Havan no Vasco, a história em jogo por um patrocínio
Potencial patrocinador expõe encruzilhada de um clube com vocação popular atrelado à imagem do empresário que repele ativismo em prol das minorias
Na última terça-feira, o presidente vascaíno Alexandre Campello visitou a sede da Havan, em Santa Catarina, para tratar com Luciano Hang de um possível patrocínio. O empresário se interessou em expor sua marca no uniforme do time carioca após um grupo de torcedores subir a hashtag #HavanNoVasco. No mundo ideal, instituições esportivas rejeitariam investimentos de empresas com as quais não partilham valores. No sistema mercantilista do futebol, porém, dinheiro está acima da própria história dos clubes. A aproximação entre Vasco e Havan se encaixa nesse contexto.
A questão vai além do pragmatismo, do “pagou, levou”. Contratos de publicidade da Havan, em geral, estão atrelados ao alinhamento ideológico com patrocinados. Entre vários exemplos, a empresa vetou recentemente propagandas na Globo por discordar da linha editorial da emissora. Várias personalidades com as quais mantém acordos publicitários se engajaram durante a última eleição na campanha do presidente Jair Bolsonaro, a quem Hang permanece fiel. O Athletico Paranaense, outro time da primeira divisão patrocinado pela Havan, chegou a ser multado em 70.000 reais pelo Superior Tribunal de Justiça Desportiva (STJD) por fazer manifestação política ao usar uma camisa semelhante à confeccionada pelo empresário com mensagem de apoio subliminar a Bolsonaro.
Como agiria o Vasco, clube que se tornou popular por agregar negros, pobres e operários no início de sua trajetória pelo futebol, vinculado a uma empresa cujo dono tacha de “mimimi” a luta contra o racismo e a desigualdade? É verdade que o time de São Januário está sufocado por dívidas, deve pelo menos dois meses de salários ao elenco principal e não consegue pagar em dia nem mesmo o salário de seus funcionários mais humildes, que têm sofrido com privações diante de tantos atrasos. Novas receitas, neste momento, são essenciais para as contas cruzmaltinas.
Porém, é bom que os dirigentes saibam onde estão pisando. Por toda sua história, o Vasco tem a obrigação de expressar claramente a qualquer patrocinador potencial —sobretudo a um peculiar como a Havan, dirigida por empresário bolsonarista e caricato agitador da extrema direita no país— os princípios corroborados por boa parte da torcida antes de celebrar os termos do acordo. Até porque a adesão a causas sociais é uma página em aberto no presente do clube, que, para realmente honrar a tradição, demanda engajamento ainda maior a favor das minorias que configuram sua identidade.
Depois de uma mobilização que rendeu mais de 150.000 novos sócios nas últimas semanas, a gestão Campello, em que pese o aperto nas finanças, precisa ponderar se as cifras oferecidas compensam o desgaste de associar a imagem do time a um patrocinador que atrela marketing à militância por valores opostos aos que deveriam nortear a instituição. Enquanto uma parcela apoia o patrocínio, muitos vascaínos que reverenciam o imaginário de clube inclusivo —e têm aderido a campanhas de enfrentamento ao racismo e cânticos homofóbicos nas arquibancadas— se posicionam contrários ao acerto com a Havan.
O futebol, como outras atividades, obedece à lógica impositiva das relações econômicas, em que dinheiro no bolso não costuma ver cara nem coração. Mas o Vasco, como outros times que simbolizam a paixão pelo esporte mais popular do país, carrega o valor intangível de milhões de torcedores representados por suas cores. Princípios são inegociáveis. Independentemente do desfecho das tratativas com a Havan, o clube sempre deve prevalecer sobre os caprichos de investidores e empresários.
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