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A Copa do Mundo coroa o ‘czar’ Putin

Após um período de dificuldade, o líder russo recupera força graças à divisão no Ocidente, ao sucesso na Síria, à alta do petróleo e à melhoria nas relações internacionais

Pilar Bonet
O presidente russo, Vladimir Putin, durante uma entrevista coletiva na China, no domingo passado.
O presidente russo, Vladimir Putin, durante uma entrevista coletiva na China, no domingo passado.Alexander Zemlianichenko (AP)

Às vésperas da Copa do Mundo de futebol na Rússia, o presidente Vladimir Putin aparece radiante, prometendo hospitalidade a atletas, torcedores e turistas, e fortalecido no cenário internacional. Seus oponentes ocidentais, com sua inconsequência e suas picuinhas internas, contribuíram muito para melhorar a imagem do líder russo, que, graças sobretudo ao presidente norte-americano, Donald Trump, foi o autêntico vencedor à distância da última cúpula do G7 no Canadá.

Em 1997, o clube dos países mais ricos se ampliou com a incorporação da Rússia e se transformou no G8. Em 2014, os sócios daquele fórum de elite expulsaram Putin por causa da anexação da Crimeia e da sua intervenção no Leste da Ucrânia. Omitindo as razões dessa ausência, Trump aproveitou a cúpula anual do G7 no Canadá para convidar o russo a retornar ao clube, dizendo que lhe parecia inconcebível se reunir para discutir os assuntos do mundo sem a participação de Moscou.

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Agindo como principal porta-estandarte da memória histórica europeia no G7, a alemã Angela Merkel recordou a Trump que as razões para a exclusão da Rússia ainda subsistem. Entretanto, em quatro anos o conflito na Ucrânia se relativizou no ambiente midiático internacional. A chegada de Trump à Casa Branca, com as prioridades e os impulsivos tuítes que caracterizam a política norte-americana desde então, contribuíram para eclipsar o problema ucraniano. Outros fatores foram o envolvimento da Rússia em novas e mais sangrentas frentes bélicas, como a Síria, a desafortunada política de Kiev em relação aos seus territórios conflitivos, a crise econômica e a corrupção.

Nas propostas favoráveis a revisar as relações com Moscou se combinam diversas motivações, do aumento dos preços do petróleo, que favorecem a Rússia, à capacidade de Putin de resistir e manter sua linha, apesar do efeito negativo das sanções sobre sua economia, e o peso da Rússia como potência militar. No outro prato da balança, contra uma revisão da política ocidental com relação a Moscou, estão a militarização e o nacionalismo em expansão na Rússia e o valor atribuído ao caso da Ucrânia como precedente e “aviso aos navegantes” para outros países que a Rússia considera parte da sua esfera de influência. A isto se somou a suspeita, em Washington e outras capitais, de que o Kremlin interfere na sua política interna e nos processos eleitorais.

Putin não fez nenhuma concessão com relação à Ucrânia além de encerrar a fase bélica do conflito no leste desse país. O líder apoia os separatistas pró-russos do Leste como um instrumento de pressão sobre Kiev e, no que se refere à Crimeia, não quer olhar para trás nem mesmo para pagar a fatura da anexação a Kiev (pelo menos por enquanto). Embora pertença à Ucrânia do ponto de vista do direito internacional, a Crimeia na prática está cada vez mais integrada à Rússia, à qual foi unida por uma custosa ponte. Desde meados de maio, dezenas de milhares de carros cruzam o estreito de Kerch, entre a região de Krasnodar e a Crimeia, por esta obra de engenharia construída em tempo recorde.

Os apelos da oposição liberal russa a boicotar a Copa como resposta à anexação fracassaram, como fracassaram também as convocações de boicote aos Jogos Olímpicos de Inverno em Sochi, em fevereiro de 2014. A Ucrânia não está em condições de boicotar nada, porque nem chegou a se classificar para a Copa.

O pragmático empresariado europeu há anos pressiona seus governos contra as sanções. Seus argumentos se reforçaram sobre o pano de fundo da política de protecionismo comercial adotada por Trump, que ameaça fragmentar o G7 e transformá-lo em um “G6+1”. Putin não desperdiçou a chance de fazer propaganda dos mercados euroasiáticos: foi à China em visita de Estado e depois participou de uma cúpula de chefes de Estado da Organização de Cooperação de Xangai (OSCH) em Tsindao, que praticamente coincidiu com a cúpula do G7 no Canadá.

Respondendo a perguntas de jornalistas russos sobre a oferta de retorno ao G7, Putin evitou expressar sarcasmo ou vingança. “Não iremos embora. Os colegas no seu momento se negaram a vir à Rússia pelas causas conhecidas. Por favor, estaremos muito contentes de vê-los todos conosco em Moscou”, disse com elegância. Anteriormente, porta-vozes oficiais tinham assegurado que a Rússia já não tinha interesse pelo G8, e que suas prioridades estavam em estruturas como a OCSH e outros fóruns, seja de países pós-soviéticos ou de Estados emergentes, como os BRICS, e também o G20, mais representativo da globalidade que o clube dos sete. Putin comparou o G7 e a OCSH e disse que, em termos de poder aquisitivo, a segunda organização já superou a primeira. Nos cálculos per capita o G7 é mais rico, mas o volume econômico dos países da OCSH é maior, explicou o líder russo. Mais da metade da população do planeta está em países integrados à OCSH, salientou.

Putin foi ao socorro de Trump em sua discussão com o chefe de Governo canadense, Justin Trudeau. Mencionando a associação de países pós-soviéticos mais integrados entre si, a União Econômica Euroasiática, da qual são sócios a Rússia, Belarus, Quirguistão, Cazaquistão e Armênia, Putin declarou: “Entre nós também surgem discussões e também nem todos assinam tudo em seguida. Acho que é uma prática habitual, e que temos que aceitar isso de forma tranquila e sem ironia”.

O líder russo reiterou seu interesse em uma reunião pessoal com Trump, a quem elogiou como uma pessoa “reflexiva, que sabe escutar”, e assegurou que estava disposto a ir a uma cúpula “imediatamente”, assim que o lado norte-americano estivesse preparado para isso.

Na China, Pequim e Moscou confirmaram sua disposição em “respeitar as regras do comércio mundial elaboradas no mundo e aceitas por todos”, disse Putin, que, referindo-se ao “terreno escorregadio” da solidariedade ocidental no caso do ex-agente russo Serguei Skripal, exortou os membros do G7 a deixarem de lado a “charlatanice criativa” e passar à “cooperação real”. Exemplo desta cooperação é sem dúvida a mantida pelos líderes da Rússia e China, que, além de degustarem juntos embutidos regados a vodca no aniversário do primeiro, se condecoraram mutuamente; no ano passado, o russo ao chinês com a Ordem do Apóstolo Andrei Protocletos, e neste ano o chinês ao russo com uma nova Ordem da Amizade.

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