A assinatura de Perrella no rebaixamento do Cruzeiro
Imune a escândalos na política, ex-senador retornou ao clube com status de salvador da pátria, mas não conseguiu evitar que o time mineiro caísse pela primeira vez
Em 2020, o Cruzeiro disputará a segunda divisão do Campeonato Brasileiro. Até este domingo, o time celeste nunca havia sido rebaixado. O inédito descenso à Série B, confirmado após a derrota para o Palmeiras na última rodada, surge em um momento de colapso das finanças, abaladas por uma dívida superior a 600 milhões de reais, atrasos de salário recorrentes e suspeitas de lavagem de dinheiro que levaram a polícia a abrir investigações contra dirigentes. No meio do caos, com o time na zona de rebaixamento, retornou ao comando do futebol, em outubro, um velho conhecido do torcedor cruzeirense: Zezé Perrella, que revezou-se com o irmão Alvimar na presidência do clube ao longo de uma dinastia que durou 17 anos.
Com status messiânico, Perrella voltou prometendo colocar salários em dia e acalmar os ânimos no vestiário, inflamado por jogadores insatisfeitos por causa dos pagamentos atrasados, rachas e falta de comando. Porém, em vez de pacificar, a presença do cartola gerou ainda mais conflitos. Sua primeira decisão de impacto foi demitir o técnico Abel Braga, a três rodadas do fim do campeonato. Para substituí-lo, chamou Adilson Batista, que chegou sem contrato assinado. “Vem, tira o Cruzeiro dessa e depois a gente conversa”, contou ao resumir o convite com cheque em branco ao treinador.
No mesmo dia, o dirigente resolveu assumir parte da culpa pela situação da equipe, mas, em seguida, não hesitou em distribuir responsabilidades. O primeiro alvo foi o meia Thiago Neves, afastado após participar de uma festa. “Ele mexeu com a pessoa errada”, disse Perrella, criticando o comportamento do jogador. Depois, Mano Menezes, o primeiro técnico do time na temporada. E, por fim, a antiga gestão, a quem acusou de hiperinflacionar a folha salarial do elenco a troco de títulos. Uma administração alçada ao poder com a bênção do ex-presidente, que apadrinhou Gilvan de Pinho Tavares como seu sucessor, herdeiro de uma dívida de 112 milhões de reais.
Apesar de ser oposição ao atual presidente Wagner Pires de Sá, Perrella nunca deixou de ter influência na cúpula cruzeirense. Um antigo aliado virou o mandachuva do futebol. Itair Machado acumulava processos na Justiça por causa de sua gestão negligente com as finanças em clubes menores, mas foi galgado à vice-presidência do Cruzeiro em 2017. Na Toca da Raposa, manteve a política agressiva de contratações, embora as contas do clube recomendassem o caminho inverso. O time sagrou-se bicampeão da Copa do Brasil. Por outro lado, o endividamento saiu do controle, e o ambiente interno ruiu depois do Ministério Público requisitar a abertura de investigações contra dirigentes por suspeita de desvios de recursos.
Itair chegou a ser afastado do cargo pela Justiça. Retornou após um grupo de conselheiros ligados a Perrella solicitar a revogação da liminar. Diante do agravamento da crise em campo, o vice foi definitivamente destituído devido a um “acordão” que garantiu a volta de Zezé Perrella. “Na hora de ajudar, todo mundo foge, tudo cagão”, disse o dirigente ao alfinetar conselheiros de oposição. Como presidente do Conselho Deliberativo do clube, Perrella aprovou balanços da gestão Pires de Sá e jamais contestou a estratégia de gastos desmesurados. Entretanto, ao assumir o futebol, reclamou das mordomias concedidas pela direção a funcionários e prometeu um teto de 30.000 reais de salário a executivos. No início do ano, o mesmo Zezé indicara o filho Gustavo Perrella para ocupar a diretoria de relações institucionais com remuneração de 95.000 reais. Ele exerceu a função por dois meses.
Em seu último mandato como presidente, Zezé utilizou o clube celeste como trampolim eleitoral para a candidatura a deputado estadual de Gustavo, nomeando-o, sem nenhuma experiência prévia em gestão esportiva, como vice de futebol da equipe, em 2009. Depois de eleito, o filho conhecido como Perrellinha sumiu do Cruzeiro em menos de um ano no cargo. Na época, Zezé nem se esforçou para destacar seus méritos profissionais: “Eu não faço média. Prefiro colocar uma pessoa em quem eu confio para trabalhar comigo.” Ambos, pai e filho, são investigados pela Justiça por suspeitas de corrupção no escândalo de propina da JBS envolvendo o deputado e amigo da família, Aécio Neves (PSDB), e na utilização de verba indenizatória da Assembleia Legislativa mineira para abastecer o helicóptero apreendido com 445 quilos de cocaína em 2013 – eles não foram indiciados no processo criminal sobre a origem da droga e negam qualquer ligação com o episódio.
Enquanto a atual diretoria tenta se livrar das acusações por lavagem de dinheiro, Perrella, por sua vez, se defende em duas ações de improbidade administrativa e enriquecimento ilícito movidas pelo MP que aguardam julgamento no Tribunal de Justiça de Minas Gerais. Depois de exercer o mandato de senador suplente, no lugar de Itamar Franco, ele se retirou da política para cuidar de seus negócios e acabou regressando ao palco que lhe deu projeção nacional, o futebol. Fiador de empréstimos bancários, se mantém como uma espécie de eminência parda no clube, o salvador da pátria à espera de um chamado dos súditos cruzeirenses para acudir o time em momentos delicados.
Dessa vez, contudo, não foi capaz de evitar o rebaixamento para a segunda divisão. Sob a batuta de Adilson Batista, o time perdeu suas três partidas finais e não marcou nenhum gol. Foram apenas dois meses de comando, o suficiente para Perrella se indispor com os principais nomes do elenco, que não estiveram em campo no jogo derradeiro contra o Palmeiras, por relativizar os salários atrasados. “Jogador de futebol hoje em dia está ganhando tanto dinheiro que não é possível que ficar sem receber dois meses vai fazer falta”, afirmou na semana passada. Se não houve tempo para a salvação, sobrou ao menos para que o dirigente deixasse sua assinatura na página mais triste da história do Cruzeiro.
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