15 de março. As chamadas começaram após o ministro do Gabinete de Segurança Institucional, o general Augusto Heleno, se queixar dos congressistas e chamá-los de chantagistas.

A tentativa de botar panos quentes na disputa teve a intermediação principal do presidente do Senado, Davi Alcolumbre (DEM-AP). Em seu discurso, ele negou que o Legislativo quisesse usurpar o poder do Executivo e que qualquer acordo teria de agradar as duas casas do Congresso. “A Câmara não vai contrariar uma decisão do Senado. Nem o Senado vai contrariar as decisões da Câmara. As decisões serão coletivas”.

Ao entrar nesse segundo ano de gestão, Bolsonaro é visto com mais desconfiança pelos parlamentares, porque foge a algo comum na política, que é o cumprimento de acordos. Mesmo que duas semanas depois de romper um combinado, volte atrás e o faça novamente nos mesmos termos, como aconteceu nesta quarta-feira com o orçamento impositivo. Ainda assim, é cedo para saber qual será a cara do orçamento impositivo já que os três PLNs do Governo ainda serão votados na próxima semana.

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