_
_
_
_
Governo Bolsonaro
Coluna
Artigos de opinião escritos ao estilo de seu autor. Estes textos se devem basear em fatos verificados e devem ser respeitosos para com as pessoas, embora suas ações se possam criticar. Todos os artigos de opinião escritos por indivíduos exteriores à equipe do EL PAÍS devem apresentar, junto com o nome do autor (independentemente do seu maior ou menor reconhecimento), um rodapé indicando o seu cargo, título académico, filiação política (caso exista) e ocupação principal, ou a ocupação relacionada com o tópico em questão

“Divide e reina”, a estratégia diabólica de Bolsonaro

O presidente conseguiu criar cizânia e balbúrdia em todas as instituições. No Congresso e no Supremo, passou da ameaça de fechá-los a dividi-los entre si, acabando por politizá-los ainda mais

O presidente Jair Bolsonaro durante cerimônia de abertura do ano legislativo no Congresso, em 3 de fevereiro.
O presidente Jair Bolsonaro durante cerimônia de abertura do ano legislativo no Congresso, em 3 de fevereiro.SERGIO LIMA (AFP)
Juan Arias
Outros artigos de Juan Arias
Former Brazil's President Luiz Inacio Lula da Silva adjusts his face mask after voting at a polling station during the municipal elections in Sao Bernardo do Campo, Brazil, November 15, 2020. REUTERS/Amanda Perobelli
O angustiante dilema de Lula ao final de sua vida política
A woman wearing a protective face mask prepares flowers to decorate a temple ahead of the Chinese Lunar New Year celebration, following the coronavirus disease (COVID-19) outbreak, in Jakarta, Indonesia, February 4, 2021. REUTERS/Ajeng Dinar Ulfiana
Ressuscita o tema do nascimento anômalo das flores, o “mistério abominável” de Darwin
Brazil's President Jair Bolsonaro and Brazil's Health Minister Eduardo Pazuello react during a ceremony to announce a mass coronavirus disease (COVID-19) immunization program, at the Planalto Palace in Brasilia, Brazil, December 16, 2020. Picture taken December 16, 2020. REUTERS/Ueslei Marcelino
A hipocrisia de fazer do ministro Pazuello o bode expiatório para tentar salvar Bolsonaro

A estratégia do “divide e reina” remonta ao Império Romano e a frase é atribuída ao imperador Júlio César. Foi também usada pelo cristianismo e atribuída a Satanás, o rei da discórdia e da divisão. Também foi adaptada às guerras e guerrilhas modernas e até mesmo às democracias, para ganhar eleições. Trata-se de criar confusão para confundir e dividir a sociedade enquanto o déspota se fortalece.

Essa tem sido a tática de Bolsonaro, tanto na campanha eleitoral como agora no Governo. Se Satanás é visto como o rei da mentira, Bolsonaro é o melhor expoente das fake news, da mentira sistemática para confundir e desconcertar a população.

Bolsonaro confundiu a sociedade e a dividiu com suas ambiguidades na gestão da pandemia, primeiro minimizando-a, depois aconselhando medicamentos que a ciência e a medicina consideram ineficazes e até perigosos.

Dividiu novamente a sociedade sobre a importância da vacina, criando uma corrente contra ela. Com isso, adiou a aquisição do imunizante, politizando-o. Fomos um dos últimos países a iniciar o processo de vacinação, a única possibilidade de combater a propagação da covid-19 e suas variantes cada vez mais contagiosas. E assim ele dividiu a sociedade.

Mentiu descaradamente, jogando por terra todas as promessas feitas durante a campanha eleitoral contra a velha política e contra a corrupção que agora está exposta em sua própria família. Ele se tornou assim o maior cruzado na guerra para encerrar a luta pela moralidade político-empresarial.

E talvez sua estratégia de dividir para reinar tenha ficado mais clara nas eleições para a presidência da Câmara e do Senado. Bolsonaro conseguiu impor seus candidatos, mas à custa de dividir e pôr em confronto os partidos, que saíram desgastados da batalha.

Foi uma jogada que fortaleceu seu poder ao mesmo tempo em que frustrou a possibilidade de criar uma frente ampla que poderia derrotá-lo nas eleições presidenciais. Sua tática deu bons resultados para ele, pois os partidos saíram da luta enfraquecidos e estão como baratas tontas tentando, por enquanto em vão, recolher os escombros da batalha perdida.

Apoie a produção de notícias como esta. Assine o EL PAÍS por 30 dias por 1 US$

Clique aqui

E ainda tem mais. Bolsonaro também conseguiu criar cizânia e balbúrdia em todas as outras instituições, que parecem cada dia mais divididas e confusas. No Congresso, no Supremo Tribunal Federal e na Justiça, passou da ameaça de fechá-los a dividi-los entre si, acabando por politizá-los ainda mais.

Tem sido sua tática diabólica ir contaminando as instituições e a sociedade, aproveitando-se disso para escapar das dezenas de pedidos de impeachment contra si que dormem no Congresso.

Enquanto as forças democráticas não entenderem a política de Bolsonaro de dividir para reinar, acabarão se devorando ao passo que o déspota e golpista vai ficando mais robusto, dando de presente bilhões em dinheiro público para comprá-las e tê-las a seus pés.

Será necessário ver como a sua política de colocar uns contra os outros no melhor estilo de sua política negacionista e de desorientar a sociedade terá consequências na recuperação econômica de um país que ele próprio disse que está quebrado e onde as intrigas políticas criadas pelo presidente aumentam cada vez mais a pobreza e até a miséria.

Isso faz com que a imagem do Brasil esteja no seu pior momento em décadas, segundo revelou um estudo realizado pela Curado Consultoria Associados, especializada em gestão de imagem, publicada pelo jornal O Estado de S. Paulo. O estudo analisou as informações sobre o Brasil que saíram nas sete publicações consideradas os mais influentes do mundo: The New York Times e The Washington Post. dos Estados Unidos, The Guardian e The Economist da Inglaterra, Le Monde da França, Der Spiegel, da Alemanha e El País global, da Espanha.

O resultado do levantamento é devastador. Dos 1.179 textos publicados ao longo de 2020, 92% foram negativos, e isso significa que o Brasil vive uma “crise de reputação”. O estudo destaca que o Governo Bolsonaro tem sido “incompetente e vulnerável”.

O que mais contribuiu para a criação dessa imagem negativa foi, segundo a referida pesquisa, a forma desastrosa com que Bolsonaro conduziu a crise da pandemia, sua política suicida de destruição da Amazônia, a crise econômica que tornou ainda mais aguda a já grave desigualdade social no país e uma política externa desastrosa.

A imagem positiva de que o Brasil desfrutou durante décadas no mundo não excluía suas feridas ainda abertas, como o racismo, a violência e a pobreza. O que acontecia é que o Brasil sempre soube projetar o melhor do país, seus valores mais ancestrais e sua parte lúdica. E não só futebol e Carnaval, mas também sua multicultura, a música popular, com a particularidade do samba e da bossa nova, cujos grandes artistas conquistaram o mundo. E com isso tudo, o caráter acolhedor do brasileiro com os estrangeiros.

Ainda hoje em São Paulo, a maior cidade da América Latina, convivem em paz pessoas de mais de 100 nacionalidades. Lembro-me de que nas viagens que fiz pelo mundo, na companhia de correspondentes de vários países, os mais bem recebidos sempre eram os brasileiros. Recordo-me da expressão de simpatia com que eram recebidos: “Ah, brasileiros!”

Não há dúvida de que muito da imagem de simpatia de que o Brasil desfrutava se devia à sua magnífica política de relações exteriores. Seus ministros sempre foram figuras de grande prestígio e preparo intelectual, e enviavam pelo mundo como embaixadores pessoas de grande empatia e capazes de vender os aspectos mais positivos do país.

De fato, a diplomacia brasileira sempre foi considerada uma das melhores do mundo.

E agora? Passamos para o outro extremo com um ministro de Relações Exteriores que sempre cria problemas com os outros países e que esteve à ponto de azedar gravemente as relações com as grandes potências mundiais, ao mesmo tempo em que fazia de Trump seu ídolo pessoal. E quando o então presidente dos Estados Unidos perdeu as eleições, o Brasil foi o último país do G20 a parabenizar o vencedor Joe Biden, enquanto Bolsonaro continuava a defender que Trump havia vencido as eleições.

Tudo isso e mais a desastrosa política para a educação e o desprezo pela cultura, humilhando artistas e intelectuais, criaram no exterior uma política de rejeição do Brasil que pode ter custos muito sérios, afastando os empresários estrangeiros de investir no país.

E é sabido que quando um país começa a ser visto no exterior em contínua crise política e de valores, precisará de muitos anos para recuperar sua face positiva e atraente.

Tudo isso vai destruindo internacionalmente a imagem positiva do país do futuro de que o Brasil desfrutava.

Nada na política está separado da prosperidade econômica e das relações positivas com as outras nações. O resultado é sempre a perda não só de prestígio, mas também de credibilidade internacional que não pode deixar de afetar sua política econômica, empobrecendo ainda mais o país.

Hoje, em um mundo globalizado e conectado a todo instante, não cabem mais nem as muralhas da China nem os muros entre o México e os Estados Unidos nem a ressurreição das fronteiras europeias.

O mundo está mudando com tal velocidade que tentar se fechar em sua casca como o Governo fascista de Bolsonaro tenta fazer é ficar fora da história.

Até os conceitos de tempo e espaço estão mudando no mundo. Dentro de pouco tempo será possível viajar do Brasil para a Europa ou EUA em 20 minutos. Um empresário de São Paulo poderá tomar o café da manhã em casa, ir a Londres dar uma palestra e voltar para almoçar com a família. E não se trata de ficção científica, mas de uma realidade que já está em experimentação.

Por tudo isso, pretender que o Brasil, quinto maior país do mundo, permaneça fechado, envenenando suas relações com o restante do planeta em prol de uma política petrificada e empobrecida, é querer voltar às cavernas.

Para recuperar o prestígio perdido, o Brasil merece algo mais do que essa política destrutiva e negacionista.

Juan Arias é jornalista e escritor, com obras traduzidas em mais de 15 idiomas. É autor de livros como ‘Madalena’, ‘Jesus esse Grande Desconhecido’, ‘José Saramago: o Amor Possível’, entre muitos outros. Trabalha no EL PAÍS desde 1976. Foi correspondente deste jornal no Vaticano e na Itália por quase duas décadas e, desde 1999, vive e escreve no Brasil. É colunista do EL PAÍS no Brasil desde 2013, quando a edição brasileira foi lançada, onde escreve semanalmente.

Tu suscripción se está usando en otro dispositivo

¿Quieres añadir otro usuario a tu suscripción?

Si continúas leyendo en este dispositivo, no se podrá leer en el otro.

¿Por qué estás viendo esto?

Flecha

Tu suscripción se está usando en otro dispositivo y solo puedes acceder a EL PAÍS desde un dispositivo a la vez.

Si quieres compartir tu cuenta, cambia tu suscripción a la modalidad Premium, así podrás añadir otro usuario. Cada uno accederá con su propia cuenta de email, lo que os permitirá personalizar vuestra experiencia en EL PAÍS.

En el caso de no saber quién está usando tu cuenta, te recomendamos cambiar tu contraseña aquí.

Si decides continuar compartiendo tu cuenta, este mensaje se mostrará en tu dispositivo y en el de la otra persona que está usando tu cuenta de forma indefinida, afectando a tu experiencia de lectura. Puedes consultar aquí los términos y condiciones de la suscripción digital.

Mais informações

Arquivado Em

Recomendaciones EL PAÍS
Recomendaciones EL PAÍS
_
_