Copa do Mundo começa com esperanças para o Brasil e testes de poder para Putin
Por trás da grande festa do futebol, que começa nesta quinta, há um Brasil que tenta se desvincular das máculas fora do campo. E também uma Rússia confrontada com ameaças de terrorismo e hooliganismo

Depois do estrondoso fracasso em casa, há quatro anos, poucos poderiam imaginar que a seleção brasileira chegaria à Copa do Mundo Rússia 2018 não só como uma das principais favoritas, mas também exibindo um futebol que voltou a encher os olhos do torcedor brasileiro. Sob o comando de Tite, que assumiu o cargo de treinador somente em 2016, o Brasil classificou-se em primeiro lugar nas Eliminatórias sul-americanas, espantando o fantasma alimentado pela gestão Dunga que ameaçava deixar o país de fora de uma Copa pela primeira vez na história. A seleção estreia no próximo domingo, contra a Suíça, em Rostov-do-Don.
Mais do que retomar o prestígio internacional da seleção, abalado pelo 7 a 1 contra a Alemanha, Tite tem como desafio na Copa desvincular o time de Neymar e companhia dos escândalos de corrupção que arranharam a imagem da Confederação Brasileira de Futebol (CBF) nos últimos anos. O técnico se esforça para transmitir um discurso de ética e transparência no que diz respeito à parte futebolística. Pretende lutar pelo hexacampeonato competindo de forma leal, sem apelar para malandragens e o “jeitinho brasileiro”, que, em outras Copas, se tornaram uma marca tão associada à camisa amarela quanto a mística do futebol-arte. Destaca a todo o momento o senso coletivo que ajudou a incutir na seleção. “Temos jogadores extraordinários, como o Neymar”, disse Tite depois da vitória contra a Áustria, no último amistoso antes do Mundial. “Mas eles fazem parte de um conjunto forte, que funciona para privilegiar as individualidades na hora certa.”
Em sua força-tarefa pessoal para fazer com que a seleção brasileira seja lembrada apenas pelo futebol, o técnico ressaltou antes de embarcar para a Rússia que, caso o Brasil seja campeão, não irá a Brasília para a tradicional recepção à delegação no Planalto, rechaçando um possível encontro com o presidente Michel Temer. Pela crise de representação no país, que colocou até mesmo seu nome entre os cotados em pesquisas eleitorais, Tite tenta evitar que o time se transforme em instrumento de manobra na mão de políticos e cartolas.
Por outro lado, a CBF jogou um balde de água fria nesse esforço antes mesmo do início da Copa. Presidente da confederação após o banimento de Marco Polo Del Nero, indiciado por corrupção pelo FBI, Antonio Carlos Nunes, conhecido como Coronel Nunes, provocou uma crise diplomática em Moscou ao votar no Marrocos para sediar o Mundial de 2026, ignorando o combinado com a Conmebol de apoiar a candidatura conjunta de Canadá, Estados Unidos e México. Depois da gafe, executivos da CBF se empenham para isolar o Coronel, de 80 anos, sobretudo de aparições públicas. Apesar da boa fase em campo, a seleção ainda sofre para escapar dos estilhaços provocados pelos deslizes de seus dirigentes.
Entre os caprichos de Putin e o hooliganismo
Vladimir Putin não gosta de futebol, mas será a bola e tudo o que gera a organização de uma Copa do Mundo que medirão a partir desta quinta-feira o presidente russo e a capacidade de organização da Rússia. Pela primeira vez em vinte e uma edições, a grande festa da bola viaja a um país do Leste da Europa graças ao empenho pessoal e ao esforço financeiro realizado e promovido pelo presidente russo. Nos tempos da cortina de ferro teria sido impensável que a FIFA escolhesse o país para sediar a competição que faz transbordar seus cofres a cada quatro anos.
Esta Copa do Mundo se tornou o estandarte do renascimento da Rússia como superpotência econômica e política. Putin e o país estão jogando seu prestígio com as atenções do planeta futebol voltadas a sua capacidade de vencer duas grandes ameaças: o terrorismo islâmico e os hooligans locais. Os centros nevrálgicos das cidades-sede, as concentrações das seleções e os estádios se transformaram em bunkers e formam uma paisagem pré-bélica. Somente em Moscou foram mobilizados 30.000 soldados para garantir a segurança do evento.
Desde a Eurocopa de 2016, realizada na França, os ultras russos ostentam a supremacia e a bandeira da barbárie anteriormente agitada pelos hooligans ingleses. Tanto quanto a extrema violência dos torcedores violentos, a FIFA está preocupada com episódios de racismo, homofobia e xenofobia que possam ocorrer. “Nosso país está pronto para organizar a Copa do Mundo, garantir a todos que vierem à Rússia o máximo de conforto e deixar-lhes as emoções mais positivas”, declarou Putin com sua fria veemência durante o 68º Congresso da FIFA. Lá, pouco antes de a candidatura conjunta de Estados Unidos, México e Canadá ser designada sede da Copa de 2026, e como se fossem dois capitães antes de iniciar um jogo, Gianni Infantino entregou uma flâmula da FIFA a Putin. Talvez esse tenha sido o gesto mais futebolístico que Putin já protagonizou na vida. Nesta quinta-feira, Putin assistirá no luxuoso camarote do estádio Luzhniki, em Moscou, ao início de uma Copa histórica por conta da introdução da tecnologia de arbitragem. O árbitro argentino Néstor Pitana pode entrar na história se com a ajuda do VAR elucidar um lance duvidoso. Há mais expectativa para determinar o impacto da arbitragem por vídeo no desenvolvimento do jogo e no resultado do que a respeito do futebol que possa ser mostrado por Rússia e Arábia Saudita.
O desafio da Alemanha
Na verdade, o grande tiro de partida futebolístico acontecerá na sexta-feira, agigantado pela bomba-relógio em que a Espanha se transformou depois do tsunami da saída de Lopetegui e a presença de Cristiano Ronaldo. Será a primeira das três grandes vedetes a entrar em cena. Como Messi, o português pode estar diante de sua última oportunidade de ganhar uma Copa. Neymar ainda tem mais horas de voo para alcançá-la. Os três disputam neste evento o trono de melhor jogador do mundo, agora que um esporte coletivo como o futebol superdimensiona como nunca a dignidade individualista da Bola de Ouro. Competirão por essa glória euísta em um torneio em que só faltará Gareth Bale como representante do estrelato mundial. Os franceses Antoine Griezmann e Kylian Mbappé são os dois grandes candidatos para tentar desbancar esse grande tríptico.
Coletivamente, a Alemanha defende o título sem uma megaestrela, mas com um buquê dos campeões de 2014 e uma geração de jovens liderada por Goretzka que reafirmou a guinada para a supremacia através da bola. Os alemães abordam a empreitada de ser a primeira seleção a conquistar duas Copas do Mundo consecutivas desde que o Brasil alcançou o feito com as de 1958 e 1962. Também buscarão igualar os cinco títulos dos brasileiros. E de fundo, como sempre, a luta pela hegemonia entre a Europa e a América do Sul. Se a Alemanha aspira a imitar o bicampeonato do Brasil depois de ter sido a primeira seleção europeia a conquistar a Copa do Mundo do outro lado do oceano, o Brasil aspira a sua segunda conquista na Europa depois daquela de 1958 na Suécia. Sem a Itália, Argentina, Espanha, França e Portugal são os grandes candidatos para impedir que brasileiros e alemães prolonguem sua hegemonia.
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