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Rede de ‘fake news’ via WhatsApp é ativada para mobilizar base bolsonarista contra Congresso

Bolsonaro coloca Parlamento na mira do núcleo mais fiel de seguidores enquanto negocia com parlamentares manutenção de veto a Orçamento Impositivo. Entre as pautas, está a defesa de intervenção militar

São Paulo / Brasília -
O presidente Jair Bolsonaro chega ao Palácio da Alvorada, em Brasília.
O presidente Jair Bolsonaro chega ao Palácio da Alvorada, em Brasília.ADRIANO MACHADO (Reuters)

Apoiadores do Governo Bolsonaro voltaram a usar a tática de disseminar notícias falsas e factoides para mobilizar o núcleo duro de seus seguidores contra um suposto inimigo. Com a ajuda dos grupos de Whatsapp, páginas em redes sociais e blogs de extrema direita elegeram o alvo da vez. Trata-se do Congresso Nacional, acusado por ministros de “chantagear” o presidente. Com o aval de Bolsonaro, que disseminou um vídeo sobre o tema, o Legislativo entrou na mira dos atos convocados para o dia 15 de março, cujas pautas incluem até o fechamento da Casas parlamentares via intervenção militar.

Oficialmente, nem movimentos nem parlamentares que apoiam a mobilização pró-Governo convocada falam em investida contra o Parlamento ou de intervenção militar. Mas vários materiais apócrifos em circulação vão neste sentido. “Nós temos que ir às ruas, mas pedindo intervenção militar já. Estamos cansados de ir às ruas só protestar, pois continua tudo na mesma. Esses bandidos esquerdistas só fazem rir do povo e continuam fazendo coisas ainda piores contra o Brasil.” “Os generais aguardam a ordem do povo”, diz um dos pôsters que usa imagens de generais da reserva que integram o Governo, como o vice Hamilton Mourão.

É difícil mensurar o alcance deste tipo de mensagem, uma vez que existem centenas de grupos de transmissão ligados ao bolsonorismo e boa parte deles replica conteúdo falso. Mas fica evidente que este movimento ganha força quando embalado pelo presidente e seu staff. Outro a aparecer nas mensagens que fazem alusão à ligação entre as Forças Armadas e o Governo é o ministro do Gabinete de Segurança Institucional, general Augusto Heleno. Heleno é uma peça-chave na mobilização. Ele foi gravado em conversa com colegas criticando o Congresso. “Nós não podemos aceitar esses caras chantagearem a gente o tempo todo. Foda-se”, disse. Exaltado, o militar também orientou o presidente a “convocar o povo às ruas”.

Dias depois foi a vez de Bolsonaro dar seu recado e confirmar o Congresso como principal alvo para seus seguidores. O presidente compartilhou dois vídeos para seus contatos de whatsapp convocando a população para um protesto contra o Legislativo no dia 15 de março, segundo reportou a colunista do jornal O Estado de S. Paulo Vera Magalhães —posteriormente, ela foi alvo de ataques por parte da chamada “milícia virtual” de Bolsonaro—. O conteúdo do vídeo enviado, uma clara afronta ao Legislativo, gerou críticas da oposição e até de ministros do Supremo Tribunal Federal. A oposição fez circular que já pensava na possibilidade de pedir a abertura de um impeachment contra o presidente.

O discurso contra o Congresso levantado pelo presidente não é novo: com uma articulação política deficiente na Câmara e no Senado, o Planalto e membros de seu primeiro escalão costumam insuflar a tese de que os parlamentares não deixam Bolsonaro governar. Seriam todos defensores do “toma-lá-dá-cá”, da “velha política”. Dessa vez, o pano de fundo da fala de Heleno e de Bolsonaro é o chamado “orçamento impositivo”, aprovado pelo Parlamento em novembro passado. Pela medida, os parlamentares decidiram transferir do Executivo para o Legislativo a gerência sobre 30,1 bilhões de reais do Orçamento da União.

Bolsonaro vetou a medida e tentava chegar a um acordo para que o Parlamento mantivesse a sua versão nesta terça —embora nas redes sociais, no entanto, tenha mantido o discurso de que não havia negociação alguma com o Legislativo. Ao longo do dia, um acerto chegou a ser anunciado entre parlamentares e o Governo para manter o veto do presidente. O texto seria votado na sessão conjunta do Congresso nesta própria terça, mas acabou não acontecendo. O motivo foi a insegurança da cúpula do Senado sobre a futura regulamentação do orçamento impositivo enviada pelo Planalto.

O que havia sido combinado com o ministro Luiz Eduardo Ramos, da Secretaria de Governo, era que três projetos de regulamentação do orçamento impositivo seriam enviados pela manhã, para serem votados no fim do dia. Os textos, contudo, só chegaram no fim da tarde e geraram mais dúvidas do que certezas. Dois técnicos da Câmara ouvidos pela reportagem disseram que não era possível saber quais eram as mudanças efetivas. Assim, o presidente do Senado e do Congresso, Davi Alcolumbre (DEM-AP), decidiu suspender a sessão e adiar a conclusão da votação para esta quarta-feira.

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Retórica dos grupos

Se na vida real de Brasília há negociação para valer entre Congresso e Planalto, nos grupos de WhatsApp o que vale é o discurso de Bolsonaro. Na semana passada, o presidente mentiu sobre o endosso feito aos protestos de 15 de março com a pauta anti-Congresso. Em sua transmissão ao vivo na quinta-feira nas redes sociais, o presidente afirmou que o vídeo que ele havia compartilhado era de 2015, e não 2020, e que se tratava de uma convocatória para ato contra a então presidenta Dilma Rousseff. “É um vídeo que eu peço o comparecimento do pessoal no dia 15 de março de 2015, que, por coincidência, foi num domingo”, afirmou. No entanto, o presidente desconsiderou que o vídeo tem imagens suas, então candidato à Presidência, levando uma facada em Juiz de Fora (MG), episódio ocorrido em setembro de 2018. Ato contínuo, a mensagem foi repercutida em um grupo bolsonarista: “Urgente! Não caiam na nova jogada suja da esquerda. Pegaram um vídeo antigo no YouTube do então deputado federal Bolsonaro, onde ele pede para que a população compareça as manifestações do dia 15 de março. Só que essas manifestações eram sobre o impeachment da Dilma”, diz uma mensagem.

A máquina de propaganda bolsonarista no WhatsApp também resgata textos antigos de origem apócrifa e os faz recircular como se fossem novos. Uma mensagem atribuída ao major-brigadeiro Jaime Rodrigues Sanchez, da Aeronáutica, que já havia sido compartilhada no início de 2019, voltou à tona neste ambiente virtual tóxico. “Ele [o major Sanchez] citou uma ‘sucuri de duas cabeças’, representada ‘pelo Supremo Tribunal Federal e Congresso Nacional’, que ‘tramam e apertam seu abraço letal’ em torno do presidente”, diz a mensagem. A reportagem não conseguiu entrar em contato com o major, que está na reserva, para confirmar a autoria do texto replicado. Cerca de 12% do eleitorado, segundo pesquisa Datafolha divulgada em janeiro, acredita que a ditadura é o melhor para o Brasil.

O clima de hostilidade com o Congresso atingiu um patamar tão alto que até uma viagem do presidente da Câmara, Rodrigo Maia (DEM-RJ), para a Espanha, na semana passada, ganhou contornos de conspiração contra Bolsonaro. Um suposto tuíte da Embaixada da Espanha no Brasil feito na quinta-feira anunciava as reuniões do deputado com autoridades locais, e colocava na lista de tópicos abordados: “democracia, parlamentarismo e futuro do Brasil”. A inclusão da palavra “parlamentarismo” bastou para que os sites de extrema direita alinhados ao presidente noticiassem que Maia estava “tramando um golpe” contra o Planalto. Procurada, a Embaixada não quis se pronunciar sobre a polêmica, mas tuitou que “a visita de Rodrigo Maia teve só caráter institucional. Antes e depois da posse, o Governo de Jair Bolsonaro sabe que conta com o respeito, amizade e cooperação plena desta Embaixada”.

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