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Governo contesta Inpe e anuncia licitação para nova medição de desmatamento

O mundo mede a política ambiental do Brasil pela Amazônia, dona da maior floresta tropical do planeta. O sistema de alarme indica um aumento de 40% no último ano

Naiara Galarraga Gortázar
O ministro do Meio Ambiente, Ricardo Salles, durante coletiva de imprensa, sobre os dados do desmatamento divulgados pelo monitoramento ambiental do Inpe.
O ministro do Meio Ambiente, Ricardo Salles, durante coletiva de imprensa, sobre os dados do desmatamento divulgados pelo monitoramento ambiental do Inpe.Marcos Corrêa (PR)
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É bem sabido que o que não se mede não existe, nem pode ser combatido. Mas medir uma realidade — seja a desigualdade, a violência machista — é apenas o primeiro passo. Também é imprescindível que os envolvidos aceitem os resultados desse cálculo. O Brasil mede o desmatamento com satélites pelo menos desde 1988, mas o atual Governo lançou uma ofensiva contra o sistema oficial, apoiado pela comunidade científica brasileira e pela comunidade internacional. Os alertas de desmatamento que incomodam tanto o Executivo indicam que nos últimos doze meses (até 31 de julho), a Amazônia perdeu 5.879 quilômetros quadrados, 40% a mais do que um ano antes.

O desmatamento da Amazônia se tornou há anos a escala pela qual o resto do mundo avalia a política ambiental do Brasil. E é por isso que um dado que é divulgado mensalmente irrita tanto o presidente Jair Bolsonaro, ainda que não esteja consolidado nem o oficial, o qual será conhecido posteriormente. Mas indica uma tendência que o cálculo final geralmente confirma, segundo o Instituto Nacional de Pesquisas Espaciais (INPE), órgão público que faz a medição.

O mal-estar no Gabinete é de tal calibre que Bolsonaro deu uma entrevista coletiva, nesta quinta-feira, 24 horas depois do último balanço, criticando como o INPE calcula a destruição da maior floresta tropical do mundo. “Se os dados estivessem corretos, seria preocupante e seria conveniente que não fizéssemos alarde disso e nos ocupássemos do problema internamente”, disse o ministro-chefe do Gabinete de Segurança Institucional, o general reformado Augusto Heleno, que insistiu que “são falsos”. Este apelou ao patriotismo antes de deixar claro que é melhor lavar a roupa suja em casa, porque o assunto “prejudica o comércio e nos coloca como um grande destruidor do meio ambiente da humanidade”.

Antes de Bolsonaro, outros presidentes manobraram para neutralizar essa fonte de desgostos. José Sarney divulgou números falsos em 1988, quando a destruição da Amazônia se tornou uma questão de relevância internacional. E Dilma Rousseff atrasou a divulgação antes das eleições em que foi reeleita.

Agora, o discurso de desdém em relação ao meio ambiente com o qual Bolsonaro chegou ao poder, sua decisão de paralisar as políticas de preservação e enfraquecer os órgãos fiscalizadores coincidiram com a crescente relevância que a crise climática adquiriu na Europa, entre outras razões porque neste verão o continente enfrenta ondas de calor inéditas.

Graças à legislação de transparência do Brasil, todos os dados governamentais são públicos (a menos que seja estabelecido o contrário) e é por isso que os aumentos que o sistema de alerta tem detectado se tornaram um martírio mensal para o Governo. De entrada anunciou que fará uma licitação para contratar “uma empresa, porque o Brasil requer um sistema de controle melhor”, segundo o ministro do Meio Ambiente, Ricardo Salles. Os altos funcionários do INPE foram a Brasília na quarta-feira para explicar a metodologia usada a Salles e seu colega da Ciência, o astronauta Marcos Pontes.

Para calcular o desmatamento na Amazônia e no resto das áreas com valor ecológico do Brasil, dois sistemas de medição são sobrepostos. Um dos alertas, que é mensal, leva cinco dias para fotografar um local, serve para enviar inspetores ou policiais a campo e se chama Deter. É esse que está deixando Bolsonaro sobressaltado. O outro é o que oferece o balanço oficial anual a partir de imagens de maior resolução — leva 16 dias para tirar cada foto —, que também serve para que as instituições internacionais façam seus cálculos sobre o aquecimento global; seu nome é Prodes. Porque com menos árvores para converter as emissões de CO2 em ar limpo, a humanidade tem de fazer maiores esforços se quiser limitar o aumento das temperaturas.

O presidente também disse que quer uma investigação interna no INPE para descobrir “se há pessoas dentro que divulgaram as informações de má fé para prejudicar este Governo”. E tudo parece indicar que o diretor do instituto tem os dias no cargo contados. “A confiança foi quebrada, ele será sumariamente demitido”, segundo o presidente.

A Academia Brasileira de Ciências e a Sociedade Brasileira para o Progresso da Ciência defenderam em uma carta aberta a Bolsonaro o trabalho do INPE e sua política de transparência que “permite o acesso sem restrições a todas as informações geradas pelos sistemas de vigilância, o que permite as avaliações da comunidade usuária e acadêmica”.

No final da coletiva, a imprensa perguntou a Bolsonaro se ele acredita que o desmatamento está aumentando desde que governa e reconheceu que sim antes de acrescentar: “Parece que está aumentando, mas não dessa maneira como foi divulgada”.

O Governo recebeu outra má notícia nesta quinta-feira. O Supremo Tribunal Federal confirmou que a demarcação de terras indígenas continua sendo de responsabilidade da Funai (Fundação Nacional do Índio) e, portanto, sepulta as duas tentativas de Bolsonaro de transferir a prerrogativa para o Ministério da Agricultura, em um aceno ao agronegócio.

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