Bolsonaro rompe isolamento e vai a atos contra o Congresso em meio à crise do coronavírus
Dias após recomendar, ao lado do ministro da Saúde, que protestos fossem adiados para frear o vírus, presidente tira selfies com manifestantes, mas atitude gerou críticas

Orientado a ficar isolado, mesmo que seu teste para o coronavírus tenha dado negativo, o presidente Jair Bolsonaro (sem partido) ignorou o pedido da equipe médica e entrou em contato com parte da multidão que participou de um ato contra o Congresso Nacional e o Supremo Tribunal Federal neste domingo, em Brasília. Fazendo uma transmissão ao vivo na sua página do Facebook, o presidente desceu a rampa do Palácio do Planalto tocou nas mãos de dezenas de militantes, pegou os celulares deles para tirar selfies, balançou bandeiras e faixas dadas pelos seus apoiadores. Tudo isso sem nenhuma proteção individual, como máscara ou luvas. A aparição dele foi de surpresa. Não avisou os organizadores do protesto.
Na semana passada, o presidente foi submetido a um exame para saber se ele havia sido infectado com o coronavírus, depois de ao menos três pessoas que estavam na comitiva presidencial que viajou aos Estados Unidos foram diagnosticadas com Covid-19 (alguns veículos, como a Folha de S.Paulo, falam em ao menos seis pessoas infectadas). Seguindo os conselhos de parte de seu staff, na quinta-feira ele fez um pronunciamento oficial em rede de rádio e TV, além de uma transmissão na sua página do Facebook ao lado do ministro da Saúde, Luiz Henrique Mandetta, pedindo a suspensão dos atos. “Os movimentos espontâneos e legítimos marcados para 15 de março atendem aos interesses da nação, balizados pela lei e pela ordem. (...) Precisam, no entanto, diante dos fatos recentes, ser repensados. Nossa saúde e a de nossos familiares devem ser preservadas. O momento é de união, seriedade e bom senso”, afirmou, no pronunciamento.
Neste domingo, entretanto, por cerca de uma hora, Bolsonaro promoveu um ato político em que demonstrou estar mais preocupado com sua imagem que com a pandemia da doença. Perguntava para o cinegrafista quantas pessoas estavam assistindo sua transmissão ao vivo, pedia que traduzissem o que estava escrito em um dos bonés da plateia que vestiu (Make Brasil Empire Again – faça o Brasil império de novo), ajeitava o cabelo para as selfies e fazia gestos calculados, como nos momentos em que apontava para o Palácio do Planalto e depois para o público, como se dissesse que o prédio pertencia ao povo. Ou quando elevou as mãos aos céus como se estivesse agradecendo a Deus. Teve ainda acenos de Bolsonaro a seus apoiadores enquanto eles dizia “Fora Maia”, em alusão ao presidente da Câmara, Rodrigo Maia, e quando os militantes gritavam a favor de um novo AI-5 (o ato institucional da ditadura militar que fechou o Congresso e cassou direitos políticos). O presidente ainda fez uma paradinha na rampa para ouvir o público cantar o hino nacional, pouco antes de ele entrar no Planalto de novo.
👍🇧🇷 pic.twitter.com/6MQSVr2shQ
— Jair M. Bolsonaro (@jairbolsonaro) March 15, 2020
Em mais de uma vez Bolsonaro disse seu cinegrafista que esse apoio popular que ele recebia “não tinha preço”. Não faltaram as críticas à imprensa, como de costume. “Não tem preço o que esse povo está fazendo aqui nesse dia de hoje. Apesar de eu ter sugerido, não posso mandar, a manifestação não é minha, o adiamento dado a esse vírus. Que se eu falar que está superdimensionado vai dar manchete nesse lixo chamado Folha de S. Paulo, entre outros jornais.” Entre o público que caminhou ou dirigiu pelas Esplanada dos Ministérios (também houve uma carreata), havia dezenas de faixas pedindo intervenção militar. Mas em sua transmissão pelas redes sociais, o presidente negou o que estava vendo pelas ruas. Falou que seus apoiadores não pediram o fechamento do Legislativo ou Judiciário. “Eles não estão lutando contra poder nenhum. Estão lutando pelo Brasil”, afirmou. Em outro momento, completou: “Com tudo contra, imprensa, vírus, manifestações, o povo foi pra rua”.
Horas antes de cumprimentar seus apoiadores, o mandatário já havia compartilhado vídeos e fotos das manifestações realizadas em algumas cidades brasileiras, contrariando a determinação das principais autoridades mundiais de saúde de que se evite aglomerações. Horas depois, o ministro da Saúde frisou à rede de TV CNN Brasil que fazer manifestações em pleno enfrentamento doo novo coronavírus é contra o bom senso: “é completamente equivocado fazer aglomeração”. Já o presidente da Câmara foi ao Twitter criticar o presidente, reforçando a seriedade da crise mundial.
Mas, pelo visto, ele está mais preocupado em assistir às manifestações que atentam contra as instituições e a saúde da população.
— Rodrigo Maia (@RodrigoMaia) March 15, 2020
O Brasil tinha, até este domingo, 200 casos confirmados do novo coronavírus, inclusive por transmissão comunitária, ou seja, quando não é possível detectar onde ocorreu a contaminação. Na última semana, quando a Organização Mundial da Saúde (OMS) decretou que a crise se tornou uma pandemia mundial, o Ministério da Saúde passou a orientar o endurecimento das medidas de combate à propagação do vírus, entre elas a suspensão de eventos para evitar aglomerações de pessoas. Em Brasília, os organizadores estimaram em 8.000 o número de manifestantes que participaram da marcha a pé, além da carreata.
A reportagem questionou a Secretaria de Comunicação da Presidência por qual razão o presidente havia contrariado a orientação de sua equipe médica ou se houve alguma mudança de direcionamento. Mas até a publicação desta reportagem, o órgão não havia respondido. Bolsonaro estava acompanhado do presidente da Agência Nacional de Vigilância Sanitária (Anvisa), o médico Antonio Barra Torres.

Pedidos de intervenção e aplausos ao AI-5
Nas ruas de Brasília e de São Paulo, duas das principais cidades que registraram atos, era comum ouvir manifestantes pedindo o fechamento do Legislativo ou do STF. “A intervenção militar é o meio mais fácil e mais rápido do país se livrar dessa maldição que é a corrupção”, disse o mestre de obras Valmir Ribeiro, de 45 anos.
Entre os manifestantes havia pessoas como o militar da reserva e médico Vitório Campos, 65, que eram mais radicais. Ele segurava uma faixa com os dizeres: “Contra os vírus do STF e do Congresso, álcool e fogo! Fodam-se”. Indagado por qual razão defendia incendiar outros poderes, assim respondeu Campos: “O povo brasileiro já está cansado de estar há 30 anos ou mais sob o jugo desses bandidos, de poucos bandidos, talvez uma centena ou mais que estão no comando desta nação”.

Na ala mais moderada dos manifestantes, estavam o casal formado pelo empresário Luiz Pereira, 58, e pela dona de casa Liliane Melo, 52. Eles são contra o fechamento de poderes. “Temos visto e ouvido que ele [Bolsonaro] está sendo sabotado. Estamos aqui para apoiá-lo”.
Ao contrário do presidente, havia um pequeno grupo de manifestantes que demonstrou preocupação com a disseminação do coronavírus. “Vim aqui por patriotismo, pelo presidente, mas viemos prevenidas”, disse a aposentada Maria de Fátima Souza, 65, anos, vestida com uma máscara cirúrgica. Também mascarada, a sua irmã, a faxineira Margarida Aleixo, 59, disse que desconfiava das orientações para que a manifestação fosse suspensa. “Pô, na segunda-feira vou trabalhar no metrô cheio. Por que as escolas fecham e o metrô não?”, disse. E completou: “Para mim houve uma certa manipulação para que não estivéssemos aqui”.
“Vírus da corrupção"
Na página no Facebook do movimento NasRuas, a manifestação marcada para 13h em São Paulo aparecia como “adiada”. Isso não impediu, contudo, que centenas de pessoas vestidas de verde e amarelo se concentrassem no centro da avenida Paulista, a via mais icônica da maior cidade do Brasil, com uma enorme bandeira deixava claro em sua mensagem: “Congresso inimigo do Brasil”. O comando do ato ficou por conta do Movimento Direita Conservadora. Os organizadores gritavam do alto de carro de som palavras de ordem a favor do presidente Bolsonaro e contra o Congresso Nacional e o Supremo Tribunal Federal.
Em São Paulo, a maioria dos cartazes e bandeiras continha mensagens contra as instituições ou pediam uma intervenção militar e um novo Ato Institucional de número 5 (AI-5). “Cabe às Forças Armadas não permitir que sejam frustradas as aspirações de paz”, dizia um cartaz de um senhor. “AI-5 para defender o Brasil dos terroristas. Morte aos ladrões”, pedia uma faixa pendurada em postes. Outra mensagem aparecia entre os manifestantes: “Artigo 142 [da Constituição], leia-se AI-5”.

Os alvos preferenciais foram Rodrigo Maia e Davi Alcolumbre, presidentes da Câmara e do Senado, respectivamente. Ministros do STF, sobretudo o presidente Antônio Dias Toffoli e Gilmar Mendes, também estavam entre aqueles que sofreram ataques dos manifestantes. “Esse rato deve ser cassado por conspirar contra o Brasil”, pedia um casal, em referência a Maia. O governador João Dória e o prefeito Bruno Covas também se tornaram alvos, uma vez que, segundo os organizadores, não foi permitida a entrada do veículo na Paulista -ele permaneceu parado na Pamplona ao longo do protesto.
Os manifestantes eram em sua maioria pessoas mais velhas e sem máscaras de proteção contra o coronavírus. Havia inclusive alguns cartazes ironizando o risco de contágio. "O vírus que mata brasileiros há muitos anos é a corrupção”, dizia um deles. “CorruptosVírus, esse mata”, anunciava outro.
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