Paixão por time de futebol esbarra no bolso e clubes perdem sócios durante a pandemia
Torcedores abandonam programas de sócios com a paralisação dos jogos e pela crise econômica derivada do confinamento. Viabilidade das torcidas organizadas também está ameaçada
Não há vitórias nem derrotas quando a bola deixa de rolar por tanto tempo, mas se existe um lado que, acima de qualquer questão clubística, saiu perdendo com a paralisação dos jogos é o dos torcedores. Há dois meses sem futebol por causa da pandemia de coronavírus, frequentadores de estádios como Vitor Canto, 25, torcedor do Cruzeiro, se viram no prejuízo diante da impossibilidade de usufruir do principal benefício dos programas de sócios. “Entendo que a situação é complicada, mas, como não tem mais jogo, a gente se sente lesado ao pagar por um serviço que está impedido de acontecer”, diz o estudante de administração. “Entre colocar comida na mesa e pagar o sócio, o time de futebol fica em segundo plano.”
Vitor mora com os pais e tem bolsa integral do Prouni na faculdade, mas, desde o início de abril, seu pedido de auxílio emergencial está em análise pelo Governo. Nesse período, deixou de pagar a mensalidade de sócio-torcedor do Cruzeiro para contribuir nas despesas de casa trabalhando como designer gráfico e técnico de informática. “Não consigo arrumar cliente com o comércio parado. Como sou informal, ficou impossível ajudar o clube”, afirma, preocupado com as contas que ainda precisa arcar. O plano de sócio que lhe consome 33 reais por mês é cobrado no cartão de crédito. E as faturas já acumulam o segundo mês de atraso. “É ainda pior, porque a gente fica devendo ao banco, a juros muito maiores.”
Com dívida de aproximadamente 800 milhões de reais, a diretoria do clube mineiro, rebaixado para a segunda divisão, anunciou perda de 50% na arrecadação do programa de sócio-torcedor durante a pandemia, em decorrência dos torcedores que não renovaram seus planos. A receita do clube campestre, ao qual Vitor também é associado, caiu na mesma proporção. O estudante parou de pagar a mensalidade de 150 reais, mas, para não ter a cota suspensa, precisará quitar o débito acumulado após o fim das medidas de isolamento. Em Belo Horizonte, a prefeitura decretou o fechamento de todos os clubes de lazer e não há previsão de reabertura. “Como vamos continuar pagando se não dá pra acessar as dependências do clube?”, questiona Vitor.
Além de sócio, ele é diretor-geral da Pavilhão Independente, uma das maiores torcidas organizadas do Cruzeiro. A crise econômica que afeta toda a cadeia do futebol atingiu em cheio o grupo, que tem três meses de aluguel atrasado em sua sede e dois funcionários sem receber. “Perdemos toda nossa renda”, conta Vitor. “O futebol é o que movimenta a economia das torcidas organizadas. Sem ele, corremos risco de acabar.”
Nos últimos dias, a torcida tem feito queimas de estoque de produtos e rifas que financiaram ações sociais para a entrega de cestas básicas a famílias pobres. “É o que nos mantém unidos neste momento. Estamos apreensivos, porque sabemos que ainda vai levar muito tempo para os torcedores voltarem aos estádios.” Em países com mais êxito no enfrentamento à pandemia, como a Alemanha, a retomada do futebol acontece sem torcida na arquibancada.
Vitor entende que, apesar da penúria financeira, o Cruzeiro poderia fazer algo para ajudar seus torcedores a manter os planos de sócio. O pensamento é compartilhado por Thais Oliveira, 21, sócia-torcedora do Flamengo. Para ela, o clube de maior torcida do país deveria encontrar uma forma de aliviar a conta de seus contribuintes em meio à pandemia. “Não tem jogo e eu continuo pagando mesmo assim, sem nenhuma redução e sem nenhuma satisfação dos responsáveis pelo plano.” Como frequenta todos os jogos do time, a microempreendedora, que diz amargar os impactos da crise, escolheu uma das modalidades de sócio mais caras, que, por 270 reais por mês, dá direito a três ingressos a cada partida. A revenda das duas entradas extras ajudava a bancar a conta.
No entanto, com jogos vetados no Rio de Janeiro, um dos Estados mais afetados pela pandemia, Thais não consegue repassar ingressos nem cancelar o plano por causa da cobrança de taxa de anuidade em caso de desistência. “A política de cancelamento é absurda”, reclama. Indignados com a falta de resposta do clube, outros sócios-torcedores acionaram o Procon para tentar suspender os pagamentos sem multa. O órgão foi procurado pelo EL PAÍS, mas não retornou os contatos.
Desde a paralisação dos campeonatos, o Flamengo, que faturou quase 1 bilhão de reais em 2019, perdeu mais de 10.000 sócios. A diretoria informa que as entregas prometidas pelo plano serão integralmente cumpridas a partir do momento em que as autoridades derem sinal verde para a volta do futebol. Em abril, o programa chamado Nação Rubro-Negra divulgou um manifesto reivindicando a adesão de torcedores.
Rival do time da Gávea, o Vasco busca superar a situação dramática nas finanças, sufocadas por uma dívida de 700 milhões de reais, com a ajuda do torcedor. No ano passado, o clube ganhou mais de 150.000 novos sócios em uma promoção. Porém, entre abril e maio, as baixas no programa superaram 3.000 torcedores. “É ruim ter de pagar por algo que não poderemos usar este ano, mas penso que todos os torcedores devemos continuar ajudando o clube”, diz o catarinense e vascaíno Marlon Albuquerque. Para segurar contribuintes, a diretoria agora disponibiliza bonificações a quem renovar o plano. Correntes políticas do clube ainda lançaram campanhas incentivando sócios a manter os pagamentos em dia.
Outros clubes também se mobilizam para contornar a debandada de associados na crise. O Atlético-MG anunciou uma extensão gratuita de três meses aos planos de torcedores adimplentes e novos sócios. “Todos nós torcemos que tudo isso passe o mais rápido possível, para voltarmos à nossa rotina”, disse o presidente Sérgio Sette Câmara. O Fortaleza adotou medida parecida, com dois meses a mais de gratuidade.
Já o Fluminense oferece descontos na mensalidade e na adesão. A cada baixa no programa de sócios, o time carioca tem somado uma média de três novos contribuintes. No Bahia, a saída foi uma campanha para que torcedores antecipassem três parcelas de pagamento. Como estímulo, o presidente Guilherme Bellintani quitou as mensalidades de seu plano até 2031. Mais de 1.000 sócios deram sua contribuição antecipada ao programa, que, atualmente, é a única fonte de renda do tricolor baiano.
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