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Coronavírus deixa povos indígenas em alerta, após dois casos suspeitos

Lideranças pedem à OMS que envie testes para a doença e cobram mais médicos do Governo. Portaria publicada em meio à crise da doença permite contato com índios isolados

Gil Alessi
Mulher indígena da etnia Zo'é carrega sua criança na Terra Indígena Zo'é, no Pará.
Mulher indígena da etnia Zo'é carrega sua criança na Terra Indígena Zo'é, no Pará.SURVIVAL INTERNATIONAL

A pandemia de coronavírus promete ser mais um teste de resistência para os povos indígenas brasileiros, que além da falta de anticorpos para uma nova doença, também enfrentam um quadro de problemas estruturais no atendimento de saúde. O sucateamento da Secretaria de Saúde Indígena (Sesai), ligada ao Ministério da Saúde e responsável pelo atendimento de mais de 765.000 indígenas no país, já vem sendo denunciado desde o ano passado por entidades indigenistas. Agora, em tempos de pandemia, estes problemas podem impactar de forma dramática a situação desta população. Em nota publicada na sexta-feira, a Articulação dos Povos Indígenas do Brasil, a Apib, cobrou medidas do Governo para evitar uma tragédia entre os indígenas neste momento de pandemia. De acordo com a Sesai, até este domingo foram registrados dois casos suspeitos na população indígena, mas eles foram posteriormente descartados.

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An image of Brazil's President Jair Bolsonaro wearing a protective face mask and the phrase �Hysteria Damages the Economy" is projected on the wall of a building as a protest against the president regarding his handling of the coronavirus COVID-19 outbreak, in Sao Paulo, Brazil, March 21, 2020. - An estimated 900 million people are now confined to their homes in 35 countries around the world -- including 600 million hemmed in by obligatory government lockdown orders -- according to an AFP tally on March 21 at 1900 GMT based on official sources. (Photo by Miguel SCHINCARIOL / AFP)
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A Apib também pediu a distribuição de kits para teste de coronavírus. “Na ausência de vontade política do atual Governo em elaborar um Plano de Contingência para Surtos e Epidemias, considerando as especificidades dos nossos povos, o seu modo de vida comunitário (...) requeremos dos organismos internacionais, principalmente da Organização Mundial de Saúde (OMS) e da Organização Panamericana de Saúde (OPAS) a disponibilização de testes em caráter especial e de urgência para as unidades de saúde indígena”, diz o texto. A entidade também pede o fortalecimento orçamentário da Sesai, encarregada da administração dos 39 Distritos Sanitários Especiais Indígenas, que segundo eles está sendo dilapidada após a eleição de Jair Bolsonaro. O presidente, mesmo antes de tomar posse, já havia adotado uma postura de querer “integrar” os indígenas, bloqueando novas demarcações de terras e também aparelhando a Funai com quadros ligados ao agronegócio. Por fim, a nota da Apib reivindica “medidas de prevenção e atendimento para evitar riscos de contaminação pelo coronavírus nas aldeias, sobretudo naquelas próximas a centros urbanos”.

Questionada pela reportagem, a Sesai informou que “vem disponibilizando, desde janeiro de 2020, mesmo antes da Organização Mundial da Saúde decretar a emergência de Saúde Pública, uma série de documentos técnicos para que os povos indígenas, gestores e colaboradores possam adotar medidas que ajudem a prevenir e tratar a infecção pelo coronavírus”. Ainda de acordo com a pasta, foram disponibilizados “relatórios, recomendações, protocolos de manejos clínicos, ações das equipes multidisciplinares de saúde indígena (...) e um Plano de Contingência Nacional para Infecção Humana pelo novo Coronavírus em Povos Indígenas”. O plano, de 24 páginas, detalha os procedimentos a serem adotados pela autoridades para lidar com a pandemia nas áreas indígenas. Dentre eles estão “abastecer estoque estratégico de medicamentos para atendimento sintomático dos pacientes” e “garantir estoque estratégico de insumos laboratoriais para diagnóstico do vírus”. Até o momento, a Sesai não se manifestou sobre a nota da Apib.

À fragilidade do sistema imunológico de muitos indígenas, principalmente os isolados, que não tiveram contato com a população não indígena, se somam o assédio de madeireiros, agricultores, mineradoras, turistas e garimpeiros às suas terras, formando um caldeirão perfeito para a disseminação de várias doenças —de pneumonia e malária à Covid-19—. Os problemas do atendimento dos povos indígenas não é novo, mas tem potencial catastrófico em tempos de pandemia. “Está em curso uma desestruturação do sistema de atendimento de saúde indígena. O primeiro passo foi a retirada dos médicos cubanos que atendiam pelo Mais Médicos, o que inviabilizou boa parte das equipes multidisciplinares que iam até as aldeias, e que agora muitas vezes foram impedidas de chegar às áreas mais remotas”, afirma Antonio Eduardo Cerqueira de Oliveira, secretario executivo do Conselho Indigenista Missionário. Segundo ele, a Sesai também determinou a suspensão do atendimento em áreas em que a titularidade da terra está em disputa, deixando sem cobertura centenas de índios acampados à beira de estradas ou em conflito com invasores. “É fundamental que os índios possam ser atendidos em sua aldeia ou local de residência, para evitar o deslocamento até uma cidade que amplia os riscos de contágio”, diz Oliveira.

O contato com os isolados

A sombra do contágio também ronda os índios isolados. Um balanço do Instituto Sócio Ambiental estima que existem 86 territórios com presença de grupos sem contato. Nas últimas décadas a Fundação Nacional do Índio adota como diretriz uma política de proteção nestas áreas, evitando qualquer aproximação com estes índios. No entanto, uma portaria da Funai publicada em 17 de março isolads “caso a atividade [de contato] seja essencial à sobrevivência do grupo isolado”. Além disso, o documento delega às 39 coordenações regionais da entidade decidir sobre este contato, sendo que anteriormente cabia à Coordenação-geral de Índios Isolados deliberar sobre o assunto. Em fevereiro, o Governo Bolsonaro indicou para a coordenação o ex-missionário evangélico Ricardo Lopes Dias, para a revolta de organizações indigenistas, que temiam uma mudança na política que é adotada pelo Governo desde o final da ditadura militar: o contato com os povos isolados só acontece quando a iniciativa parte deles.

A portaria foi repudiada pela Apib, que cobrou sua imediata revogação, no que foi acompanhada pelo Ministério Público Federal. O Conselho Indigenista Missionário (Cimi), por sua vez, recomendou a todos os seus integrantes que “evitem visitas a aldeias e cancelem encontros e reuniões que possam expor indígenas e suas comunidades à contaminação”. De acordo com a entidade, estes cuidados buscam contribuir para a “preservação da saúde dos povos indígenas (...) levando em consideração a vulnerabilidade, sobretudo, das populações indígenas recém contatadas e sem contato”. Sobre a portaria, o Conselho se disse “perplexo”: “[causa] repulsa a possibilidade de contato com povos isolados justamente quando a população é convocada a ficar em isolamento, diante da gravidade do coronavírus”. A portaria também suspende a concessão de “novas autorizações de entrada nas terras indígenas”, uma medida que visa deixá-los em uma espécie de quarentena, sem contato com pessoas doentes. Os povos do Parque Nacional do Xingu, por exemplo, já tomaram decisão semelhante para evitar o contágio, segundo informou o site Amazônia Real.

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