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Quem vai parar Jair Bolsonaro?

Presidente vai da violência retórica à ingerência em instituições em poucas semanas. Supremo volta do recesso e acena que fará contrapeso junto com o Legislativo, liderado por Rodrigo Maia

O presidente Jair Bolsonaro, no Palácio do Planalto, em 1 de agosto.
O presidente Jair Bolsonaro, no Palácio do Planalto, em 1 de agosto.ADRIANO MACHADO (REUTERS)
Felipe Betim

Jair Bolsonaro (PSL) segue a cartilha de Donald Trump e aposta na escalada da violência retórica dirigida contra quem considera ser seu adversário. Mas não só isso. Nas últimas semanas de recesso do Congresso Nacional e do Supremo Tribunal Federal, o presidente da República também aproveitou para desautorizar e interferir diretamente em instituições de Estado. Entre os alvos mais recentes está a Comissão sobre Mortos e Desaparecidos (CEMDP) da ditadura militar, cujo colegiado foi substituído na última quinta-feira por bolsonaristas do PSL que defendem o regime autoritário. A mudança ocorreu na mesma semana em que o presidente atacou diretamente o presidente da Ordem dos Advogados do Brasil (OAB), Felipe Santa Cruz. Seu pai, Fernando Santa Cruz, foi preso pela ditadura militar em 1974 e desapareceu. “Um dia, se o presidente da OAB quiser saber como é que o pai dele desapareceu no período militar, eu conto pra ele. Ele não vai querer ouvir a verdade”, afirmou o mandatário na última segunda-feira, provocando críticas tanto de lideranças políticas da esquerda como da direita. Ele desautorizou publicamente o relatório da Comissão Nacional da Verdade e erroneamente garantiu que ele havia sido morto pelo grupo Ação Popular, do qual sequer fazia parte.

O jurista Miguel Reale Júnior, ministro da Justiça no Governo Fernando Henrique Cardoso, presidente da CEMDP durante seis anos e um dos autores do pedido de impeachment contra a presidenta Dilma Rousseff (PT), acredita que Bolsonaro "está beirando" ao menos uma das hipóteses legais para a abertura de outro processo de destituição do presidente. A lei, considerada por especialistas muito abrangente e de interpretação subjetiva, determina que "proceder de modo incompatível com a dignidade, a honra e o decoro do cargo" é um dos crimes de responsabilidade pelos quais um presidente pode ser afastado. "O que está havendo é uma somatória de fatos dessa natureza que atingem a sensibilidade das pessoas e os valores fundamentais da Constituição. A partir do momento que ele é a favor do trabalho infantil, quer reduzir a punição para o trabalho escravo ou que os presos tenham trabalho forçado, Bolsonaro vai contra os valores fundamentais da República. Isso é quebra o decoro", opina Reale Júnior.

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Ao mesmo tempo que acredita que a base jurídica para um impeachment virá com a somatória de "provocações e ofensas", o advogado, filiado ao PSDB até 2017, afirma que falta um elemento central para que um processo vá adiante: "Ainda não há condições políticas seja na sociedade, seja no Congresso. Ele precisa se desgastar mais. Isso pode ocorrer na medida que houver um acúmulo". Mas ele se mostra cético: "Acho que as instituições e a sociedade estão muito caladas. As manifestações acontecem nas redes, onde não existe sociedade civil. O que existe são desconhecidos e anônimos que colocam suas idiosincrasias. A sociedade precisa estar alerta para se unir e se juntar contra esse processo que eu chamo de fascismo cultural".

O advogado Pedro Dallari, professor de Direito Internacional da Universidade de São Paulo (USP) e coordenador da Comissão Nacional da Verdade (CNV), se mostra mais otimista. Apesar de dizer que é "um paradoxo" o fato de que "uma democracia em consolidação ter um presidente que nega suas conquistas", ele diz não ter receios "do ponto de vista da cidadania e das liberdades". Isso porque, para ele, Bolsonaro se equivoca ao considerar que sua base de eleitores congrega valores de ultradireita. "Um conjunto de circunstâncias fez com que Bolsonaro acabasse capitalizando uma posição da sociedade contra a corrupção, contra o desemprego, contra a precariedade dos serviços públicos, principalmente de segurança, e isso fulminou as candidaturas do campo social-democrata, incluindo as do PT e PSDB", argumenta Dallari, que foi filiado ao PT até meados dos anos 90. "Mas acho que ele vem perdendo progressivamente o apoio de segmentos, inclusive da classe média conservadora que dá importância para temas como meio ambiente ou direitos da população LGBT", acrescenta.

A última pesquisa Datafolha, divulgada na sexta-feira, 2 de agosto, parece dar respaldo a afirmação do jurista: 86% dos entrevistados se disseram contra a garimpagem de terras indígenas, algo que Bolsonaro vem prometendo legalizar. Uma maioria expressiva, de mais de 70%, já havia se manifestado também contra a liberação do porte de armas. "Do ponto de vista dos direitos civis, acho que a resistência social e institucional, seja pelo Legislativo ou pelo Judiciário, vem sendo efetiva. Essa radicalização retórica talvez seja em razão disso", argumenta. Ele cita como exemplo a queda do decreto presidencial que liberava o porte de armas para vários setores da sociedade. "Não recordo de um decreto ser derrubado dessa forma no Congresso, obrigando-o a recuar", argumenta.

Há momentos em que Bolsonaro parece testar as instituições até o limite. O presidente havia editado em janeiro uma Medida Provisória (MP) que transferia para o Ministério da Agricultura a competência para demarcar terras indígenas e quilombolas. Em maio, o Congresso Nacional devolveu a competência para o Ministério da Justiça, que também voltou a abrigar a Fundação Nacional do Índio (Funai). Em 19 de junho, o presidente decidiu enfrentar a decisão do Legislativo e editou uma nova MP para reverter a ação, avisando que "quem manda sou eu".  No dia 24, o ministro do Supremo Tribunal Federal Luís Roberto Barroso concedeu liminar suspendendo a MP. Na última quinta, o caso foi para o plenário do Supremo, que decidiu por unanimidade manter a medida suspensa. Em seu discurso, o decano Celso de Mello afirmou que a Corte deveria fazer o seu papel de contrapeso, em claro recado ao chefe do Poder Executivo. Após a decisão do STF, o mandatário recuou: disse ter sido uma "falha" de seu Governo, e dele pessoalmente, a reedição de uma segunda medida provisória insistindo em deixar a Funai sob os comandos dos ruralistas. "Teve uma falha nossa. Eu já adverti a minha assessoria. A gente não poderia no mesmo ano ter que fazer uma MP de uma ação já decidida. Houve falha nossa. A falha é minha, né? É minha porque eu assinei. Considero a decisão [do STF] acertada, sem problema nenhum", afirmou Bolsonaro, na sexta.

"O STF tem tido um ativismo judicial, às vezes positivo, às vezes negativo, que muitas vezes transborda os limites da ação judicial, criando normas e soluções. Mas neste momento o Supremo deve ter um papel muito importante de poder moderador", afirma Reale Júnior, que concorda com Dallari sobre o apoio relativo que Bolsonaro ainda possui em sua base.

Além do impeachment, Reale Júnior aponta como possibilidade que o presidente seja denunciado por um crime comum, como pelo delito de abuso de autoridade. Algo evidente, segundo o jurista, quando Bolsonaro ameaçou o jornalista Glenn Greenwald de ser preso, também na última semana. Neste caso, caberia ao Supremo aceitar a denúncia e pedir autorização para a Câmara dos Deputados para seguir com o julgamento. "Ele estaria sendo processado como Temer foi e responderia por crimes praticados no exercício da Presidência. Porque não é um ato que ele faz como pessoa física, mas na condição de presidente da República", acrescenta.

Outro alvo recente da ira de Bolsonaro foi o Instituto Nacional de Pesquisas Espaciais (INPE). Seu diretor, Ricardo Galvão, foi exonerado na última sexta-feira após uma série de desentendimentos públicos com o presidente. O Governo vem questionando os dados sobre o cada vez maior desmatamento da Amazônia e anunciou que contratará uma firma privada para fazer a medição. Outros membros do Governo, como o ministro do Meio Ambiente Ricardo Salles e o general Augusto Heleno, também vem expressando suas discordâncias com a divulgação de dados de desmatamento que consideram desfavoráveis para a imagem do Brasil ou até falso. O risco é que o desmatamento se torne para o bolsonarismo o que a inflação, maquiada durante anos na Argentina, se tornou para o kirchnerismo. "Meu único receio é com a área ambiental, porque gera padrões irreversíveis. A acentuação do desmatamento como vem sendo feita, o descaso com medidas contra o aquecimento global, a destruição da malha normativa de proteção dos índios... São males que serão irreversíveis", afirma Dallari.

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