O planejamento por trás de Rogério Ceni que levou o Fortaleza à elite no ano do centenário
Entre os fatores que contribuíram para o título da série B em 2018 estão a estratégia de marketing no aniversário de 100 anos e o aporte financeiro de senador eleito no Ceará
A primeira vista, o homem mais conhecido do Fortaleza senta no banco de reservas. Desde dezembro de 2017, falar do time cearense é falar de Rogério Ceni, ex-jogador que detém o status de maior goleiro-artilheiro da história do futebol, ídolo do São Paulo e, agora, treinador. Depois de uma experiência mal-sucedida comandando o time paulista um ano depois da aposentadoria de atleta, Ceni topou assumir o Fortaleza em 2018, ano do centenário do clube, e acabou campeão nacional da segunda divisão. Agora, está de contrato renovado para 2019. Mas, como é comum em uma campanha vitoriosa, outros fatores extracampo além do trabalho do treinador permitiram a volta dos cearenses à elite. Entre eles, um político mecenas durante um período de crise, o consumo da torcida local e o marketing planejado para o aniversário de 100 anos do clube.
Rebaixado para a série B em 2006, o Fortaleza disputou por três anos a divisão de acesso até cair para a série C, em 2009. Foram oito anos com campanhas decepcionantes na terceira divisão, não condizentes com a relevância nacional do Tricolor. “Inferno; é assim que chamamos a série C”, confessa Eduardo Damasceno, microempreendedor cearense e torcedor do clube. O fim do sofrimento só veio em 2017, quando o Fortaleza conquistou a volta à segunda divisão logo no ano mais complicado administrativamente. “O ano passado foi o mais conturbado dessa época. A gestão [comandada pelo presidente Jorge Mota] renunciou coletivamente em abril, após o time não chegar na final do campeonato cearense”, conta Marcelo Paz, atual presidente do Fortaleza. Quem assumiu foi Luís Eduardo Girão, milionário, empresário e hoje senador eleito do estado do Ceará.
Paz era diretor de futebol na gestão de Girão. “O presidente botou cerca de sete milhões de reais do próprio bolso para bancar o Fortaleza em 2017. O clube não tinha receita, perspectivas de vendas ou sequer elenco, mas tinha dívidas. O aporte dele foi preponderante”. O então diretor ressalta que, se não fosse o mecenato do empresário, não teria sido possível a reestruturação do clube no meio da temporada e o consequente acesso, que permitiu o Leão do Pici jogar a série B no ano de seu centenário.
Luís Eduardo Girão renunciou em novembro de 2017, sete meses depois da posse e com a missão da classificação cumprida. “Ele nunca foi muito do futebol”, argumenta Damasceno. O torcedor recorda que o empresário não era muito conhecido do público cearense, mas que também não usava o clube como palanque para a futura candidatura política. “Ele não dava muitas entrevistas, não aparecia muito como presidente; inclusive se escondia. Mas muita gente votou nele [para senador em 2018] como forma de gratidão”, explica o cearense que também coordena um site de torcedores sobre o Fortaleza chamado Bora Leão. Segundo ele, no entanto, os principais responsáveis pela eleição de Girão foram o apoio do candidato do PROS ao presidente eleito Jair Bolsonaro (PSL) e o descrédito de Eunício Oliveira, presidente do senado e postulante à reeleição no Ceará. O senador mais votado foi Cid Gomes (PDT), com 41,62% dos votos, enquanto Girão superou Eunício por cerca de 12.000 votos na briga pelo segundo posto: 17,09% contra 16,93%.
Em troca do mecenato, o senador eleito ficou com a porcentagem dos direitos do atacante Everton, hoje no Grêmio, que pertencia ao Fortaleza. Marcelo Paz garante que a injeção financeira foi uma prática exclusiva de seu antecessor. “Quando eu assumi, disse pra todo mundo que não tinha dinheiro para bancar o clube. Disse que teríamos de fazer uma gestão criativa e gerar novas receitas”. “Acho que foi uma circunstância que não deve se repetir”, corrobora Damasceno. “Em 2018, já tocaram o clube com as próprias pernas e deu certo”.
Com as próprias “pernas”, o Fortaleza se aproveitou do centenário para, através do marketing, gerar as receitas necessárias dentro da série B. A marca de uniformes, Leão 1918, pertence ao próprio clube e existe desde 2016, mas foi otimizada com Paz na presidência; foram lançados três uniformes especiais para o centenário, além de uma camisa em homenagem à seleção brasileira, uma para a campanha Outubro Rosa e uniformes de goleiro. Além dos uniformes, o programa de sócio torcedor foi outra estratégia mercadológica da gestão para alcançar os objetivos financeiros. Com 14.000 sócios no fim de 2017, o clube cearense dobrou o número de adimplentes durante o ano do centenário. “Pra mim, é o principal fator da virada do marketing do Fortaleza. Vejo diversas ações para atrair novos sócios e segurar os que já tem”, confirma Eduardo Damasceno.
O número de sócios reflete no público do Fortaleza, que manda seus jogos no Castelão, durante a série B: a média foi de 23.931 pessoas por jogo no ano, perdendo apenas para Flamengo, Palmeiras, Corinthians e São Paulo no âmbito nacional. “Além da energia, o apoio da torcida gerou receita e consumo. Foi uma das coisas que possibilitou nossa ousadia de trazer jogadores de qualidade e fechar o ano com uma folha salarial maior do que a prevista”, conta Paz. No meio da temporada, o Fortaleza perdeu o atacante Osvaldo e o meia Edinho, negociados, e o artilheiro Gustavo, machucado, todos pilares da equipe de Ceni. Mas a diretoria conseguiu substituir com nomes como Marcinho, do Internacional, e Ederson, do Atlético Paranaense.
Paz e Damasceno recordam o outro momento de crise do Fortaleza em 2018, quando o time perdeu a final do campeonato cearense para o maior rival, Ceará. “A torcida pedia a saída dele e o presidente manteve”, diz o torcedor. O vice-campeonato estadual fez com que a diretoria entrasse na série B com expectativas modestas: “Considerávamos aceitável ficar entre os dez primeiros e um sucesso caso chegasse em quarto”. Das 38 rodadas do campeonato, o Fortaleza liderou a tabela por 36. O título coroou uma campanha que teve 21 vitórias, oito empates, nove derrotas e 71 pontos somados.
Com Rogério Ceni renovado no comando, Marcelo Paz já pensa em 2019 e garante que o planejamento já começou. Carlinhos, lateral-esquerdo ex-América Mineiro, foi contratado, e já houve outras renovações de nomes importantes como Ederson e Derley. Ano que vem, o Tricolor enfrentará o arquirrival na elite brasileira após 25 anos. O Ceará, apesar de ameaçado durante toda a primeira divisão, fugiu do rebaixamento em um ótimo trabalho de recuperação do treinador Lisca. Paz enxerga méritos no rival, entretanto garante que não se espelha no alvinegro. “Nosso objetivo é permanecer, mas o Ceará não é nosso modelo, apesar do bom trabalho”. E reforça: “Para o planejamento, é fundamental não cair no primeiro ano na série A”.
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